Em três países,
partidos ultra-conservadores e xenófobos podem vencer eleições para Parlamento
Europeu. Ascensão revela, em contrapartida, oportunidade para esquerda
Antonio Martins –
Outras Palavras, em Blog da Redação
Como o bom
jornalismo, mesmo quando produzido com viés conservador, ajuda a enxergar os
fatos e a interferir sobre seu desfecho. A revista inglesa Economist acaba de
publicar um editorial e uma análise sobre uma das tendências políticas mais
preocupantes da atualidade: o rápido crescimento, na maioria dos países da
Europa, de partidos políticos de extrema-direita. Os textos revelam: tais
agremiações podem conquistar até 10% das 751 cadeiras do próximo Parlamento
Europeu, a ser eleito em maio. Mais: em nações com influência destacada sobre o
continente e além dele — como Inglaterra, França e Holanda — a ultra-direita
pode ser majoritária, nesse pleito. Não se trata apenas de um fenômeno
eleitoral. O estado de bem-estar social, que constituiu uma espécie de
identidade comum europeia no pós-II Guerra, entrou em declínio agudo, com a
crise econômica pós-2008. A esquerda não foi capaz, ainda, de apresentar uma
alternativa. Diante do vazio, uma parcela considerável das populações busca
refúgio em três atitudes: uma crítica difusa e desesperançada às instituições
políticas, vistas como elitistas e corruptas; a nostalgia em relação a um
passado comunitário ou nacional supostamente glorioso; e, em especial, o
ressentimento — ou o ódio — em relação ao outro, em especial o não-europeu.
A extrema-direita
que cresce, mostram os textos de Economist, não é homogênea. Em alguns casos,
ela assume claramente seu caráter truculento e brutal. O partido grego Aurora Dourada (7% dos votos, em 2012), por exemplo,
assemelha-se aos nazistas tanto em seu símbolo (muito semelhantes à suástica)
quanto em suas práticas. Constitui milícias armadas, agride imigrantes e envolveu-se
em assassinatos. Já Marine Le Pen, a líder da Frente
Nacional francesa (17,9%, e 2012) e Nigel Farage, à frente do Partido
Independentista do Reino Unido procuram construir para suas agremiações uma
imagem respeitável. Rejeitam associação a regimes autoritários, participam sem
exaltação de debates na TV.
Há divergências
inclusive em relação a questões que simbolizaram a atitude da extrema-direita
no passado: a postura diante dos judeus, por exemplo. A Frente Nacional não
dissociou-se de seu passado antissemita (Jean-Marie Le Pen, pai de Marine e
fundador do partido, afirmava que o Holocausto promovido pelos nazistas foi “um
detalhe” na História) Já o Partido da Liberdade (PVV)
holandês é ardorosamente pró-Israel (além de defender o casamento gay).
Mas todos estes
partidos têm, em comum, um tipo de crítica às instituições e ao status-quo que
merece ser examinado atentamente, inclusive porque pode fazer sucesso não
apenas na Europa. Eles denunciam o empobrecimento de parcelas crescentes da
população. Não desejam, é claro, associar este fenômeno a suas causas reais —
em especial, o avanço da desigualdade e o surgimento de uma oligarquia
financeira. Mas são hábeis em apontar, como culpados, os “políticos” (em
especial a Comissão Europeia) e, em especial, o estrangeiro. Apresentam os
imigrantes como bárbaros que vão à Europa para disputar os serviços sociais com
os cidadãos “nacionais”. Odeiam, em especial o Islã e os muçulmanos. Estes
representam, em seu discurso, o mesmo papel de “ameaça externa” que Hitler
associava aos judeus.
Esta capacidade de
capitalizar o sentimento social e dirigi-lo para causas retrógradas torna a
extrema-direita perigosa não apenas pelo risco de sua eventual chegada ao
poder. Ela contamina, crescentemente, as agendas nacionais. Os partidos da
direita tradicional (e mesmo da antiga social-democracia), têm aprovado, cada
vez mais, leis e medidas que restringem a imigração e limitam os direitos e
liberdades dos estrangeiros.
Embora sombrio, o
cenário revela, visto por outro ângulo, uma janela de oportunidade. Se parcelas
crescentes dos europeus assumem posições anti-establishment, não seria possível
oferecer-lhes outras saídas? Como fazê-lo? Dependerá, provavelmente, de dois
fatores. Um deles está nas ruas: os movimentos autônomos de protesto, que
eclodiram em diversos países do Velho Continente em 2011, conseguirão se
rearticular — e mais que isso, formular reivindicações e programas claros? O
outro encontra-se no cenário institucional: os partidos de esquerda serão
capazes de dar outro sentido ao desconforto das populações?
Vale registrar um
fato animador. Na semana passada, Alexis Tsipras, líder do partido grego Syriza
foi escolhido num congresso de partidos de esquerda
europeus, como candidato do grupo, à presidência da Comissão Europeia. Esta
condição torna-o uma espécie de porta-voz comum dos partidos, nas eleições
europeias de maio. O Syriza (27% nas eleições gregas de 2012) é conhecido
precisamente por sua capacidade de dialogar com amplos setores do eleitorado e
da articular ação institucional com mobilização dos movimentos sociais.
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