António
Galamba – jornal i, opinião
O
governo de Pedro Passos Coelho conforma-se com os danos colaterais na vida das
pessoas e nos territórios
O
ESTADO DA DESTRUIÇÃO
Depois de três anos de troika e de um governo mais
fundamentalista na austeridade que a própria troika, o debate do estado da
nação não pode deixar de ser feito em torno do estado da destruição
concretizada pela estratégia de empobrecimento da maioria PSD/CDS. O que
parecia ser defeito ou uma imposição do Memorando de ajustamento é afinal
feitio: algo interiorizado e com as sucessivas avaliações os compromissos com
os credores passaram mesmo a ter as costas largas. Foi-se embora Gaspar, diziam
que se tinha ido embora a troika, mas tudo acaba por ser quase irrelevante
quando a semente da defesa do Estado mínimo, do desmantelamento das funções
sociais do Estado e de uma certa lógica de divisão e abandono dos portugueses
tem em Pedro
Passos Coelho o seu expoente máximo. A deriva da austeridade
e dos sacrifícios sem limites afirma-se numa cadência em que os cortes são para
ontem e alguma coisa que de positivo possa existir é sempre remetida para um
futuro incerto. Certas são sempre as soluções de três anos: mais cortes nos
rendimentos, nas pensões e nas reformas; mais impostos e mais cortes nos
serviços públicos.
A
DESTRUIÇÃO DA PRESENÇA E DA OFERTA DO ESTADO
Passos e o seu governo têm um
preconceito contra o Estado e contra os funcionários públicos e não se trata
apenas de uma deriva para criar mais mercado para os mercados, é um traço do
ADN político. É assim que surgem os ataques à escola pública e ao serviço
nacional de saúde. É por isso que o encerramento e a desclassificação dos
tribunais, o encerramento de mais 311 escolas do 1.o ciclo do ensino básico, a
extinção de freguesias, o encerramento das repartições de Finanças convertidas
em lojas do cidadão light, a reorganização hospitalar ou o fecho de postos dos
correios são tudo danos colaterais de uma certa visão do país. Portugal é os
grandes centros urbanos e o resto é paisagem. Paisagem com gente, mas paisagem.
É assim a densidade de pensamento que emana das carpetes dos gabinetes do poder
no Terreiro do Paço.
A
DESTRUIÇÃO SOCIAL
O ridículo mote da maioria, "A vida das pessoas não
está melhor, mas o país está muito melhor", esbarra no
"inconseguimento" das metas do desemprego, do défice e da dívida
pública previstas no Memorando inicial e na intransigência do governo e da
maioria, de não olhar a meios para tentar atingir os fins. Por isso já vai em
oito chumbos de normas no Tribunal Constitucional. Na voragem do corte cego e
da subserviência à doutrina da austeridade sem limites, o governo entusiasma-se
com os ditos da troika e conforma-se com os danos colaterais na vida das
pessoas e nos territórios. No período de um ano, 2389 crianças com necessidades
educativas especiais deixaram de receber o subsídio de educação especial, 38
mil portugueses com mais de 66 anos perderam o Complemento Solidário para
Idosos, trinta e oito mil crianças e jovens deixaram de receber o Abono de
Família, quarenta e cinco mil cidadãos perderam o rendimento social de
inserção, 24,7% dos portugueses sentem dificuldades em cobrir as necessidades
sociais e há 412 mil portugueses no desemprego sem qualquer apoio social do
Estado. E no meio deste turbilhão que potencia a pobreza, a exclusão social, a
solidão e o aprofundamento das desigualdades sociais, ainda houve 120 mil
portugueses que terão emigrado em 2013. É claro que o governo pode sempre
encontrar desculpas para converter direitos sociais em exercícios de caridade
ou para tentar sacudir as suas responsabilidades para a esfera da economia
social, mas nada desculpa esta resignação perante a realidade do sofrimento de
milhares de portugueses. Na Europa resigna-se com Merkel, em Portugal
conforma-se com as consequências sociais da sua política. O drama é que a
euforia do milagre económico depressa cedeu espaço à preocupação pela pouca
solidez dos indicadores económicos e pela ausência de descolagem da economia
portuguesa. E neste quadro de desnorte, o governo embrulha-se em sucessivas
previsões de datas que falha. O salário mínimo nacional era para ser aumentado
depois das europeias e da saída da troika, agora é para Janeiro de 2015. Os fundos
comunitários eram para ser aplicados a partir do início de 2014, agora só para
Outubro.
Com
este estado de destruição e com um governo em estado de resignação perante o
curso da realidade, do que o país menos precisava era que uma ambição pessoal
em jeito de vale tudo abrisse uma crise política num PS que ganhou duas
eleições e que tinha acabado de apresentar as bases para um programa de
governo, o Contrato de Confiança. Também aqui há quem pouco se importe com os
danos estruturais e os danos colaterais.
Político
(PS)
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