Ana
Sá Lopes – jornal i
Paulo
Morais acha que a maioria dos políticos não são corruptos, mas fingem que não
vêm o que se passa à sua volta
Paulo
Morais foi vereador de Rui Rio e depois afastou-se da política. Mas vai voltar.
Neste momento reflecte sobre várias formas de intervenção: poderá formar um
partido para concorrer às legislativas de 2015, poderá candidatar-se às
presidenciais de 2016. Tem tudo em aberto e uma certeza - não quer que o seu
objectivo de combater a corrupção na política fique de fora do ciclo eleitoral
que aí vem. Paulo Morais nasceu em Viana do Castelo há 50 anos e vai decidir o
que fazer em Moledo do Minho, onde afirma ter tomado todas as grandes decisões
da sua vida. Na semana em que o ex-primeiro-ministro José Sócrates ficou em
prisão preventiva, Paulo Morais admite que "há uma mudança de paradigma na
justiça portuguesa". "O sistema de governação tem sido corrupto"
e "Sócrates é um dos actores". Lembra o caso dos vistos gold,
"um fenómeno de corrupção que nasce no seio do governo" e o Dr.
Passos Coelho "diz que não é nada com ele". "Das duas uma: ou
estes ministros são completamente distraídos e incompetentes e não sabiam o que
se passava, ou então são cúmplices porque não fizeram nada", afirma.
Onde
estava quando José Sócrates foi preso? O que pensou?
Estava
em Lisboa. Fiquei
surpreendido por um lado, por outro lado não. Não fiquei surpreendido porque
José Sócrates, a par de muitos outros políticos portugueses que estão fora da
prisão, faz parte de uma geração de políticos que andaram sistematicamente a
beneficiar grupos económicos em prejuízo da população. O sistema de governação
tem sido corrupto e Sócrates é um dos actores, obviamente marcante porque foi
primeiro-ministro muitos anos. Mas não é só ele. Por outro lado, fiquei algo
surpreso porque não é costume a justiça ter a actuação que tem tido nos últimos
tempos. Há uma mudança de paradigma na justiça portuguesa que se saúda. Há uma
novidade que é a actuação da justiça neste caso, como nos casos dos vistos
gold.
Mas
como é que pode dizer já declaradamente que José Sócrates é corrupto? Não o
está a julgar antes da justiça?
Não,
não. Há duas discussões. A corrupção, enquanto fenómeno social e político, é a
utilização de um poder delegado em nome do povo para benefício particular. Quem
utiliza esse poder para benefício individual, familiar ou de grupos económicos
está a incorrer num acto social de corrupção. Depois uma outra questão é o
enquadramento jurídico dos crimes que daí decorrem. O enquadramento legal é
diverso. Mas quando falamos de corrupção estamos a discuti-lo politicamente. Os
portugueses, dos mais letrados aos mais iletrados, não têm de conhecer o
enquadramento jurídico da corrupção em detalhe. Mas sabem que a corrupção tem sido uma
marca da política em
Portugal. Os governos em Portugal dos últimos 20 anos têm
sido governos, e maiorias, e parlamentos, essencialmente corruptos, porque
organizam a vida política no sentido de utilizar os recursos da população em
benefício particular, de famílias, grupos económicos, de partidos políticos. A
política é corrupta. Sobre quem tem responsabilidade jurídica na matéria, isso
sim, é competência dos tribunais. A existência de corrupção na política é uma
marca que infelizmente se sente em Portugal de forma exponencialmente crescente
desde a entrada de Portugal na Europa. Os casos de corrupção têm sido
sistemáticos. E Sócrates é de facto um dos principais actores nessa triste peça
que é a corrupção na política na Portugal.
Tem
falado várias vezes no caso das parcerias público-privadas...
Para
saber que existe corrupção nas PPP não é preciso fazer buscas em casa de
Sócrates, Mário Lino ou Paulo Campos. Basta ler o Diário da República. Um
cidadão informado com os mínimos conhecimentos de matemática que leia o Diário
da República percebe perfeitamente que a legislação é intrinsecamente corrupta,
porque dá benefícios aos privados a uma dimensão inaceitável. Desde logo, as
PPP permitem - concentremo-nos nas rodoviárias - rentabilizar 30% ao ano em
negócios sem qualquer tipo de risco. Isto é inadmissível! Só dá rentabilidades
de 30% ao ano em negócios sem risco quem for completamente corrupto ou atrasado
mental. As pessoas que formataram este tipo de legislação ou são completamente
destituídas ou incorrem em actos de corrupção. Taxas de rentabilidade obscenas,
inaceitáveis, sem riscos, ao mesmo tempo que nas PPP rodoviárias se remunera a
diminuição da sinistralidade de uma forma muito superior às multas que os
concessionários pagam se aumentar a sinistralidade. Ou seja: se a
sinistralidade aumentar, pagam multas baixas, se a sinistralidade diminuir
levam prémios gigantescos, numa relação de 1 para 100. Se numa auto-estrada
qualquer houver um acréscimo de 10% na sinistralidade pagam uma multa
pequenina. Se a sinistralidade aumentar recebem um prémio 100 vezes superior à
multa que pagariam. Em 2011, o primeiro ano em que a função pública viu os seus
salários diminuir, o governo português pagou às concessionárias privadas das
auto-estradas em compensações - não estou a falar do pagamento das PPP, estou a
falar de suplementos - 900 milhões de euros, que é tanto como o que foi tirado
aos funcionários públicos nesse ano.
O
governo PSD-CDS disse que iria acabar com isso, mas nada.
