Expresso
das Ilhas (cv), editorial
A
proposta de Orçamento do Estado para 2015, que esteve em debate nos últimos
dias no parlamento, apresenta Cabo Verde como “um país que está numa
encruzilhada à procura de um novo modelo de financiamento do seu
desenvolvimento económico”. A redução de ajuda externa é apontada como
causa próxima da mudança de rumo. Uma redução, porém, que não resultou da crise
porque já antes anunciada. Em 2008 houve a graduação de Cabo Verde para país de
rendimento médio. Sabia-se então que depois de um período de transição de cinco
anos o país deixaria de beneficiar de uma parte significativa de donativos e de
empréstimos concessionais. Até lá a economia tinha que ser posta em posição de,
por um lado, manter o ritmo de crescimento a taxas elevadas e gerar receitas
para sustentar a máquina do Estado e, por outro, de fazer-se competitiva com
ganhos crescentes de produtividade.
Na
sequência da crise financeira de 2008, e da crise soberana que se seguiu em
2010 nos países do euro, a preocupação geral com o défice orçamental e o
montante da dívida pública aumentou consideravelmente. O governo argumentou,
junto dos parceiros e organizações internacionais, que a dívida externa que
iria contrair não seria insustentável mesmo que atingisse níveis bastante
elevados porque seriam todos concessionais. Segundo o relatório do OE citado os
empréstimos seriam “canalizados para projectos estruturantes e com efeito
multiplicador no crescimento económico”. As infra-estruturas criadas iriam
gerar “externalidades positivas e efeito em cadeia tanto a jusante (backward
linkages) como a montante (forward linkages) na economia, promovendo assim o
efeito “crowding in” (aumento do investimento privado, melhorias da
produtividade, maior retorno e melhoria na competitividade do país)”. Mais de
cinco anos depois, infelizmente, não é isso que aconteceu e o quadro existente
está longe do que foi prometido.
A
economia depois da recessão em 2009 lá conseguiu atingir uma taxa de
crescimento de 4% em 2011. Desde então tem ficado por valores baixos de 1,2% em
2012 e 0,5% em 2013. O FMI, em Outubro passado, reviu em baixa o crescimento
para 2014 de 3,1 % para 1% do PIB. Vê-se que o efeito multiplicador na criação
de emprego não se concretizou mantendo as taxas de desemprego bastante
elevadas, particularmente entre os jovens. O sector privado anda pelas ruas de
amargura. Queixa-se do sufoco do fisco e das taxas de juro pesadas dos bancos.
Estes referem-se a riscos macroeconómicos e macrofinanceiros ligados à fraca
performance da economia e à dívida pública acima do 100% do PIB para não
facilitação do crédito.
O
esperado aumento de investimentos privados na sequência e em consequência dos
investimentos públicos nas infra-estruturas (crowding in) também não se
verificou. Nem tão pouco se notam as backward linkages and forward
linkages prometidas que as empresas iriam estabelecer no processo de
criação de cadeias de valor, de ganhar escala e de conseguir acesso a mercados
cada vez maiores e sofisticados. Chocante é o caso do sector da construção
civil. Os termos acordados nas linhas de crédito assinados com Portugal não
favoreceram o sector de construção civil nacional apesar dos milhões de contos
gastos em obras públicas. Nestas condições exigir do sector privado que
substitua o investimento público como impulsionador do crescimento não tem
qualquer sentido.
Cinco
anos depois e mais centenas de milhões de contos investidos, não se consegue
tirar receitas suficientes da economia, nos níveis actuais de imposto, para
equilibrar as contas. As iniciativas legislativas de alargamento da base
tributária em sede do IRPS e IRPC apresentadas ao parlamento visam alargar a
base tributária para equilibrar as contas. O problema é se mexendo no
rendimento disponível das pessoas e das empresas para resolver o problema a curto
prazo das contas do estado não se estará a agravar a situação económica com a
diminuição do poder de compra das pessoas e do capital que as empresas precisam
para ampliarem os seus negócios.
Como
sair deste círculo vicioso para um círculo virtuoso onde a economia cresceria e
os rendimentos das pessoas e das empresas aumentariam deveria ser o objecto
central do debate parlamentar sobre o orçamento do Estado. Infelizmente não
foi. É de se perguntar se a resistência em encontrar outros caminhos, em ir
além da encruzilhada, não virá de conveniência política em ficar no que já é
conhecido.
Governar
com base na reciclagem de ajudas tende a reproduzir esquemas de dependência que
acabam por abranger toda a sociedade. O Estado em vez de ser o agente regulador
e facilitador de iniciativas individuais e de grupos torna-se no agente indutor
de dependência. O poder político deixa de derivar da capacidade de mobilizar
vontades para passar a basear-se quase que exclusivamente no clientelismo
ostensivo e na intimidação mais ou menos velada dos que não se submetem
directamente. O grande objectivo já não é mais prosperidade na liberdade mas
sim conformismo, passividade e sentido agudo de precariedade. O problema é se,
depois de já se ter tudo isso instalado, será possível mover pessoas, sociedade
e instituições para o patamar exigido pelo mundo que já nos diz que o tempo da
ajuda externa terminou.
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