Tomás
Vasques – jornal i, opinião
Independentemente
do que se seguir nos próximos dias, quer quanto à solidez dos indícios em
investigação, quer quanto a medidas de coação aplicadas, as consequências
políticas desta detenção já são irreversíveis
Acontecimentos
políticos relevantes deste fim-de-semana, como a eleição de António Costa como
secretário-geral do Partido Socialista ou a mais conflituosa convenção do Bloco
de Esquerda desde a sua fundação, quase se eclipsaram nas atenções
informativas. A mediática detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates, às
dez horas da noite, de sexta-feira, no aeroporto, à chegada de Paris, com o
sopro ao ouvido a um ou dois canais de televisão, ocupou exaustivamente quase
todo o espaço noticioso e de comentário desde sexta-feira à noite.
Não
é caso para menos. Não só porque é a primeira vez que, em Portugal, um
ex-primeiro-ministro é detido, como também pelas circunstâncias que rodearam a
sua detenção e pelo aparato policial com que se efectuaram buscas a sua casa,
no centro de Lisboa. Repito o elementar: num Estado de Direito e democrático
todos os cidadãos são iguais perante a lei, tal como todos, sobre quem recaem
suspeitas ou acusações de crimes, se presumem inocentes até trânsito em julgado
de sentença condenatória. Contudo, neste caso, como em muitos outros (e lembro,
por todos, o caso Casa Pia, quando um juiz se deslocou ao parlamento, com uma
câmara de televisão à ilharga, subindo ambos, juiz e operador de câmara, no
mesmo elevador, para ir deter um deputado), as circunstâncias da detenção e as
selectivas fugas ao "segredo de justiça" violam desastradamente, para
não dizer intencionalmente, aqueles princípios sagrados do direito. Ainda o
ex-primeiro--ministro era transportado do aeroporto para o calabouço, onde
passou a noite, já um jornal publicava online, detalhadamente, toda a
"acusação" de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal. A
"sentença condenatória" chegaria, poucas horas depois: ainda o juiz
de instrução, natural de Mação, não tinha ouvido José Sócrates, já um ilustre
deputado do PSD, também natural de Mação, acendia a fogueira, ao escrever
"Aleluia! A malta de Mação não perdoa".
No
momento em que escrevo esta crónica, ainda José Sócrates, o último
primeiro-ministro socialista, está a ser ouvido pelo juiz de instrução, depois
de passar duas noites no calabouço. Independentemente do que se seguir nos
próximos dias, quer quanto à solidez dos indícios em investigação, quer quanto
a medidas de coação aplicadas, as consequências políticas desta detenção já são
irreversíveis. E poucos ficarão a salvo do olhar desconfiado dos cidadãos, do
descrédito da política e dos políticos. As consequências caem, em igual medida,
tanto sobre o partido socialista, como sobre os partidos do "arco da governação"
que o têm sustentado - o PSD e o CDS. É todo o regime que está em causa: a
arquitectura eleitoral, o sentimento de falta de representação, o divórcio
entre os partidos e os cidadãos, os interesses dos cidadãos permanentemente
espezinhados, a falta de esperança e de desígnios colectivos, o descrédito de
instituições democráticas, como a Assembleia da República.
Se
em Agosto, depois da queda de Ricardo Salgado, da falência do GES e do
de-saparecimento do BES, um dos maiores bancos privados portugueses, se disse
que nada, neste país, voltaria a ser como dantes, agora, por maioria de razão,
se pode repetir, com maior segurança: depois da detenção de um
ex-primeiro-ministro, por suspeita dos crimes de corrupção, branqueamento de
capitais e fraude fiscal, nunca mais amanhã será como ontem, como escreveu
Adelino Maltez.
A
reconhecida incapacidade dos partidos - todos os partidos do "arco
parlamentar" - em renovar o regime, mantendo-se irredutíveis nas mesmas
trincheiras e com o mesmo discurso, transfere para os eleitores essa tarefa.
Como aqui já escrevi: as próximas eleições legislativas, daqui a dez meses,
serão as mais decisivas eleições desde 1975. Não estará só em causa a escolha
de um novo governo mas, sobretudo, estará em causa a cultura política das
últimas décadas e o sistema político-partidário que tem sustentado este regime.
Jurista.
Escreve à segunda-feira
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