Leonardo
Boff * - Jornal do Brasil
Já
vai acalorada a campanha presidencial com uma disputa aberta entre Dilma
Rousseff, atual Presidenta, e a pretendente Marina Silva. Trata-se, na verdade,
do confronto de dois projetos: a manutenção por parte do PT de um projeto
progressista, marcado por fortes políticas públicas que permitiram integrar uma
Argentina inteira na sociedade organizada. A prática política, imposta pelas
elites, era de os governos fazerem políticas ricas para os ricos e pobres para
os pobres. Mas aconteceu uma viragem em nossa história. Alguém do povo chegou
ao centro dopoder e
conferiu outra direção ao poder político. Não se pode negar que o Brasil
numa perspectiva geral, especialmente na ótica dos pobres, melhorou muito.
Negá-lo é mentir à realidade.
A
este projeto progressista se opõe o que a candidata Marina chama de “nova
política”. Quando observada de perto, porém, não passa de um projeto
conservador e velho que beneficia os já beneficiados e que alinha o país à
macroeconomia voraz que faz com que 1% dos americanos possua o equivalente ao
que 99% da população ganha. Esse projeto visa conter o processo progressista,
evidentemente, sem anulá-lo, porque haveria, sem dúvidas, uma rebelião popular.
As
opções do PSB e de Marina Silva representam um retrocesso do que havíamos ganho
em 12 anos. A centralidade não será o Estado republicano que coloca a “coisa
(res) pública” em primeiro plano, o estado dinamizador de mudanças que
beneficiam as grandes maiorias a ponto de ter em 12 anos diminuído a
desigualdade social em 17%. O foco é o Estado menor para conceder maior espaço
ao mercado, ao livre fluxo
de capitais sem lei, reafirmando as teses neoliberais: o aumento do superavit
primário, que se faz com corte dos gastos públicos, com arrocho salarial e
desemprego para assim controlar a inflação e finalmente impondo a
autonomia do Banco Central. Especialmente este último ponto é grave porque um
presidente foi eleito também para gerenciar a economia (que é parte da política
e não da estatística) e não entregá-la às pressões dos capitais, dos bancos e
dos rentistas. Seria um atentado à soberania monetária do pais.
Este
projeto velho foi aplicado no Brasil pelo governo do PSDB, não deu certo,
quebrou a economia da União Europeia e lançou o mundo numa crise da qual
ninguém sabe como sair. O efeito imediato será, como referimos, o arrocho
salarial e o desemprego com o repasse de grandes lucros para os donos do
capital financeiro e dos bancos.
Marina
quer governar com os melhores da sociedade e dos partidos, por cima das
alianças inevitáveis no nosso presidencialismo de coalização. As alianças se
farão, provavelmente, com o PSDB e com o PMDB e terá assim que engolir José
Sarney, Renan Calheiros e Fernando Collor que ela tanto abomina. Caso
contrário, Marina corre o risco de não ver passar no parlamento os projetos que
propõe, por falta de base de sustentação.
Quem
a escuta e lê seu programa parece que fez um passeio pelo Jardim do Eden: tudo
é harmonioso, todos são cooperativos e não há conflitos por choques de
interesses. Esquece que vivemos num tipo de sociedade de mercado (e não
apenas com mercado) como a nossa que se caracteriza pela competição feroz e por
parca cooperação. Estimo que Marina, religiosa como é, se inspire no sonho do
paleo-cristianismo dos Atos dos Apóstolos onde se diz que “a multidão era um só
coração e uma só alma; ninguém considerava sua a propriedade que possuía; tudo
entre eles era comum”(At 4,32).
Estas
opções mostram claramente que ela mudou de lado. Antes quando estava no PT do
qual é uma das fundadoras falava-se na opção pelos pobres e por sua libertação.
Construía no canteiro dos explorados e injustiçados. Agora ela constroi no
canteiro dos seus opressores: os endinheirados, os bancos, o capital
financeiro e especulativo. Leva a eles o tijolo, o cimento e a água. Seus
assessores na economia são todo neoliberais. Os seringueiros do Acre e a
família de Chico Mendes, este colocado entre as elites, numa formulação infeliz
e até injuriosa feita por Marina. Eles são conscientes de que foram agentes
dessas elites que o assassinaram; por isso, protestaram veementemente
contra sua opção e reafirmaram a tradição do PT apoiando a candidata
Dilma.
Minha
suspeita é de que Marina persegue o poder e visa a alcançar a presidência, por
um projeto pessoal, custe o que custar. Diz-se por aí que uma profetiza de sua
igreja evangélica, a Assembléia de Deus, profetizou que ela, Marina, seria
presidenta. E ela crê cegamente nisso como crê no que, diariamente lê na Bíblia
passagens abertas ao acaso, como se aí se revelasse a vontade de
Deus para aquele dia. São as patologias de um tipo de compreensão
fundamenalista da Bíblia que substitui a inteligência humana e a busca coletiva
dos melhores caminhos para o país.
Serei
duro na crítica? Sou. E o sou para alertar os eleitores/as sobre a
responsabilidade de eleger uma presidente com tais ideias.
Já erramos duas vezes, com Jânio e com Collor. Não nos é mais permitido errar
agora que a humanidade passa por uma grave crise global, social e ambiental e
que reverbera em nosso país. Não devemos desistir do que deu certo e avançou e
que deve ainda ser mais aprofundado e enriquecido com novas políticas públicas.
*
teólogo e escritor
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