Já
lá podemos ir, e dou-lhe outro exemplo que talvez seja ainda mais chocante: a
Ponte Vasco da Gama, que é uma PPP do tempo de Cavaco Silva. Mas em 2011 o
responsável tem um nome: o engenheiro José Sócrates e a sua equipa lesaram em
900 milhões de euros os funcionários públicos e as suas famílias para irem
meter aquele dinheiro nos bolsos de três grupos económicos: Mota-Engil,
Espírito Santo e grupo Mello. No fundo, o engenheiro Sócrates em 2011 conseguiu
algo inimaginável em Portugal: perturbar a vida de 3 milhões de pessoas para
beneficiar três. Mas há exemplos na área do PSD. A Ponte Vasco da Gama, do tempo
Cavaco Silva-Ferreira do Amaral, foi inaugurada em Março de 98 e foi vendida à
opinião pública como um investimento que teria de ser feito pelos privados
porque o Estado não teria dinheiro para isso. A custos actualizados, a ponte
terá custado 900 milhões de euros. Os privados entraram com 200 e pouco! De
onde é que veio o resto? Do Banco Europeu de Investimento, avalizado e
garantido pelo Estado português. O Estado é que dá a garantia. A parte restante
são as portagens da Ponte 25 de Abril que reverteram desde então a favor da
Lusoponte. Estávamos em Março de 98.
A Lusoponte fica com 20 e poucos por cento do valor do
investimento, com o direito das portagens da Vasco da Gama, da 25 de Abril, com
o exclusivo das travessias rodoviárias sobre o Tejo. Ao fim de uma série de
anos tinha havido acordos de reequilíbrio financeiro com a Lusoponte. Em 2001, a Lusoponte já tinha
recebido mais de 900 milhões de euros! Tinham passado mais de três anos e o
Estado já tinha pago duas pontes! Hoje já se vai no oitavo ou no nono acordo de
reequilíbrio financeiro. O Estado português já pagou à Lusoponte quatro ou
cinco vezes a Ponte Vasco da Gama!
São
contratos à prova de bala.
Blindados.
Eu não concordo com isso. Mesmo que os contratos estivessem bem feitos - e só
uma pequena parte das PPP tem contratos bem feitos -, os direitos só são
adquiridos se ambas as partes cumprirem as suas responsabilidades. E o facto é
que a Lusoponte desde o início não cumpriu o que lhe competia no âmbito do
contrato. Nas PPP nós temos contratos ilegais por três razões: alguns têm
anexos confidenciais e na administração pública não pode haver anexos
confidenciais! Toda a despesa pública tem de ser devidamente orçamentada e
cabimentada. Se não houver orçamentação e cabimentação a despesa não pode pura
e simplesmente ser feita! Há acordos de PPP que são confidenciais. E estão na
net! Aparece lá um documento com as tabelas de preços e um carimbo a dizer
confidencial! Portanto são nulos! E há um aspecto ainda mais grave: as
responsabilidades plurianuais das PPP têm de surgir nos orçamentos de Estado
dos diversos anos numa orçamentação plurianual. Onde é que isto vem? Na lei de
enquadramento orçamental. Aquelas PPP que não tiveram desde o início a sua
afectação de recursos nos orçamentos dos próximos anos não devem ser pagas,
ponto final!
Mas
então porque é que este governo não fez nada, quando disse que faria?
Eu
achei que quando esta maioria actual chegou ao governo em final de 2011
efectivamente iria renegociar as PPP, como o Dr. Passos Coelho sempre anunciou.
Disse-o publicamente, disse-o particularmente. Que renegociação se fez até
hoje? Não fizeram renegociações nenhumas! O que é que foi renegociado? As
parcerias que iriam ser feitas e não se fizeram - portanto não se pagam, mas
mesmo assim houve lugar a indemnizações. E ao nível da manutenção das
auto--estradas havia um trabalho de manutenção que iria ser desenvolvido pelos
privados e passou para o Estado e o Estado deixou de pagar isso. O engenheiro
Sócrates tinha previsto o pagamento antecipado da manutenção, o que é uma
loucura absoluta! Imagine o que é uma pessoa ir comprar um carro e pagar logo a
manutenção até ao fim da vida do carro! Acontece que esta maioria não fez nada
nesta matéria. As PPP têm uma teia completamente urdida entre as grandes
sociedades de advogados, entre as financeiras e as grandes construtoras. Não é
por acaso que nós encontramos nos órgãos de administração da maioria das
construtoras todos aqueles que trabalharam nas obras públicas nos diversos
governos. Não há ministro da área das obras públicas que não tenha ido
trabalhar nas PPP. No sector financeiro também estão aqueles que articulam a
engenharia financeira das PPP e a própria legislação das PPP é elaborada nas
grandes sociedades de advogados. A política precisa de uma desinfecção.
Temos
neste momento o engenheiro Sócrates em prisão preventiva, hoje há buscas no
universo Espírito Santo, o próprio Presidente da República apareceu envolvido
no caso BPN...
No
parlamento há registos de interesses. As pessoas têm de dizer que propriedades
têm, isso funciona relativamente bem, mas o que é que depois não existe e
deveria existir? Uma comissão de ética que impedisse que o presidente da
comissão de Segurança Social ao mesmo tempo fosse consultor do Montepio, que
actua essencialmente na área da solidariedade. O grande problema é um deputado
exercer funções privadas que têm a ver com a actividade que tutela a nível
público. Estes cavalheiros são deputados para terem informação privilegiada
para beneficiarem os grupos económicos onde trabalham! Eu não vejo nenhum
problema em que uma pessoa tenha um café e seja deputado. Mas agora se trabalha
na agricultura e está na comissão de Agricultura isto é inadmissível. A
comissão de Ética, que deveria estar lá para tutelar esta matéria, pouco fez.
Mendes Bota empenhou-se mas não conseguiu fazer nada, tanto que agora até se
foi embora. (continua em jornal i)
Foto: Ana Brigida
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