Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
1- Há um clima de
embuste, de perda de vergonha, de mentiras, de desprezo absoluto pelos cidadãos
que começa a ser asfixiante. Ainda não se tinha acabado de contar os votos das
eleições autárquicas e já o Presidente da República, o vice-primeiro-ministro
mais a sua assistente Maria Luís e os senhores da troika vinham colaborar na
absurda farsa que o País está a viver.
Que o Presidente da
República diga tudo e o seu contrário não constitui propriamente uma novidade.
Apelidar de masoquistas todos os economistas da esquerda à direita é lá com
ele, dizer que os políticos e analistas também o são vá que não vá. Já afirmar
com um ar definitivo que o que disse há nove meses é próprio de um masoquista
pode perturbar, convenhamos, a confiança que alguns portugueses ainda têm no
Presidente da República.
Que Paulo Portas
ande a brincar com o primeiro-ministro dizendo desde Fevereiro que vai
apresentar um projecto de reforma do Estado e que Passos Coelho lhe chame a
atenção em público por ainda não o ter feito são apenas mais umas das garotices
com que os dois nos presenteiam habitualmente. Que o vice-primeiro-ministro
venha dizer que faltam três avaliações para retomarmos a nossa soberania
financeira, quando sabe perfeitamente que nessa altura, com a economia
destruída, vamos estar mais dependentes do que nunca, enfim, é só mais uma
mentira. Que diga, sem se rir, que não vai existir outro pacote de austeridade,
quando ele sabe melhor do que ninguém que um gigantesco pacote que vai ser
concretizado no próximo orçamento já foi apresentado dia 3 de Maio, é um teste
à nossa paciência. Que ele, a troika, Passos Coelho, Banco de Portugal e
qualquer português que saiba somar dois mais dois tenham a certeza de que o
limite de quatro por cento de défice para 2014 não vai ser atingido e que vai
ser negociado lá para Março e renegociado em Maio e voltar a ser negociado em
Setembro, mas prefiram fingir que estão a falar a sério, já estamos habituados.
Afinal, é isso que tem acontecido nos últimos anos.
Agora que nos
venham dizer que o plano está a correr bem, já é de mais. A não ser que o jogo
seja uma espécie de "perdes ganhas". Estão as contas públicas em
ordem? Está o endividamento mais baixo? O desemprego desceu? O salvífico
regresso aos mercados de dia 23 de Setembro terá acontecido sem que tenhamos
dado conta? A reforma do Estado está em marcha?
Mas que raio mede a
troika? A capacidade de Portas conseguir falar sem dizer nada durante duas
horas ? A falta de vergonha que permite a um país civilizado continuar a ter
Rui Machete no Governo apesar de todas as mentiras, faltas de memória e
sugestões feitas no estrangeiro de que em Portugal não há uma efectiva
separação de poderes?
A troika não quer
assumir que o seu plano foi um falhanço completo e prefere continuar a destruir
um país a ter de arrepiar caminho. Talvez seja mau para o currículo dos
arquitectos do plano admitir que não resultou. Talvez dizendo muitas vezes que
o plano está a resultar os mercados acreditem e resolvam baixar as taxas.
Talvez não queiram embaraçar o primeiro-ministro que achava o plano tão bom,
tão bom que o levaria sempre a cabo e até iria para além dele.
A troika pode
querer tudo. Não pode é criticar o nosso Tribunal Constitucional, não pode
ameaçar uma instituição fundamental da nossa democracia. E foi o que fez numa
carta que em qualquer país que se desse ao respeito produziria uma unânime
condenação, um gigantesco coro de indignação. O Governo, o Presidente da
Republica, podem concordar com tudo. Ajudar a atirar toda a gente para o
desemprego, fazer falir tudo o que é empresa, enviar os portugueses todos para
o estrangeiro, atrasar o País quarenta anos. O que os nossos representantes não
podem consentir, com o que não podem pactuar é com a interferência nos nossos
mais sagrados direitos de soberania, com a nossa independência. O que está em
causa é muito mais do que uma opção política ou económica: é a dignidade de uma
comunidade inteira, as suas instituições mais relevantes.
O que a troika fez
foi humilhar um povo e um dos pilares da democracia. Um Governo e um Presidente
que consintam humilhações destas não merecem representar os portugueses. Um
povo que não se sinta insultado com esta vergonha só pode ser portador do
terrível vírus da apatia. Ou, se calhar, Cavaco Silva tem razão: somos um bando
de masoquistas.
2- Ontem, pela
primeira vez em muito tempo, o dia da implantação da República não foi feriado.
Uma comunidade que não celebra a sua memória colectiva, que não comemora os
seus valores fundamentais, definha. É uma comunidade condenada.
Viva a República.
Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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