Martinho
Júnior, Luanda (Continuação – ver anteriores)
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– O impacto da “guerra dos diamantes de sangue” no ambiente
sócio-político angolano, em época de profundas alterações globais, regionais e
locais, foi avassalador e está na base da erupção do capitalismo neo liberal em
Angola, meio escondido numa insipiente “economia de mercado” que foi
ganhando forma e prevalece até hoje!
Foi
um processo desequilibrado imposto pela via armada e aproveitando a fragilidade
dos acordos, que está na origem de outros vínculos também eles desequilibrados,
interconectados e em cadeia…
Quando,
após 55 dias de cerco, conseguiu tomar a cidade do Huambo, beneficiando ainda
da complacência de Herman Cohen, dos norte-americanos e até dos sul-africanos,
malgrado a ascensão de Nelson Mandela, Savimbi estava a introduzir
o “vírus” dos mercenários em Angola.
Conforme
Vitoria Brittain:
“Foi
a maior batalha da nova guerra e a UNITA fez com que nela entrasse a ajuda
crucial do Zaíre e da África do Sul.
Uma
força de centenas de mercenários, escolhidos entre os antigos soldados
sul-africanos foi recrutada pela consultadoria de segurança Executive Outcomes
e trazida para a batalha do Huambo.
Uma
rede de pequenas companhias aéreas, com base na África do Sul, trouxe os homens
e os fornecimentos militares clandestinamente para a pista de aterragem do
Gove, a cerca de 60
quilómetros do Huambo e levaram os feridos para
hospitais na Namíbia e na África do Sul”.
Se
os mercenários da Executive Outcomes foram “bem-sucedidos” no Huambo,
pelo menos na cidade do Cuito a resistência governamental, que integrou
efectivos que haviam passado à vida civil, grande parte deles sem mais vínculos
com o estado angolano por causa do fim das FAPLA e das decisões que haviam
afectado o MINSE, as coisas se tornaram impossíveis, até por causa da
quantidade de baixas que a ofensiva implicou.
A
Executive Outcomes, teve a oportunidade de perceber que, mesmo numa posição de
fragilidade e de vulnerabilidade, era cada vez mais difícil vencer o frágil governo
angolano, cuja força motriz humana assentava no MPLA, nos seus Programas na sua
maior fortaleza: o povo angolano com o MPLA sentia-se com rumo e numa aventura
de mau agoiro com a obsessão de Savimbi!
Quando
a 18 de Janeiro de 1993 Savimbi atacou e tomou o Soio, houve a oportunidade da
Executive Outcomes, uma empresa de mercenários sul-africana que se projectou
com base no Batalhão 32,“Búfalo”, sentir que era possível “mudar de
patrão”!
O “vírus” do
mercenarismo agora trazido por Savimbi, que havia sido experimentado em 1975
com taus maus resultados com Henry Kissinger, a CIA, Holden Roberto e Mobutu,
acabou por pegar em Angola em 1993, com a CIA, Savimbi, Mobutu e as sequelas
do “apartheid”… sob o olhar silencioso de Nelson Mandela!
A
Executive Outcomes sentia-se mais confortável com os pagamentos provenientes do
petróleo do que com aqueles provenientes dos diamantes, o que simbolizou o
ponto mais distante em relação às possibilidades de paz, que Angola alguma vez
viveu!
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– No livro “Mercenaires SA”, Phillipe Chapleau e François Misser, fazem um
ponto de situação adequado em “Angola: les Barbudos partent, les Buffalos
arrivent” (tradução):
“Neste
país, em consequência da guerra fria, americanos, russos e portugueses incitam
o governo e a UNITA a assinar acordos de paz em Bicesse, em Junho de 1991.
Dezenas de milhares de homens do contingente cubano partem. Mas o chefe da
UNITA, Jonas Savimbi, contesta os resultados das eleições, presidencial e
legislativa, de Outubro de 1992, pelo que desenterra de novo o machado de
guerra.
A
UNITA está então forte, com abundantes entregas de armas fornecidas pela CIA
via Zaíre ou África do Sul durante os mandatos de Ronald Reagan e de Georges
Bush. O homem que se tornara ministro dos negócios estrangeiros do movimento
rebelde, Alcides Sakala, confiava-nos que as suas tropas tinham stocks
suficientes para travar batalha durante dois anos. Rapidamente as tropas de
Savimbi conseguiram ganhos territoriais importantes e investiram contra o
centro petroleiro do Soio, a 18 de Janeiro de 1993.
Foi
então que dois antigos membros do SAS britânico, Tony Buckingham e Simon Mann,
entraram em cena. Eles
colocam rapidamente um cocktail eficaz de inteligência económica e capacidade
militar. Buckingham, reconvertido aos negócios, sente que pode tirar partido da
situação junto das multinacionais do petróleo que ele conhece bem. Ele próprio
dirige uma pequena companhia, Heritage Oil and Gas, baseada nas Bahamas, que se
instalara em Angola.
Em
Outubro de 1992 Buckingham teve o faro de recorrer aos serviços dum
tenente-coronel do reconhecimento militar sul-africano, Eeben Barlow, que três
anos antes havia deixado o exército para fundar uma sociedade de consultoria: a
Executive Outcomes. O antigo oficial das SAS propõe a Barlow a formação dum
comando de choque duma centena de homens para proteger s instalações de duas
maiores, a americana Guf-Chevron e a canadiana Ranger Oil, revela uma
informação muito secreta da inteligência militar britânica (Guardian Weekly, 20
de Janeiro de 1997). Mas os três homens vêem muito mais longe: ao invés de se
limitarem à protecção local, eles ambicionam expulsar a UNITA dos campos de
petróleo do Soio.
