quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Acordo Ortográfico: A hipótese de uma ortografia do português de Angola



Wa Zani – Jornal de Angola, opinião - 27 de Agosto, 2014

Ao fim de quase um quarto de século após a assinatura do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) e face à dificuldade de concertarmos, entre todos os Estados membros uma ortografia que satisfaça por completo os agora oito países desta nossa Comunidade, talvez não seja utópico pensarmos na forma de redigirmos o nosso português angolano, sem beliscarmos outros aspectos que nos ligam à CPLP.

Em cada computador aparecem várias opções para a ortografia do inglês (África do Sul, Austrália, Belize, Canadá, Caraíbas, Estados Unidos, Índia, Indonésia, Irlanda, Jamaica, Malásia, Nova Zelandia, R.A, de Hong Kong, Reino Unido, Singapura, Trinidade e Tobago, Zimbabwe) e também para a ortografia do francês (Bélgica, Camarões, Canadá, Costa do Marfim, Haiti, Índias ocidentais, Luxemburgo, Mali, Maurícias…). Em relação à Língua Portuguesa, há ainda as opções do português de Portugal e do Brasil, apesar de nos aparecer, após o AO90, palavras sublinhadas a vermelho no nosso computador, como se estivessem erradas, apesar das duas normas ortográficas (a velha e a nova) estarem ainda em vigor. Nos cinco PALOP, a norma do português era a do português de Portugal, que decidiu afastar-se para uma outra ortografia mais próxima do português do Brasil.   A 10 de Agosto de 1945, o Brasil assinou com Portugal a “Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945” e há 70 anos que não a cumpre. No actual contexto do AO90, o Brasil salvaguardou antecipadamente as questões culturais de ordem ortográfica do “tupi-guarani” e nós angolanos, preocupamo-nos em salvaguardar o nosso património linguístico bantu, principal vertente cultural da nossa identidade, cuja estrutura difere bastante da linguística neolatina.

O reconhecimento da fragilidade do texto do AO90 é praticamente consensual e há cidadãos dos países da CPLP, que, por falta de um prontuário ortográfico que lhes sirva de referência, misturam as duas ortografias, incluindo os próprios professores. O que se pressupunha que iria unir a grafia em português, nunca se irá concretizar, tal como a maior difusão internacional da Língua Portuguesa e uma maior facilidade da aprendizagem para o próprio idioma. Para que serviu afinal o Acordo Ortográfico?

O Vocabulário Ortográfico Comum (VOC), a ser realizado a partir dos Vocabulários Ortográficos Nacionais (VON), só faria sentido, se fossem elaborados de forma ampla e multissectorial. Mas como isto leva algum tempo, não está a ser feito na grande maioria dos países.

Em 30 de Março de 2012, em Luanda, a VII reunião dos Ministros da Educação da CPLP reconheceu que “a aplicação do AO de 1990 no processo de ensino e aprendizagem revelou a existência de constrangimentos” e decidiu proceder a “um diagnóstico relativo aos constrangimentos e estrangulamentos na aplicação do AO de 1990” e sugeriu “acções conducentes à apresentação de uma proposta de ajustamento do AO de 1990, na sequência da apresentação do referido diagnóstico.” A VIII Reunião dos Ministros da Cultura da CPLP, realizada, também em Luanda, nos dia 2 e 3 de Abril de 2012, decidiu “apoiar a Declaração Final da VII Reunião dos Ministros da Educação da CPLP sobre o Acordo Ortográfico”.

A 17 de Abril de 2014, a VIII Reunião dos Ministros da Educação, realizada em Maputo, decidiu “instar o Conselho Científico do IILP, através do Secretariado Executivo da CPLP, a incluir na agenda da sua próxima reunião os seguintes pontos, para análise e pronunciamento: “Parecer oficial sobre o Acordo Ortográfico de 1990, apresentado por Angola; Diagnóstico relativo aos constrangimentos e estrangulamentos na aplicação do Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa de 1990; Acções conducentes a apresentação de propostas de ajustamento do Acordo Ortográfico de 1990, na sequência da apresentação do referido diagnóstico”.

Os sócios do PEN Clube Português, reunidos em Assembleia Geral no dia 18 de Março de 2013, “defendem a necessidade de suspensão imediata da aplicação do AO, a fim de que possa ser retomada uma discussão pública séria sobre um assunto que não pertence ao foro político nem económico mas linguístico e cultural; consideram que, tal como os autores dos pareceres qualificados sobre o Acordo, que em 2008 foram completamente ignorados e cuja opinião deve ser tomada em consideração, também os escritores, que trabalham com a matéria-prima da língua e que na sua grande maioria sofrem com os resultados da amputação das raízes em muitas palavras, tornando estas irreconhecíveis, têm que ser ouvidos, quer individualmente, quer através das organizações que integram, como a Associação Portuguesa de Escritores (APE), o PEN Clube Português e a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA)”.

No portal do Senado Brasileiro, foi, no dia 1 de Outubro de 2013, dada a conhecer a constituição de um Grupo de Trabalho com a seguinte informação: “O grupo terá a participação dos professores Ernâni Pimentel e Pasquale Cipro Neto”. O AO90 colhe reservas no Senado, existindo o desejo expresso de pôr em questão o AO90, e a missão deste Grupo “é contribuir para que o país tenha uma proposta para simplificar e aperfeiçoar o acordo. A ideia é fazer com que o grupo trabalhe com especialistas de outros países de língua portuguesa.”

Pelos vistos, mesmo a nível oficial, há posições muito divergentes, quer em Portugal como no Brasil. Os Ministérios da Educação e da Cultura pronunciam-se de um forma e os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores influenciam os seus subordinados mais directos de outra forma. Mas, não há nada pior do que ter um Acordo aprovado por decreto e não por consenso. Ou melhor, nada pior que um Acordo político para as questões de uma língua que é património comum da humanidade. Fugir para a frente parece ser o melhor caminho para salvar as editoras brasileiras e portuguesas, que se anteciparam antes do tempo e agora dizem que os constrangimentos são de pouca monta. Quem terá feito esse diagnóstico?

Os PALOP, cujo parque editorial depende das importações dos países que já admitem que o texto do Acordo é fraco e que há erros e aporias, só teriam a ganhar com a revisão do AO90, pois quando se adere ao que, à partida, está mal, corremos o risco de termos de mudar tudo outra vez daqui a uns anos e são sempre os mesmos a vender e os mesmos a importar, de acordo com o ambiente económico de conveniência.

Será que a nós nos interessa, do ponto de vista patrimonial, a glotofagia da Língua Portuguesa, no momento em que já conhecemos a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos?

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