Correio
do Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo
A
passagem de Marina Silva pelo Ministério do Meio Ambiente, entre 2003
e 2008, foi profícua para o futuro político dela. Na época, como agora, pode
contar com a dedicada presença de João Paulo Capobianco, um biólogo, fotógrafo
e ambientalista que, desde então, já sinalizava sua forma peculiar de
compreender as fronteiras entre os negócios privados e a defesa da soberania
nacional. Fundador de ONGs como a Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto
Socioambiental (ISA), Rede de ONGs da Mata Atlântica e Fórum Brasileiro de
ONGs, por ser homem de confiança de Marina, integrou também a Comissão
Executiva Nacional do Partido Verde, enquanto lá esteve filiado.
Capobianco
é, atualmente, um dos principais dirigente do Instituto Democracia e
Sustentabilidade (IDS), organização não governamental que reúne Neca Setúbal
(dona do banco Itaú e coordenadora do programa de governo da candidata);
Eduardo Giannette (conselheiro econômico de Marina), Basileu Margarido (ex
dirigente do MMA e Ibama e tesoureiro da campanha) e Guilherme Leal (dono da empresa
de cosméticos Natura) em seu Conselho Gestor. Nesta linha, é também membro
do Conselho de Administração da Bolsa de Valores Sociais (Bovespa Social), da
Bolsa de Valores de São Paulo. Mas a principal tarefa de Capobianco, hoje, é a
coordenação da campanha de Marina à Presidência da República. Egresso de
organizações não governamentais, foi Secretário Nacional de Biodiversidade e
Floresta e posteriormente Secretário Executivo, ambos no Ministério do Meio
Ambiente, durante a passagem da atual líder da facção Rede Sustentabilidade.
Como
Secretário de Biodiversidade, Capobianco acumulou o cargo de presidente do
Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen/MMA), repartição federal
responsável por autorizar novas biotecnologias a partir de elementos da biodiversidade
brasileira, e de supervisionar o combate à biopirataria no país. Vem desta
época a grande aproximação da empresa Natura com a então ministra Marina Silva,
que acabaria por levar o seu acionista controlador, Guilherme Leal, ao posto de
então candidato a vice-presidente em sua chapa. Leal, um dos homens mais ricos
do país, foi também o maior financiador da campanha de Marina em 2010, com
quantias em torno de R$ 4 milhões, aproximadamente 40% do total do total
arrecadado, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral. Hoje em dia, segue
como um dos principais doadores na nova empreitada de Marina.
O
psicanalista Carl Gustav Jung já afirmava que “coincidências não existem”, mas,
coincidentemente, durante a gestão de Capobianco no Cgen, dezenas de processos
da Natura, com ilegalidades ambientais comprovadas pela fiscalização do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), foram colocados em estado de
profunda hibernação, aguardando uma desejada anistia, de alguma forma prometida
pela gestão Marina, às infrações cometidas e tipificadas no Decreto 5459/2005.
Práticas conhecidas, popularmente, por biopirataria. A anistia nunca chegou,
diga-se, por ter sido considerada ilegal pela Advocacia-Geral da União e,
portanto, vetada pela Casa Civil ainda no governo do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. As análises e decisões sobre os processos da Natura, referentes
aos vários produtos desenvolvidos pela empresa a partir de plantas brasileiras,
não somente foram suspensas no Cgen como tais informações, que envolvem
ilícitos, não foram enviadas para a fiscalização do Ibama à época. E por que
não? A resposta completa não estava disponível até o fechamento desta
reportagem.
A
partir da saída de Marina do Ministério do Meio Ambiente, em meados de 2008, e
com a gradativa substituição de dirigentes e políticos nomeados em sua gestão,
a máquina pública passou a funcionar sem obstáculos e culminou com o envio de
dezenas de processos da empresa ao Ibama em 2010. Com provas das ilegalidades
finalmente à mão, o órgão ambiental federal orquestrou uma operação denominada Novos
Rumos, que aplicou multas pesadas à indústria de cosméticos em 64 autos de
infração. O empresário Guilherme Leal, buscou neutralizar os iminentes efeitos
negativos à marca Natura e orientou Rodolfo Guttilla, seu diretor de assuntos
corporativos e relações governamentais, a conceder entrevista em novembro de
2010 ao diário conservador carioca O Globo, de modo a desqualificar as
normas brasileiras vigentes, que a própria Natura infringiu.
“A
Natura foi pioneira no Brasil em acordos de repartição de benefícios com
comunidades tradicionais. Também possui a maioria dos pedidos de autorização de
acesso à biodiversidade no Brasil, sendo responsáveis por 68% das solicitações
junto ao órgão regulador,” admitiu Rodolfo Gutilla, diretor de assuntos
corporativos e relações governamentais da Natura, em nota à imprensa, na época.
O executivo avisou, ainda, que a empresa recorreria de todos os autos de
infração, o que fez, de fato e, até agora, não houve o recolhimento dos valores
em litígio aos cofres públicos, segundo apurou o Correio do Brasil.
Ainda
em novembro, o Ibama respondeu às críticas sustentando, tecnicamente, a
execução da fiscalização e a aplicação de R$ 21 milhões em multas por infrações
ao Decreto 5459/2005. Novamente, coincidência ou não, a Natura deflagra ampla
campanha de marketing: “Feliz
Brasil 2010”, junto à mídia conservadora e, desde então, permanece o
silêncio naquelas redações sobre as multas à Natura, por biopirataria.
Ao
longo desse período, no entanto, João Paulo Capobianco, então presidente do
Cgen, viu sua carreira impulsionada na sombra da hoje candidata, de novo, ao
Palácio do Planalto. De zagueiro, que barrou os efeitos da fiscalização do
Ibama sobre a Natura em 2008, enquanto esperavam por uma anistia, passou a
atacante em 2010, na coordenação-geral da campanha de Marina Silva e Guilherme
Leal à Presidência de República. Tarefa que Capobianco repete agora, em 2014,
com o régio apoio da indústria condenada no centro de um dos maiores escândalos
de biopirataria da história brasileira.
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