Com
o aval do governo angolano, Barlow e os seus homens assumem o repto. Os
recrutas são de qualidade: a maior parte são homens do 32º Batalhão, Búfalo das
SADF (ver capítulo 3), que conhecem perfeitamente o contexto angolano. Trata-se
de antigos da Frente de Libertação Nacional de Angola (FNLA) de Holden Roberto
e de oficiais boers que tinham feito a guerra contra o governo de Luanda então
taxado de comunista, que se tornava o seu novo empregador. Para desgraça da
UNITA, os ex-Búfalos introduziam métodos de combate inéditos em Angola:
técnicas de pára-comandos, reconhecimento aéreo com utilização de infravermelhos,
combate nocturno e interferência nas comunicações. Com um material adaptado,
sólido, não muito sofisticado e por isso fácil de manusear: helicópteros MI-8 e
MI-24, aviões de caça MIG 27 de fabricação russa e transporte de tropas
anfíbios, conforme relatório do cronista de defesa americano Herb Howe (Armed
Forces Journal International, Novembro de 1996).
A
operação teve êxito, mas com a saída dos sul-africanos a UNITA regressa à zona.
A demonstração resultou conclusiva para o governo de Luanda, que pede à Ranger
e à Heritage para engajar uma força mais importante em troca de novas
concessões. Um primeiro contrato de 30 milhões de dólares foi então concluído
entre a Ranger e a Executive Outcomes em Julho de 1993, sem dúvida o mais
importante da história dos mercenários em África.
De
imediato a guerra se estende às zonas diamantíferas da Lunda Norte. Sem mais
detalhes: durante a ofensiva sobre Cafunfo, uma das unidades da Executive
Outcomes eliminou mais de trezentos efectivos da UNITA. Barlow e consortes não
tinham o hábito de fazer por menos. No tempo em que Barlow pertencia ao
reconhecimento militar sul-africano, a sua unidade, a Civil Cooperation Bureau
(CCB), caracterizou-se pelo assassinato de opositores no exílio e o chefe do
recrutamento da Executive Outcomes, o major Lafras Luitingh, antigo efectivo do
5º regimento de reconhecimento das SADF, foi o chefe duma milícia implicada nos
esquadrões da morte no tempo do apartheid (Mário Sampaio em Marchés Tropicaux ,
14 de Fevereiro de 1997).
Paradoxalmente
é Savimbi, durante uma conferência de imprensa em Bruxelas, em 1995, que rendeu
a melhor das homenagens aos homens de Barlow, atribuindo-lhes com cólera a
responsabilidade de desequilibrar a relação de forças em desfavor da UNITA. De
resto, afirma Howe, foram os sucessos da Executive Outcomes que levaram Savimbi
a assinar o acordo de paz de Lusaka, em Novembro de 1994. Outro resultado
apreciável para o governo angolano: antes da sua partida, o Executive Outcomes,
que não ultrapassou nunca os 500 efectivos, deram a sua contribuição para a
formação da 16ª brigada das Forças Armadas Angolanas, que reconquistou as
explorações de diamantes de Cafunfo, Cacolo e Saurimo, privando assim a UNITA
duma boa parte dos seus recursos. Só as pressões diplomáticas de Washington
junto do governo sul-africano conduziram à saída oficial do Executive Outcomes
do teatro de guerra em Angola, em Janeiro de 1996” .
Ir-se-ia
a Executive Outcomes, mas ficaria em negócios com seus parceiros angolanos, a
Diamond Works!...
28
– Obrigado a acabar com as FAPLA e com uma parte substancial de efectivos da
Segurança do Estado em função dos acordos, o estado angolano viu-se compelido a
aceitar os vírus mercenários que haviam sido utilizados pela CIA, por Holden,
por Mobutu e por Savimbi, a fim de tentar equilibrar as respostas numa guerra
cobarde que não fora esperada e se revelava numa enorme ameaça e risco, nunca
antes experimentados pelos angolanos.
O
capitalismo neo liberal, conforme aos pressupostos da “doutrina de choque” segundo
Naomi Klein, inaugurou assim a “abertura” das portas para as vias dos
negócios em Angola, abertura que deu oportunidade à formação de parcerias entre
antigos contendores do passado, que não desperdiçavam agora a invenção “do
mercado” angolano.
Não
acedendo a uma Conferência Internacional onde se discutisse de forma aberta e
desassombrada a situação angolana com vista a encontrarem-se soluções, foi por
essa via que “o ocidente” se moveu!
Jaime
Nogueira Pinto no seu livro “Jogos Africanos” é um dos testemunhos
dessa prova e é mesmo assim, com muitos ingredientes desse tipo, que “a
paz que estamos com ela” começou a ser erigida, sob choque e da forma
mais desequilibrada possível, pondo em causa os fundamentos da lógica com
sentido e vida!
Nunca
a mortalidade foi tão elevada, nunca se produziram tantos refugiados, nunca os
Índices de Desenvolvimento Humano atingiram níveis tão críticos como o que se
registaram ao longo desses dez penosos anos em Angola!... Nunca a paz esteve
tão distante, se havia tornado numa miragem em pleno deserto, como nesses tão
penosos dez anos!...
Foto:
Mesmo com as alterações globais e regionais profundas, o MPLA tem procurado não
perder o rumo e a sua dignidade, tendo como esforço o seu Programa Maior que
garante a luta contra o subdesenvolvimento e o imenso resgate que há a executar
em benefício do povo angolano e dos povos de África. O Presidente Eduardo dos
Santos (na foto com Irene Neto, filha do primeiro Presidente, Agostinho Neto e
membro da Fundação Agostinho Neto), simboliza hoje a vontade de se manter e
alargar esse rumo.
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