Rui Peralta, Luanda (ler texto anterior)
VI - Os USA encontram-se numa
encruzilhada. Este é um momento de deslocação do centro financeiro mundial. Os
USA mantêm a sua posição dominante, mas perdem terreno para as restantes
economias autocentradas (umas tentando ganhar espaço para a sua modernização e
desenvolvimento, outras tentando adquirir uma posição hegemónica na
economia-mundo). Na tentativa de manter a sua posição, os USA reestruturaram,
com os seus aliados europeus, as áreas periféricas, redefinindo fronteiras e
politicas locais. O Pacifico adquire preponderância e torna-se um espaço
fundamental na nova geoeconomia. Os fluxos financeiros, comerciais e logísticos
são profundamente alterados em função deste factor. Mas estas alterações
geoeconómicas implicam alterações geopolíticas e geoestratégicas e não
são matéria exclusiva das dinâmicas externas, reflectindo-se com grande impacto
nas dinâmicas internas norte-americanas.
O mundo de hoje é diferente do
mundo de finais do século XIX, ou do inicio do século XX, quando os USA,
"pela graça de Deus" invadiram as Filipinas, anexando-a. O presidente
McKinley alegou, na época, que o Senhor lhe disse que era um dever
"educar, civilizar e cristianizar" os Filipinos. A "voz do
Senhor" não passava do desejo de construir o Império, de dar seguimento á
"vontade de Deus". Esta ideia está expressa em diversos discursos da
época, como este do senador Beveridge: "Temos de seguir a lei do nosso
sangue e adquirir novos mercados e se necessário novos territórios (...)nos
planos superiores do Todo-Poderoso (...)".
O mundo de hoje não é o mesmo
desses tempos (nem dos anos 50, da guerra da Coreia, ou das décadas de 60 e 70,
da guerra do Vietname, dos bombardeamentos da Indochina, ou dos golpes
militares na América Latina) mas as intervenções militares norte-americanas
sucedem-se, sempre em nome dos mercados, da liberdade a da democracia e sempre
com a "bênção de Deus". A actual "guerra contra o terrorismo"
conta com a habitual bênção divina mas também com a bênção da industria de
segurança (altamente lucrativa, mesmo nestes austeros períodos de crise). E
permite algo que arrepiaria os antigos colonos dissidentes e os fundadores da
nação: o Estado omnipotente e omnipresente (duas qualidades que os
norte-americanos apenas admitiam em Deus e no Capital). Novos mercados, novos
territórios, mais recursos naturais, parece ser a nova trindade da mitologia
fundamentalista norte-americana (o que implica menos liberdade, menos democracia
e menos imigrantes).
VII - John Brennan, o actual director da CIA, admitiu que a Agência espiou o Senado norte-americano, em particular a comissão que investiga casos de tortura efectuados pela CIA no Afeganistão, Paquistão e Iraque. A alegação foi feita em Março por membros do Comité do Senado para controlo das agencias de Inteligência, que acusaram a CIA de ter monitorizado os computadores da comissão. O relatório do Senado ainda não foi publicado, mas têm chegado documentos da comissão e declarações de senadores e congressistas a público que dão conta da violação de computadores e escutas telefónicas.
VII - John Brennan, o actual director da CIA, admitiu que a Agência espiou o Senado norte-americano, em particular a comissão que investiga casos de tortura efectuados pela CIA no Afeganistão, Paquistão e Iraque. A alegação foi feita em Março por membros do Comité do Senado para controlo das agencias de Inteligência, que acusaram a CIA de ter monitorizado os computadores da comissão. O relatório do Senado ainda não foi publicado, mas têm chegado documentos da comissão e declarações de senadores e congressistas a público que dão conta da violação de computadores e escutas telefónicas.
É evidente o mal-estar do poder
legislativo para com a CIA, a NSA e a miríade de serviços de inteligência e
contra-inteligência que pululam pelos subterrâneos do Estado federal, a começar
pelo Departamento de Estado e a acabar nas células clandestinas de grande
autonomia de meios e de decisão criadas pela actual administração no quadro da
luta antiterrorista e que actuam indiscriminadamente no exterior e no interior.
Brennan negou as acusações, mas acabou por ser confrontado com um recente
relatório interno da CIA que comprova as suspeitas do Senado e do
Congresso e onde são mencionadas diversas e sucessivas violações levadas a cabo
por uma dezena de funcionários da agência. Brenan pediu desculpas aos
legisladores, durante um encontro ocorrido na passada semana. Aparentemente
continua a contar com o apoio da Casa Branca e com a confiança de Obama
("great confidence in your leadership", são as palavras de Obama),
mas dois senadores democratas (Mark Udall, do Colorado e Martin Heinrich, do
Novo México, ambos muito próximos a Obama), apelaram á resignação de Brennan.
