Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião
Bom para uns, mau
para outros, o Governo dispõe de uma característica inquestionável: é
constituído esmagadoramente por um grupo de cínicos incorrigíveis, capazes de
tirar do sério o mais comum dos mortais.
Passos Coelho é,
desde logo, o primeiro a deixar de cabelos em pé qualquer português dotado de
bom senso. Tropeçando num discurso muitas vezes a necessitar de tradução,
tantos os ziguezagues e as palavras desconjuntadas, o primeiro--ministro é raro
dispor de uma palavra de reconhecimento ou de conforto aos portugueses em
sofrimento. Faz pior: anuncia ou discute pedaços de nova austeridade entre
sorrisos e galhofa. As imagens recolhidas nos debates da Assembleia da
República são de todo eloquentes: Passos Coelho é vezes sem conta apanhado a
esboçar sorrisinhos matreiro-cínicos com Paulo Portas, Maria Luís Albuquerque
ou algum dos outros seus ajudantes de cortes. Lamentável.
Aos membros do
Governo não se pedem lágrimas (de crocodilo) sempre e quando anunciam decisões
(ainda) mais drásticas para a vida dos portugueses. Exige-se-lhes o que parecem
incapazes de seguir: um comportamento e uma face normais - ou carregada -
sempre e quando estão a esgrimir argumentos conducentes ao empobrecimento.
Uma parte da
impopularidade do Governo passa pelos semblantes de indiferença ou mesmo de
sorrisinho à desgraça alheia e, igualmente, pela frivolidade discursiva,
tratando os cidadãos como se fossem atrasados mentais. E raro é o dia sem
registo de novas afrontas de membros do Governo.
Aguiar-Branco, uma
das referências betinhas do Governo, é o mais recente colecionador de desastres
comunicacionais e insensibilidade manifestada perante o sofrimento do povo. E
merece estar, como está, debaixo de fortíssima contestação.
Visionário dos
riscos ditatoriais se a Constituição não for reformatada (pois...), o ministro
da Defesa bem pode dar todas as piruetas do Mundo que é incapaz de fintar a
polémica do momento sob a sua batuta: os Estaleiros Navais de Viana do Castelo
(ENVC).
Mesmo dando-se de
barato os critérios de negociação que conduziram à concessão dos ENVC à
Martifer, Aguiar-Branco assumiu em público posições impensáveis. Uma bolsa de
30 milhões de euros vai servir para colocar no olho da rua 609 trabalhadores
dos estaleiros. E então? Aguiar-Branco não foi capaz de uma palavra de conforto
a operários ou famílias. Feito bloco de gelo, como se alguém tivesse de
agradecer a indemnização, destaca a "garantia de direitos"! E vai
mais longe: tratando-se da "melhor solução", passa um certificado de
parvo a quem o ouve e releva que o novo projeto "irá criar 400 postos de
trabalho". Assim mesmo. O ministro só pode ser mau de matemática. Do
erário público saem 30 milhões para enviar 618 para o desemprego, há o cenário
- só cenário - de trabalho para 400 e Aguiar-Branco arvora-se em criador de
emprego!
Não há pachorra, de
facto.
À suspeita de
incompetência este Governo junta uma certeza: a maioria dos seus membros são
socialmente insensíveis. Ou riem ou dizem disparates - ou assumem ambas as
posições. O Governo justifica, enfim, a impopularidade de que goza.
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