Expresso
das Ilhas (cv), editorial
O
Presidente da República a dado momento do seu discurso na abertura do Novo Ano
judicial fez um veemente apelo a todos os caboverdeanos: “Não tenhamos receio
de enfrentar a realidade, não nos deixemos levar por interpretações
convenientes, não tenhamos medo de buscar a verdade”. O apelo justifica-se. Não
se pode ignorar mais a atitude conformista, acrítica e passiva das pessoas
enquanto os problemas, designadamente económicos e sociais, se amontam e
soluções para o futuro são adiadas.
O
governo optou por lidar com o país pela via do marketing político e pela
propaganda. Questões como a debilidade da economia, os problemas do desemprego,
a insegurança, a inadequação do ensino e formação e a degenerescência do tecido
social são “desvalorizadas” ou atiradas para “debaixo do tapete”. A governação
é demasiado condicionada pela política do curto prazo, pela gestão das
expectativas e pela preocupação em manter tudo e todos sob controlo.
Constroem-se barragens, portos e aeroportos, inauguram-se centenas de
habitações sociais, investem-se centenas de milhões em sistemas eléctricos mas
os problemas continuam. Opções desajustadas, prioridades trocadas e
ineficiências no uso das infraestruturas, levaram a que os resultados dos
investimentos ficassem aquém dos previstos. Não se conseguiu alavancar o
crescimento económico, nem consolidar o sector privado nacional e nem resolver
o problema do desemprego.
O
Cabo Verde dos rankings internacionais e da “boa governação” não coincide com o
país real. Todos sentem isso mas, em geral, só reagem, e defensivamente, quando
isso é apontado por estrangeiros em artigos de jornal ou recentemente num
documentário televiso.
A
Justiça é um dos sectores em que a percepção geral é de que funciona mal. As
críticas feitas ao sector centram-se normalmente na questão da morosidade. Na
intervenção referida anteriormente o PR fez questão de demonstrar que o
sentimento de falta de justiça por parte da população tem uma base mais
alargada. É afectado, por exemplo, pela relação com a administração pública
onde por vezes princípios constitucionais como isenção, imparcialidade e de
fundamentação não são aplicados. Também é afectado pela relação com a polícia
de quem se espera prontidão, discernimento e efectividade na defesa dos direitos
dos cidadãos e nas operações de combate ao crime, mas que demasiadas vezes não
acontece. Prejudica ainda a justiça a incapacidade, por exemplo, de dotar o
Ministério Público de meios essenciais para conduzir a investigação criminal e
garantir que os processos presentes ao tribunal não padeçam de quaisquer
falhas.
É
evidente, como diz o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que para se
conseguir resultados em matéria de Justiça importa ir além da “terapêutica
única da exigência de mais meios e interpelar a nossa atenção, a nossa
criatividade e o nosso esforço”. Há que acrescentar a isso também vontade
política de realizar a Constituição e cumprir as leis da república. Das
intervenções no início do ano Judicial, pode-se concluir que muitas das falhas
no sector da justiça derivam da inacção dos poderes públicos. O facto de não se
ter instalado o Tribunal Constitucional e os tribunais de Relação levou à
situação do bloqueio actual. Juízes já na categoria de juízes conselheiros via
concurso público não podem ocupar os lugares no Supremo Tribunal porque este
tribunal ainda se assume como tribunal constitucional. O mesmo acontece com os
juízes desembargadores também seleccionados para os dois tribunais de 2ª
instância que, de acordo com a lei, em três anos deveriam ter sido instalados.
Isso não é aceitável.
Seria
sempre de esperar que negociações para se conseguir maiorias qualificadas para
eleger juízes do Tribunal Constitucional levassem o seu tempo. Não é razoável
que que o processo já se aproxime dos 15 anos. Em 2010 fez-se uma revisão
constitucional. Se algum dos partidos não concordasse com o modelo existente
deveria ter apresentado propostas de alteração. Não se compreende é que logo a
seguir o partido no governo venha mostrar dúvidas e, na sequência, as
negociações se tenham arrastado até hoje.
O
que se passa no sector da justiça espelha muito do se passa em outros sectores.
Basta ver a questão da insegurança e da criminalidade e as dificuldades da
polícia em lidar com a situação. A mesma coisa no Banco Central, uma
instituição fundamental para a gestão macroeconómica do país, em que o governo
mantém uma situação de indefinição na nomeação dos seus órgãos. Há que mudar a
atitude, encontrar saídas e acabar com o marasmo.
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