Sob influência dos
“falcões” neoconservadores, Obama lançou-se a nova aventura arrogante. Nem toda
histeria da mídia ocultará sua derrota
Pepe Escobar,
no Znet - Outras Palavras - Tradução: Antonio Martins
Vamos aos fatos,
rápido e rasteiro:
1. O jogada
“estratégica” do governo Obama para subcontratar, junto ao “Khaganato de
Nulands1” do Departamento de Estado, e
exclusão da Ucrânia da esfera de influência Russa e sua anexação subsequente à
NATO está arruinada. Ela baseava-se em instrumentalizar uma coalizão de
neonazistas e fascistas, pintada com verniz de banqueiro (o primeiro ministro
Arseniy Yatsenyuk).
2. O contra-ataque
de Moscou consistiu em evitar, na Crimeia, um repetição programada do putsch de
Kiev. O referendo na Crimeia (85% de comparecimento, em torno de 93% dos
eleitores a favor da reincorporação à Rússia) é fato consumado, ainda que a
“tão democrática…” União Europeia continue ameaçando punir o povo por exercitar
seus direitos democráticos.
3. A principal
razão para todo o movimento “estratégico” dos EUA – levar seus aliados, os putschistas de
Kiev, a cancelar o acordo que permite a presença de uma base naval russa em
Sebastopol – virou fumaça. Moscou continua presente no Mar Negro, com pleno
acesso ao Mediterrâneo Oriental.
O resto é blablablá.
Nos últimos dias, o
Departamento de Estado dos EUA praticamente concordou com uma Ucrânia
federativa e, em termos práticos, finlandizada2. Por sinal, é a solução proposta
pelo ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov desde o início, com
atesta um documento russo.
O secretário de Estado dos EUA, John Kerry vai tentar roubar todo o crédito dos
russos, assim como fez na crise síria. A mídia corporativa norte-americana
comprará a versão docilmente, mas não publicações independentes, como Moon of
Alabama3.
Esta solução
inteligente implica, entre outros pontos cruciais: forte autonomia para as
regiões, na Ucrânia; a reintrodução do russo como língua oficial, ao lado do
ucraniano; e, principalmente, neutralidade política e militar do país – ou
seja, a “finlandização”. Construir o entendimento será a missão de um grupo de
apoio – igualmente proposto por Moscou desde o início – em que estarão
presentes Estados Unidos, União Europeia e Rússia.
E tudo será
santificado por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU (ressalve-se que
tudo pode dar errado, espetaculosamente, caso o “Ocidente” continue em posição
de sabotagem). E tudo isso, também, sem que Moscou obrigue-se a reconhecer os putschistas de
Kiev. Trocando tudo em miúdos: diante do blefe de Washington, Moscou pagou para
ver – e ganhou.
Portanto, após toda
a interminável série de ameaças, que envolveu desde Obama, Kerry e os falcões
neoconservadores até parceiros menores, como o primeiro-ministro britânico
David Cameron, seu chanceler William Hague e o premiê francês Franços Hollande,
o essencial é: o governo Obama concluiu que não valia a pena arriscar um
conflito nuclear com a Rússia pelo Khaganto de Nulands. Especialmente depois
que Moscou fez saber, discretamente, que poderá criar condições para que o
Leste e o Sul da Ucrânia também se separem da Ucrânia.
A Suécia, por
exemplo, propôs um embargo à venda de armas para Moscou. Paris voltou os olhos
rapidamente para os interesses de seu complexo industrial-militar e disse não.
Só os decerebrados cultivam a noção de que Paris e Berlim desejarão arriscar
suas relações comerciais com a Rússia. Ou pensarão que Beijing aderiria a
sanções contra a Rússia – sua companheira no G-20, no BRICS e na Organização de
Cooperação de Shangai – apenas porque Washington, vista na China como cada vez
mais irracional, recomentou o gesto.
Ainda assim, a
histeria ocidental prosseguirá invicta. Nos Estados Unidos, onde importa, a
pergunta posterior será, inevitavelmente, “quem perdeu a Síria?” e “quem perdeu
a Ucrânia?”
