Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
Há cerca dum ano,
António José Seguro era contra as eleições primárias no Partido Socialista. Nas
suas palavras, "não fazia sentido". Ontem, surpreendendo toda a gente
e desdizendo tudo o que sempre defendeu, resolveu defender essa solução. Parece
que o secretário-geral só se apercebeu de que havia um problema entre os
partidos e o eleitorado nas últimas eleições. As eleições que deram ao PS uma
estrondosa vitória, que até lhe permitia pedir ao Presidente da República
legislativas antecipadas - não fossem os problemas no PS, segundo Seguro. Pelo
meio, e como é da praxe sempre que não se tem nada para dizer, propõe-se uma
mudança no sistema político, uma regeneração dos partidos "para separar os
negócios da política" e uma diminuição do número de deputados. Onde é que
já ouvimos isto? É mesmo à saída duma reunião interna, em que se discute a vida
interna dum partido, que se devem propor ao País alterações estruturais no
sistema político.
Entretanto, o
cumprimento rigoroso dos estatutos do partido, que tanto preocupava os
apoiantes de Seguro durante a semana, já não é tão relevante: o que é preciso é
mais democracia, transparência e participação dos cidadãos. Não parece que seja
fácil de entender o conceito de democracia e participação quando se recusa qualquer
tipo de debate.
Seguro não se
demite, não convoca um congresso extraordinário, mas quer primárias. De que
forma as quer? Ninguém sabe. Abertas a todos? Com voto dependente duma
declaração de simpatia? Criando a categoria de simpatizante? Pois, de alguma
forma será. O problema é que nos estatutos dos socialistas não estão previstas
primárias, e muito menos o método a utilizar.
A Comissão Política
estudará. Estudará arduamente, claro está. É possível que até sejam ouvidos
especialistas americanos, franceses, italianos e outros para que a proposta da
Comissão Política seja boa e fique pronta. Levará o seu tempo. Se levar o tempo
que Seguro levou para perceber que, afinal, as primárias são um bom método,
teremos um Congresso para aprovar as novas regras lá para 2030.
Deixemo-nos de
tretas, Seguro é um político medíocre, tem mostrado uma confrangedora
capacidade política, não consegue agregar, não consegue definir uma linha
política coerente, mas é um especialista na arte da sobrevivência dentro do
partido. Um verdadeiro exemplo do homem que nunca conheceu outra realidade que
não fossem as lutas partidárias internas, os truques para preservar o poder.
Seguro é um político frágil, fraco, indeciso e incoerente, mas é um leão da
politiquice de máquina partidária. À imagem do primeiro-ministro, aliás. A
forma como estes homens se agarram ao poder é quase admirável. Como o poder
para eles não é instrumental e é, sim, a medida de todas as coisas, chega a ser
assustador.
Desta vez, nem toda
a habilidade de conservar o poder no partido estava a chegar. O partido,
percebendo que as legislativas estavam em risco e que Costa seria um vencedor
bem mais provável, prestava-se para correr com ele. E eis que Seguro tira o
coelho da cartola: primárias. Se alguém tivesse dúvidas de que ele sabia que
perderia o poder, esta fuga para a frente dissipou-as completamente. É que nem
o mais indefetível seguidor de Seguro ignora que numas primárias o atual
secretário-geral seria copiosamente derrotado por Costa.
Para Seguro, neste
momento, poderiam ser primárias, secundárias, pestes suínas, chuvas ácidas,
javalis ao lume ou outra coisa qualquer. Seguro apenas quer ganhar tempo.
Muitos estudos, muitas reuniões, muitas comissões. Que o tempo corra depressa
para que não haja forma de o PS ter outro candidato a primeiro-ministro. Quer
lá ele saber da vontade do partido, da vontade do eleitorado tradicional
socialista, da opinião pública. Do que se esquece é que o tempo que quer a toda
a força ganhar é inversamente proporcional ao resultado que obterá. Seguro, com
a sua inqualificável conduta, ao recusar uma solução rápida para a crise no
partido, conduzirá o PS à mais estrondosa derrota eleitoral de sempre.
Para não variar,
esta gente pensa que as pessoas não estão a ver. Ou então julgam que as pessoas
são estúpidas e não percebem que tudo isto não passa dum jogo medíocre e
mesquinho de quem olha o poder como um objetivo em si mesmo e está disposto a
rigorosamente tudo para o manter. Regeneração, pois claro.
Seguro precisava
mesmo de berrar "habituem-se". É que já estávamos habituados a
poucas-vergonhas, mas não a um nível destes.
(Devido à loucura
instalada, convém dizer que este artigo acabou de ser escrito às 17.00.)
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