sábado, 8 de março de 2014

Angola: QUANDO A PROBIDADE AJUDA A ENRIQUECER OS GOVERNANTES…




OU MATAMOS A CORRUPÇÃO OU A CORRUPÇÃO MATA-NOS!

Orlando Castro – Folha 8, 1 março 2014

Lei da Pro­bidade Pú­blica cons­titui, pelo menos em teoria, o que se po­derá considerar um passo importante, eventualmen­te decisivo, para uma boa governação, tendo em conta o reforço dos me­canismos de combate à cultura da corrupção e a institucionalização dos pi­lares de uma democracia e de um Estado de Direito.

Mesmo em países que são de facto, e não apenas de jure, democracias, a cor­rupção é uma enfermidade contagiosa que está na ori­gem do colapso financeiro de muitas sociedades. Na verdade, se os países não matarem a corrupção aca­bam por ser mortos por ela.

Seja como for, Angola não pode viver com o mal dos outros embora, reconheça­-se, possa bem com eles. Não adianta tapar o sol com uma peneira como, por exemplo, faz o Procu­rador-Geral da República, José Maria de Sousa, quan­do reconhece que a cor­rupção em Angola é “preo­cupante”, mas desculpa-se dizendo que esse é um problema que se vive em todo o mundo.

“Com certeza (que é preo­cupante), não só em An­gola. Mesmo naqueles paí­ses que apregoam contra outros, esquecem-se que, internamente, também têm esse problema, que é universal”, referiu em tempos recentes o nosso PGR, acrescentando que “todos os países deve­rão unir-se para dar um combate cerrado a essas práticas, porque nenhum país conseguirá combater sozinho a criminalidade organizada, até porque, se tivermos a atenção devida, determinadas práticas que se tornaram habituais nos nossos países vieram, de algum modo, dos países desenvolvidos”.

“A corrupção não nasceu dos nativos, porque tínha­mos uma forma primitiva de fazer comércio, de fa­zer trocas, que não permi­tia sequer a corrupção. A corrupção vem de fora, e agora vamos ter de encon­trar forma de a combater e combater com aqueles que melhor conhecem o fenómeno”, sustenta José Maria de Sousa.

Esquecendo, ou não se lembrando, que só por si as leis não resolvem os problemas, o PGR pare­ce acreditar que o facto de Angola ter assinado a Convenção das Nações Unidas contra a Corrup­ção é a solução milagrosa para acabar com o proble­ma. Mas não é. Apesar de muitas leis deficientes e inócuas, o que nos faz falta é cumprir rigorosamente as que existem. Se fossem cumpridas, embora não sanassem a questão, certa­mente que seriam um bom instrumento de combate à corrupção e à lavagem de capitais.

“Temos cumprido com muitas cartas rogatórias, nomeadamente vindas de Portugal, e não só. Rece­bemos cartas rogatórias em matéria penal de mui­tos países e cumprimos e temos já instaurado em Angola alguns processos a respeito dessa matéria”, diz José Maria Neves.

“Temos de ser persisten­tes para que África possa estar unida no combate à criminalidade transnacio­nal e internacional”, diz também João Maria de Sousa, saltando a necessi­dade de o exemplo dever partir de dentro para fora, de cima para baixo.

Recorde-se que a Assem­bleia Nacional aprovou no dia 5 de Março de 2010, com o devido destaque propagandístico da im­prensa do regime e não só, por unanimidade, a Lei da Probidade Administrativa, que visa, visava ou visaria (de acordo com a versão oficial) moralizar a actua­ção dos agentes públicos do nosso país.

Foi dito na altura (restam dúvidas se hoje a tese é a mesma ou se, por acaso, também foi… corrompida) que o objectivo da lei é conferir à gestão pública uma maior transparência, respeito dos valores da de­mocracia, da moralidade e dos valores éticos, univer­salmente aceites.