Esta recente ocorrência é uma
entre muitas que caracterizam o actual cenário dos direitos cívicos
e liberdades individuais nos USA e a outro nível as guerrilhas institucionais
instaladas durante a administração Obama. Os poderes reforçados dos serviços de
inteligência (processo iniciado na anterior administração Bush, após o 11 de
Setembro) correspondem a uma degradação das relações institucionais entre os
três Poderes (legislativo, judicial e executivo), acompanhada da consequente
degradação das liberdades, direitos e garantias sociais e individuais (logo,
monopolizando interesses), situação agravada por uma crise financeira instalada
e de longa duração, que paralisa diversas esferas do Estado, que aparenta estar
á beira da falência.
A industria norte-americana tem em
Detroit a imagem do seu futuro e os trabalhadores da industria (norte-americanos
ou imigrantes) vêem nos desempregados de Detroit - outrora uma próspera área
industrial - a realidade do seu futuro, despido das fantasias dos discursos
eleitoralistas. Por outro lado a vergonhosa e fascizante politica
anti-imigração é uma atraente fonte de negócios que cativa os musculados sectores da industria de segurança que vêem na militarização da fronteira um
vasto campo de comercialização para os seus freudianos produtos (que constituem
uma reprodução das reprimidas fantasias homossexuais e da incontornável
sensação de controlo e domínio que esses produtos oferecem ás mentes
debilitadas dos funcionários e burocratas da repressão e dos primatas
territoriais) e para os bandos de traficantes de mão-de-obra barata, os bandos
de tráfico sexual, de tráfico de menores, redes pedófilas e carteis da droga
(aliás, todos parceiros na industria de segurança que, conjuntamente com os
bandos terroristas, desempenham funções complementares fundamentais para a
expansão do negócio).
Desde meados dos anos 70, a burguesia
norte-americana executa uma ofensiva que tem como objectivo aliviar ao máximo
os custos de mão-de-obra especializada, visando reduzir os quadros das empresas
e modernizarem as suas empresas, para melhor competirem no mercado internacional. A ameaça de desemprego forçou os
trabalhadores a aceitarem salários mais baixos e horários de trabalho mais
prolongados, para além de reduções de direitos e nos benefícios
contratuais. A administração Reagan foi o braço armado desta ofensiva. Em
finais de 80, a
GM e outros gigantes norte-americanos desviam a produção para países onde
o custo da mão-de-obra não especializada era irrisória e o dos assalariados
(convertidos em contratados) era substancialmente inferior ao dos
norte-americanos.
Claro está que hoje (apesar da
taxa de desemprego não ser das mais altas) o rendimento familiar médio é muito
baixo, a precariedade das condições de trabalho é norma e a desigualdade social
no país regrediu aos níveis anteriores da II Guerra Mundial. O American Dream, a
grande utopia capitalista degenerou no pesadelo do Great American Disaster, já
fora das utopias e assente no calculismo da realpolitik. Se querem uma imagem
dessa nova realidade procurem um postal de Detroit. Não encontram?
Pois...passou para segredo de Estado.
VIII - Os povos autóctones da América do Norte foram conduzidos a uma situação de quase extermínio, em tudo similar ás comunidades e nações indígenas do Centro e do Sul do continente americano, mas por métodos muito diferentes. Enquanto a colonização espanhola fez da violência e do extermínio a regra fundamental do seu domínio, os colonos dissidentes e os seus herdeiros independentistas usaram a violência aberta a titulo excepcional, preferindo assentar o seu domínio na negociação, na trapaça e num misto de "boa vontade" e de "força de dissuasão" (embora existissem massacres, torturas e violações). A subtileza, a manipulação e a mentira fazem parte, desde o inicio, da epopeia do "predestinado" povo da "nação eleita" e da sua "abençoada" democracia, quando se tratou de excluir da sociedade norte-americana os povos e comunidades indígenas.
Estas técnicas de manipulação do
Poder tornaram-se essenciais para as elites dominantes norte-americanas
numa sociedade que assumiu a liberdade de expressão e o direito de reivindicar
e de resistir como valores fundamentais. Estes métodos são utilizados num vasto
espectro de assuntos internos e externos e são constantemente aperfeiçoados, de
forma a contornarem os mecanismos democráticos. O resultado final é uma sociedade
alienada, onde a realidade não é percepcionada.
Repare-se na forma como os
"excedentários" são colocados em guetos, (camuflados de bairros
miseráveis) nas grandes metrópoles norte-americanas. Quando os guetos
revelam-se insuficientes, restam as prisões, privatizadas ou em regime de
parceria publico/privada (mais um lucrativo negócio). Nos anos 80, por exemplo,
durante a administração Reagan, a população prisional dos USA triplicou e os
números mantêm-se elevados até hoje. Uma das razões que levaram a esta situação
foi a "drug war", um óptimo exemplo de cruzamento das dinâmicas
internas com as externas.
A guerra da droga, internamente,
serviu para aliviar a densidade populacional nos guetos, enchendo as prisões (e
os bolsos dos investidores no negócio prisional). No plano externo é um dos
principais instrumentos de ingerência dos USA na América Latina, Ásia e África.