Eis o placar:
George Bush lançou-se em duas guerras – e perdeu miseravelmente ambas. Obama
tentou lançar duas guerras (Síria e Ucrânia). Por sua própria sorte, perdeu ambas
ainda na fase de “tentativa”. Os neoconservadores e toda a brigada de
excepcionalistas4 estão previsivelmente lívidos.
Aguarde: a página de editoriais do Wall Street Journal vai tornar-se
“balística”. E a embaixadora dos EUA na ONU, Samantha Power desejará ser Sinead
O’Conner, cantando Nothing
Compares to You.
Os putschistas de
Kiev já estão anunciando suas intenções. O capo do grupo neonazista Right
Sector, Dmytro Yarosh afirma: “A
Rússia ganha dinheiro enviando petróleo para o Ocidente por meio de nossos
oleodutos. Destruiremos estes oleodutos para privar nosso inimigo de sua fonte
de renda”.
É a estratégia
brilhante de um playboy do Khaganato de Nulands. As famílias e toda a base
fabril da Ucrânia ficariam sem gás (vendido barato, com desconto), para não
falar das grandes indústrias alemãs, para que os neonazistas cantem “vitória”.
Com amigos como estes…
Os executivos da
Gazprom não estão exatamente franzindo as sobrancelhas. Cerca de metade do gás
que a Rússia envia à Europa já não passa pela Ucrânia, e em 2015, quando o
gasoduto South Stream ficar
pronto, este percentual crescerá (as “sanções” da União Europeia contra o South
Stream são pura retórica).
Os putschistas vão
tentar armar confusão também em outros fronts. O novo parlamento ucraniano
decidiu constituir uma Guarda Nacional de 60 mil membros, coalhada de
“ativistas”. Adivinhe quem a dirigirá: o novo chefe de segurança, Andriy
Parubiy, um dos fundadores do Partido Nacional-Social, neonazista. Seu vice não
é outro senão Yarosh, líder dos paramilitares do Right Sector. Que fiquem à
vontade para criar suas próprias metáforas hitlerianas, mesmo que cresça o
risco de a Ucrânia quebrar. Não é necessariamente má ideia. Vamos deixar que a
“democrática” União Europeia pague as contas de gás de Kiev…
1 Referência à presença crescente da
extrema-direita norte-americana (os “neoconservadores”) no Departamento de
Estado, no governo Obama. “Nulands” é Victoria Nuland, a
subsecretária de Estado para assuntos da Eurásia. Radicalmente anti-Rússia,
ficou conhecida há semanas, quando vazou um telefonema que manteve com o
embaixador dos EUA na Ucrânia. Recomendava-lhe ampliar a disputa com Moscou,
ignorando a postura, mais conciliadora, da União Europeia. “Foda-se a UE”,
disse então. “Khaganato” refere-se a Robert Kagan, seu marido,
um dos principais expoentes dos neoconservadores, defensor de que os EUA
imponham, por meios militares, sua hegemonia global. [Nota do Tradutor]
2 “Finlandizar” a Ucrânia significa assegurar
que ela assuma neutralidade entre Estados Unidos e Rússia. O termo origina-se
do papel semelhantes que a Finlândia cumpriu, durante a Guerra Fria, como
“tampão” entre Estados Unidos e União Soviética. A “finlandização” tem sido
defendida mesmo por analistas norte-americanos conservadores, como Henry
Kyssinger e Zbigney Brezinsky [Nota do Tradutor]. A notícia das negociações de
bastidores em curso, entre EUA e Rússia, para “finlandizar” a Ucrânia pode ser
lida em Lavrov,
Kerry agree to work on constitutional reform in Ukraine: Russian ministry,
Reuters, March 16, 2014.
3 Ukraine: U.S. Takes Off-Ramp, Agrees To
Russian Demands, Moon of
Alabama, March 16, 2014.
4 Corrente de pensamento na política segundo a
qual os EUA são uma nação “excepcional”, imprescindível, por seu poder e suposta
sabedoria, à segurança do mundo. [Nota do Tradutor]
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