Foi em 2010. Quatro anos depois somam-se os ca­sos de desrespeito pelos valores da democracia, da moralidade e dos valores éticos.

O presidente da Repúbli­ca, do MPLA (partido no poder desde 1975) e chefe do Executivo (para além de outros cargos), José Eduardo dos Santos, quan­do na altura deu posse ao Governo reafirmou a sua aposta na “tolerância zero” aos actos ilícitos na admi­nistração pública. Todos os anos o mais alto magis­trado da nação reafirma os princípios, todos os anos eles são sistemática e en­demicamente violados.

Apesar da unanimidade do Parlamento, dos en­cómios dos areópagos internacionais, da propa­ganda interna, o melhor é fazer, continuar a fazer, o que é aconselhável e mais prudente quando chegam notícias sobre a honorabilidade do regime, esperar (sentado) para ver se – com o nosso típico optimismo africano - nos próximos dez anos a “to­lerância zero” sai do pa­pel, sai da lei, sai da teoria, em relação aos donos dos aviários e não, como é ha­bitual, relativamente aos pilha-galinhas que são, re­conheça-se, bodes expia­tórios ideais para mascarar a realidade.

Essa lei “define os deve­res e a responsabilidade e obrigações dos servidores públicos na sua activida­de quotidiana de forma a assegurar-se a moralidade, a imparcialidade e a hones­tidade administrativa”. A lei diz tudo. A prática tam­bém. Por outras palavras, a lei só se aplica às zunguei­ras e similares e não, como era pressuposto, aos donos do poder.

Ao contrário do que dizem e mandam dizer os gene­rais do Presidente, tam­bém nós gostaríamos de acreditar que a lei, que as leis, são iguais para todos. Mas não são. Aliás, José Eduardo dos Santos, um político inteligente, sabe que perante as leis existem pelo menos dois tipos de cidadãos. Os de primeira, os que estão acima das leis, e os de segunda que as têm de cumprir. Aliás, muitos destes até são obrigados a cumprir as “leis” do livre arbítrio dos poderosos.

É claro que a maioria dos angolanos não acredita no cumprimento das leis. Têm, contudo, de estar caladinhos e nem pecar em pensamentos. José Eduardo dos Santos sabe disso mas, tanto quanto parece, basta-lhe acredi­tar que a Lei da Probidade Administrativa fará que Angola suba para aí meio lugar nos últimos lugares do “ranking” que analisa a corrupção.

Acreditarão na Lei da Probidade Administrativa todos aqueles que sabem, até mesmo os que dentro do partido batem palmas reverenciais sempre que o chefe fala, que a depen­dência sócio-económica a favores, privilégios e bens, o cabritismo, é o método utilizado pelo núcleo-duro e ultra ortodoxo do MPLA para amordaçar os angola­nos?

Acreditarão na Lei da Pro­bidade Administrativa os que sabem que 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangei­ros; que mais de 90% da ri­queza nacional privada foi subtraída do erário público e está concentrada em me­nos de 0,5% da população?

Acreditarão na Lei da Pro­bidade Administrativa to­dos os que sabem que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital ac­cionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está li­mitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?

Prevalecendo o tal nosso optimismo, dir-se-á que, se calhar, para haver probida­de seria preciso que o po­der judicial fosse indepen­dente e que o Presidente da República não fosse o “cabeça de lista” (ou seja o deputado colocado no pri­meiro lugar da lista), eleito pelo do circulo nacional nas eleições para a Assem­bleia Nacional, mas sim eleito nominalmente.

Se calhar para haver pro­bidade seria preciso que não fosse o Presidente a nomear o Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribu­nal, todos os juízes do Tri­bunal de Contas, o Procu­rador-Geral da República, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, os Chefes do Estado Maior dos diversos ramos.

Se calhar para haver probi­dade seria preciso que An­gola fosse de facto – não apenas no articulado legal - um Estado de Direito, coisa que manifestamente (ainda) não é.

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