O "negócio das prisões privadas" é alimentado por grandes campanhas
como a "drug war" ou pela introdução de leis mais duras e alterações
que aumentem a gravidade de algumas penas. Nomes sonantes das finanças, como a
Goldman Sachs, do sector da construção, ou dos grandes consórcios de advogados,
multinacionais da industria de armamento e da industria da segurança entre
outros, competem entre si para financiarem a construção de edifícios prisionais
e pela aquisição de títulos bolsistas do sector.
Democracia, mercados e Direitos
Humanos são abalroados pelas elites económicas e financeiras dos USA. O mercado
livre, uma das bíblias sagradas dos "predestinados", é uma mistificação criada pelas ultra proteccionistas elites do centro
financeiro mundial (os USA). Mercado livre implica resolução dar assimetrias
entre os mercados, apresentando-se todos os mercados (e as forças que os
compõem) em condições de igualdade de oportunidades, de molde a permitir que as
potencialidades inerentes a cada mercado possam surgir nas relações de troca e
não secundarizadas e artificialmente desvalorizadas. Ora isso implicaria uma
subversão do actual esquema (hegemonizado pelos USA) centro/periferias, pilar
do domínio das relações capitalistas no mercado mundial (a começar pelos
mercados locais, nacionais - não é o Estado Nação a grande incubadora do
capitalismo? - e regionais). Desde muito
cedo os USA transformaram-se numa enorme manjedoura proteccionista, sob a
aparência do mercado livre e do comércio livre (e sob os escombros destas
instituições, impedidas de funcionar pelo colonialismo britânico e mortas à nascença pela burguesia norte-americana, que via nelas um perigoso
instrumento de nivelarão social, que conduziria á democratização económica, o
que ficava muito além do permitido pela burguesia oligopólios norte-americana,
que apenas previra a democracia politica).Após a independência os
norte-americanos iniciaram politicas de desenvolvimento, alicerçadas na
protecção e na subsidiarização, nos têxteis. Mais tarde essas politicas foram
alargadas ao aço, siderurgia, industrias transformadoras e caminhos-de-ferro. O
âmbito proteccionista alargou-se ao sector extractivo e energético e desde a II
Guerra Mundial foram canalizados subsídios públicos para todos os sectores
avançados da industria (aeronáutica, metalurgia, farmacêutica, electrónica,
foram os sectores que mais subsídios receberam e que gozaram de maior protecção.
A administração Reagan (que fez do
free market e do free trade baluartes de campanha) aumentou, em 1983, a participação do
Estado no PIB em mais de 35% (um aumento superior a 1/3 em relação á
década anterior) através de despesas militares. Um dos seus inúmeros projectos
foi a "Guerra das Estrelas", vendida á opinião pública como
programa de defesa, mas publicitado nos meios empresariais como um subsidio
público ás empresas que apostarem na tecnologia de ponta. A utilização de dinheiros
para subsidiar o sector privado impediu o fim da industria automóvel
norte-americana e do aço (que desde então arrastam-se á custa das contribuições
públicas), completamente ultrapassados (em qualidade, preço e inovação) pela
industria japonesa da década de 80. De forma hipócrita, James Baker, o
Secretário do Tesouro na administração Reagan, afirmava, numa reunião com
homens de negócios que o governo de Reagan "aliviou a pressão das
importações sobre a industria norte-americana, mais do que qualquer das administrações
antecessoras".
De facto as restrições ás
importações duplicaram. A administração Reagan especializou-se em técnicas de
"comércio manobrado", que restringe o comércio e estreita a porta dos
mercados. Estas insidiosas formas de proteccionismo fazem subir os preços,
reduzem a concorrência e reforçam a cartelização. Os cidadãos norte-americanos,
devido ao proteccionismo, são obrigados a subsidiar o sector privado nacional e
consomem a preços mais elevados (e produtos de pior qualidade). O mercado livre
e o comércio livre, bases fundamentais dos USA e bíblia sagrada do capitalismo,
são, efectivamente, factores mitológicos, adorados na teoria e vendidos como
ícones, mas, na prática, considerados demoníacos pelas elites, que em seu lugar
praticam a proteccionista lei do funil que reza a máxima: o largo para mim, o
estreito para os outros.
É que o "free market" e
o "free trade" só podem ser praticados por Homens livres e iguais, em
sociedades livres e igualitárias, num mundo solidário e assimétrico. No fundo
são valores que o capitalismo abomina, ao ponto de os mistificar. Para inimigos
basta Satanás no inferno e o fantasma do comunismo na terra...Mesmo nas suas
versões pós-modernas, em que
Deus morreu (logo também o seu inverso) e o fantasma do
comunismo foi consumido na tragicomédia do "socialismo real" (a
grande manipulação que eternizou as algemas e os açaimes colocados ao
proletariado) em que a alienação tomou conta da realidade e onde o Homem é,
simultaneamente, recurso e mercadoria (mas não humano), o "free market é o
grande coveiro do capitalismo.
Por isso Estado e Capital
colocaram-no fechado no grande cemitério em que transformaram a economia-mundo.
(Continua)
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