Daniel Oliveira – Expresso, opinião
O grande debate
sobre os 40º aniversário do 25 de abril não é o estado da nossa democracia. Não
são as extraordinárias conquistas deste país nas últimas quatro décadas. Não é
a democratização do ensino, a redução brutal da mortalidade infantil, a melhoria
de todos os indicadores de saúde e de qualidade de vida. O aumento generalizado
do nível de vida dos portugueses. Os direitos laborais, a liberdade de
associação, de organização, de expressão. Não é a liberdade de imprensa e o que
fazemos com ela. Não é a democracia e as eleições livres. Não é a opção pela
integração europeia e o encruzilhada em que nos encontramos. O debate não é
sequer sobre as comemorações que precisamos à luz do momento político que
vivemos. Não. O debate é sobre quanto vai custar comemorar quarenta anos de
liberdade. E talvez este seja o retrato mais triste do estado de embrutecimento
deste país.
Como se isto não
bastasse, Assunção Esteves teve a ideia peregrina de propor que as comemorações
oficiais, a cargo da Assembleia da República, tivessem mecenas. Seria demasiado
óbvio explicar aqui que todos os países precisam de alguns rituais. E que esses
rituais exigem uma solenidade e dignidade que cabe às instituições do Estado
garantir. Mas é normal que o país onde o Partido Socialista propõe um tribunal
VIP para investidores estrangeiros já tenha perdido a noção de que nem tudo no
Estado pode ser esmagado pela lógica estritamente financeira e económica.
As comemorações
oficiais do 25 de abril já têm mecenas. São os cidadãos. Eu, com os meus
impostos, por exemplo. E a maioria dos portugueses, que se revê sem qualquer
dúvida naquela data. E se até a comemoração da liberdade e da democracia é
privatizada ou passa a depender de parecerias público-privado, dispenso que o Estado
participe nelas. Que sejam feitas na rua, pelo povo. Esse, ao menos, não
precisa de patrocínios.
Mas não sou
ingénuo. A discussão em torno dos custos desta comemoração histórica está longe
de ser ingénua. E não caiu do céu. Nada melhor do que o populismo mais rasteiro
para quebrar o ânimo a quem queira comemorar uma revolução que, para além da
liberdade e da democracia, trouxe consigo a ambição de acrescentar justiça
social a um país que era vergonhosamente desigual. Uma ambição que é hoje
retratada pelo poder como uma opção histórica irresponsável de quem quis viver
acima das suas possibilidades. A melhor forma de moldar o presente é fazer
esquecer o passado. E, neste caso, a melhor forma de fazer esquecer o passado é
tornar a sua celebração num crime contra as finanças públicas.
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