São já mais de 100
mil as pessoas que trabalham no Estado e em IPSS sem salário ou direitos
laborais.
Cristina Andrade
São pessoas
sujeitas a uma das mais agressivas formas de exploração laboral, o “trabalho
socialmente útil” materializado nos contratos de emprego inserção (CEI). Até
quando vai esta realidade continuar silenciada?
As relações
laborais atípicas têm vindo a recrudescer ao longo dos últimos anos, seja
através do recurso a empresas de trabalho temporário, falsos recibos verdes,
estágios ou trabalho não declarado. À medida que a emigração atinge números
inéditos e que o desemprego afeta mais de um milhão de trabalhadores, as
condições para a opressão de quem trabalha intensificam-se também. É neste
contexto que os contratos de emprego inserção se estão a disseminar, atingindo
já mais de 100 mil pessoas (que apesar de desempregadas não contam para as
estatísticas do desemprego).
As medidas que
obrigam pessoas desempregadas a trabalhar foram conhecidas durante vários anos
como Programa Ocupacional de Emprego (POC), sendo o seu nome mais recente
Contrato de Emprego Inserção (CEI) – quando destinado a pessoas que recebem
subsídio de desemprego – e Contratos de Emprego Inserção+ (CEI+), quando os
destinatários são pessoas que recebem o rendimento social de inserção (RSI).
O funcionamento
destes programas é, em traços gerais, o seguinte: a colocação de trabalhadores
ao abrigo de CEI e CEI+ é da responsabilidade do Instituto do Emprego e
Formação Profissional (IEFP); podem candidatar-se a receber estes trabalhadores
as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e os serviços
públicos do Estado, devendo para tal manifestar o seu interesse junto do IEFP.
Posto isto, o IEFP contacta as pessoas inscritas no Centro de Emprego que
considera adequadas e escolhe uma pessoa que tem obrigatoriamente que aceitar a
colocação no CEI ou CEI+ sob pena de perder o subsídio de desemprego ou o RSI.
De acordo com a
legislação em vigor, os CEI e CEI+ não deveriam ocupar postos de trabalho, mas
é por demais evidente que não é isso que acontece. Na verdade, há diversas
funções do setor público que são asseguradas graças aos CEI e CEI+, como sejam
os auxiliares de ação educativa nas escolas, sendo por demais evidente que esta
se trata de uma função permanente e que, portanto, estas pessoas deveriam ser
contratas. O mesmo se passa nas IPSS que recorrem por demais a CEI e CEI+ para
asseguram funções inerentes a estas instituições, escusando-se assim a pagar um
salário a trabalhadores.
Ora, as pessoas
contratadas através de CEI e CEI+ são extremamente interessantes para as
entidades contratantes uma vez que elas significam trabalho quase gratuito e
quase sem direitos. De facto, a entidade contratante tem apenas que pagar o
subsídio de transporte e de alimentação e uma pequeníssima parte da bolsa
mensal que o trabalhador recebe.
No final do mês, a
pessoa que está a trabalhar ao abrigo de um CEI receberá o seu subsídio de
desemprego, acrescido de 83,84€ (20% do Indexante dos Apoios Sociais). Uma
pessoa que esteja a receber o RSI; no final do mês vai receber 419,22 euros por
mês (valor do Indexante dos Apoios Sociais), sendo que a entidade contratante
paga apenas 10% deste valor caso seja uma IPSS e 20% se for uma entidade
pública, sendo o restante pagamento assegurado pelo IEFP.
Perante o exposto
se constata que para a entidade patronal esta medida só apresenta vantagens,
uma vez que quase nada tem que pagar por um trabalhador a tempo inteiro,
trabalhador este que, formalmente, é um desempregado a exercer funções
socialmente úteis e que portanto não tem direitos laborais.
Neste cenário,
criam-se naturalmente expectativas junto das pessoas desempregadas que esperam
poderem ser empregadas por estas instituições, o que nunca acontece não só
porque essa não é a intenção de fundo como também porque há um batalhão de
pessoas desempregadas prontas a serem obrigadas a trabalhar de graça quando
aquele CEI for embora.
De acordo com os dados oficiais do IEFP, em 2013 este instituto público
tinha como meta a colocação de 61856 pessoas através de CEI e 12993 através de
CEI+, o que perfaz um total de 74849 pessoas a serem colocadas ao abrigo destas
medidas.
Contabilizando as
pessoas que entraram em CEI e CEI+ em 2013 e as que se encontravam já a
trabalhar ao abrigo desta medida, estamos a falar de mais de 100 mil pessoas
que estão a trabalhar no Estado e em IPSS através de CEI e CEI+.
100 mil pessoas que
deveriam ter um contrato de trabalho com os direitos e deveres laborais
associados.
100 mil pessoas que
não estão contabilizadas nas estatísticas do desemprego.
100 mil pessoas que
são voluntárias à força.
Uma sociedade
decente não pode permitir que esta realidade continue silenciada!
Esquerda net - Cristina Andrade, ativista
contra a precariedade. Dirigente do Bloco de Esquerda
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