Martinho
Júnior, Luanda (Continuação – ver anteriores)
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– O “desnorte” de Savimbi por causa duma ambição imensa, sem criar
por si próprio capacidades consolidadas de organização, funcionalidade e
projecto político, levou-o a assumir durante a sua vida tudo o que era
contraditório aos Programas do MPLA, que garantiam o rumo projectivo e a muito
longo prazo da libertação de Angola, em prol da paz, da independência, da
soberania, da democracia e do progresso:
-
Quando foi necessário dar luta ao colonialismo português, Savimbi deixou-se
enredar na“Operação Madeira”, como um instrumento que visava contrariar a
infiltração da guerrilha do MPLA no leste (IIIª e IVª regiões), em direcção à
Região Central das Grandes Nascentes.
-
Quando foi necessário dar luta ao “apartheid” de forma a possibilitar
que toda a África Austral alcançasse a independência e se regesse por sistemas
democráticos de 1 homem / 1 voto, ele deixou-se instrumentalizar por completo
pelo regime racista sul-africano, acantonando-se na Jamba e chegando a ser
mesmo considerado pela administração republicana de Ronald Reagan, como
um“freedom fighter”, de forma a melhor poder confundir os incautos com uma
máscara apropriada, tal como aliás outros instrumentos contemporâneos da CIA na
Nicarágua (os “contras”) e no Afeganistão (o próprio Osama Bin Laden…).
-
Quando surgiu finalmente a oportunidade da paz com democracia, conforme à sua
génese e recorrendo sempre a ideologias fascistas irredutíveis, Savimbi
aliou-se aos mais retrógrados governos de África, transferiu seu apoio de
retaguarda da Namíbia ocupada pelos racistas sul-africanos para o Zaíre de
Mobutu (depois também para a Zâmbia) e desencadeou uma convulsão imensa que
recorria ao ataque às cidades a partir dum campo cravejado de diamantes,
explorando para fazer a guerra os ricos vales do Cuango, do Cassai e do Cuanza,
bem como seus respectivos sistemas de afluentes e sub-afluentes.
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– Os oficiais analistas angolanos com tarimba nas guerras na região, não
perderam muito tempo para melhor definir o sistema que Savimbi criou para o
efeito a partir de 1991 e 1992:
-
A manobra ofensiva visava atacar as cidades (tomando o poder), de forma a
golpear e tirar partido das fragilidades e vulnerabilidades governamentais
geradas por força do cumprimento dos Acordos que haviam sido estabelecidos com
os olhos na paz até Bicesse e procurando impedir com isso que fossem
descobertas as formas clandestinas de criar recursos que gerassem
sustentabilidade para as suas acções, (que recorriam à exploração desenfreada
de diamantes e ao seu tráfico).
-
A manobra defensiva visava, criar um sistema secreto de minas de exploração de
diamantes no eixo formado pelo Cuango e Cuanza, a que se juntava o Cassai,
instalando à sua volta as unidades militares que as defendessem, com um
eficiente sistema de comunicações, integrando um vasto dispositivo de pistas e
aeródromos com vista à logística e à ligação (interna e com o exterior), assim
como com uma planificação de mobilização que não só recorria às populações das
regiões ocupadas (muitas vezes forçadas ao trabalho nas minas), como a
zairenses e elementos de outras nacionalidades mobilizados a partir de Mobutu,
via Seti Yale, Baramoto e outros homens-de-mão do poder de Kinshasa.
-
Acompanhando os traços da sua própria ideologia (“interior” da UNITA,
versus “litoral” do MPLA) com elementos que recorriam aos fundamentos
da “autenticité” zairota; ele preconizava assim a dicotomia em
relação aos recursos naturais: assumia o controlo dos diamantes, a fim de atacar
os campos de petróleo controlados pelo governo angolano, procurando
arregimentar desde logo a seu favor o cartel dos diamantes e o “lobby dos
minerais” (democratas norte-americanos) e, com o tempo, provocando o
aumento da pressão sobre os campos petrolíferos, agenciar o “lobby do
petróleo” (republicanos norte-americanos)…
Para
Mobutu o projecto era uma vingança em relação às derrotas de 1975 (norte de
Angola e Cabinda) e punha fim ao entendimento de paz que tinha sido possível
criar com Agostinho Neto, conforme atrás foi mencionado por mim.
Para
muitas traficantes de diamantes, foi a hora que muitos esperaram depois do
êxito do julgamento dos oficiais da Segurança do Estado em 1986: quando um
reconhecimento ofensivo foi feito a Cafunfo, constatou-se não só a forte
implantação das forças de Savimbi na região, mas uma enorme quantidade de
camiões que perfaziam uma parte da logística do seu sistema em rede, com
proveniência das cidades do litoral de Angola controladas pelo governo; como
eram feitos então os“pagamentos”?
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– Já no artigo Vale do Cuango, publicado pela primeira vez em Janeiro de 2011,
eu havia feito o arrolamento das minas de Savimbi relativas ao período de 1992/
1999, mas é oportuno recordar:
“No
rio Cuango, inclusive no curso internacional, em 1999 era o seguinte o
inventário das minas aluviais dos “diamantes de sangue” de Savimbi, antes da
preparação da ofensiva das FAA:
No
Cuanza, imediatamente a sul, eram estas algumas das minas que estavam à
disposição de Savimbi (imediatamente antes da Operação Restauro):
Esse
inventário foi muito proveitoso: as unidades militares e a “polícia mineira” de
Savimbi, em posições defensivas tinham de estar perto dessas minas e, quando as
FAA iniciaram a ofensiva, os objectivos militares estavam em grande parte
identificados.
Pelo
conhecimento das minas aluviais da guerra dos diamantes de sangue em Angola,
foram desmantelados os dispositivos militares de Savimbi!”...
Só
com a Operação Restauro, quando perdeu o Bailundo e o Andulo, começou a
desarticulação do essencial do sistema diamantífero de Savimbi, que se viu
obrigado a abandonar a margem esquerda do Cuanza e partir para o sul da Reserva
Integral do Luando (a norte do Cuemba, no Bié).
O
sem rumo de Savimbi, por causa do seu projecto pessoal de obsessão pela tomada
do poder pela força, produziu a “guerra dos diamantes
desangue”, aproveitando o período de profundas alterações globais: mais dez
anos de guerra em Angola (por tabela em toda a região), que custariam centenas
de milhares, senão milhões de vidas dos angolanos, e outros africanos, com
danos importantes nas infra estruturas e estruturas em todo o país.
A
actual configuração das cidades do litoral, em especial da cidade capital,
deve-se a isso, pois milhões de angolanos fugiram às confrontações e
deslocaram-se para onde o governo garantia acolhimento e as condições mínimas
possíveis perante tal situação profundamente traumática.
A
viragem na guerra começaria todavia a 18 de Janeiro de 1993, quando Savimbi
atacou o Soio e afectou as explorações de petróleo da região.
Também
aí Savimbi não havia aprendido a lição que deveria ter colhido com o fracasso
da Operação Argon em Malembo (Cabinda), a 21 de Maio de 1985, quando as SADF,
camufladas na propaganda em prol da UNITA, tentaram atacar o Malongo (Chevron)!
Sabotar
o rumo perseverante em direcção à paz por parte do MPLA tinha também os seus
custos!
Foto: Dois “companheiros” duma
aventura instrumentalizada por outros, que ao longo de suas vidas tiveram
muitos pontos de contacto e tiveram muita coisa em comum, particularmente na
montagem de obstáculos que visavam obstruir, durante décadas, a paz em Angola!
Continua
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