
Folha
8, 08 novembro 2014
A
fuga de capitais de Angola poderá ter representado, anualmente, cerca de 7%
do Produto Interno Bruto (PIB), perto dos dois mil milhões de euros, segundo
estimativas baseadas em estatísticas internacionais. Talvez seja por isso que,
através da Sonangol, o regime tenha nacionalizado o BESA. Fica, assim, garantido
que o regabofe vai continuar.
Os
dados sobre a fuga de capitais, seja via paraísos fiscais ou nas bagageiras de
carros da frota de Kangamba e companhia, foram divulgados pelo director do
Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de
Angola, Alves da Rocha, durante a apresentação do livro “Fuga de Capitais e a
política de desenvolvimento a favor dos mais pobres em Angola”.
A
análise contida nesta publicação, obviamente não oficial e sujeita a ser considerada
como um crime contra a segurança do regime, baseia-se em estatísticas e
estudos internacionais, apontando para uma fuga ilícita de capitais que em
Angola poderá ter variado entre os 384 milhões de euros e os dois mil milhões
de euros, anualmente, entre 2001 e 2010. É claro que o fluxo nos anos
seguintes manteve-se ou, inclusive, terá aumentado.
“Isto
tem reflexos. Se é capital que sai, vai alimentar outras economias, vai gerar
empregos noutros países. Quando nós também precisamos de investimento, de
gerar emprego e distribuir melhor e mais rendimento a quem de facto está em
níveis de sobrevivência”, afirmou Alves da Rocha.
Mas
afinal ainda há angolanos pobres e com sérias dificuldades em sobreviver?
Tudo depende de quem for considerado angolano…
O
livro agora editado, que conta com contributos do português Paulo Morais
(paladino da luta contra a corrupção e que aqui no F8 tem publicados algumas
denúncias) sobre a situação em Portugal, resultou de uma conferência
internacional realizada em Junho de 2013, em Luanda, tendo então o ministério
das Finanças estimado em apenas 17,5 milhões de dólares (14 milhões de euros)
a fuga de capitais em Angola.
Números
muito distantes dos que constam da publicação apresentada pela Universidade
Católica de Angola, numa sessão em que não marcou presença qualquer
representante do Executivo angolano. Estiveram para mandar para lá a Guarda
Presidencial.
Para
Alves da Rocha, a “fraqueza dos bancos” e “algum laxismo” na aplicação da lei,
como na fiscalização da saída de passageiros – e dinheiro – pelo aeroporto
internacional de Luanda, mas também uma retribuição de juros superior em
depósitos em dólares feitos nos paraísos fiscais, ajudam a explicar a situação.
Ajudar, ajudam. Mas o importante, para o regime, é branquear o sistema, nem
que para isso tenham de comprar as vozes críticas. Comprar ou colocá-las na
cadeia alimentar dos jacarés.
No
caso de Angola, se a fuga de capitais fosse travada, permitiria uma redução
directa anual de 2,11% na taxa de pobreza, recorda o docente. Pois é. Mas para
o regime os pobres são necessários. Desde logo porque, por regra, pensam
apenas com a barriga… vazia.
“Só
por esta razão e não por outras, como a criação de emprego ou o crescimento do
PIB”, sublinhou o director do CEIC.
A
publicação agora lançada reúne artigos de investigação de nove académicos,
entre angolanos, outros africanos, europeus e sul-americanos, e discute temas
como a fuga de capitais e a redução da pobreza, o papel e a participação dos
bancos na fuga de capitais, a corrupção, além do regime jurídico angolano em
matéria de fuga de capitais.
Nos
últimos 25 anos, estes investigadores estimam que África perdeu anualmente
22,5 mil milhões de dólares (18 mil milhões de euros) em fuga ilícita de
capitais, superior ao PIB de 60% das economias subsaarianas.
Decidido
a pôr a boca no trombone, o director do Centro de Estudos e Investigação
Científica da Universidade Católica de Angola, admite que a entrada da
petrolífera estatal Sonangol no Banco Espírito Santo Angola (BESA) corresponde
a uma nacionalização. É verdade. Nada como manter, mesmo com outro nome, um
banco (mais um) ao serviços do regime e das suas negociatas.
O
economista referia-se à mudança na estrutura accionista no BESA – que por sua
vez passa a designar-se de Banco Económico SA -, decidida em Assembleia-geral realizada
a 29 de Outubro.
As
decisões, com o BES português a sair do capital social do BESA, foram tomadas
no âmbito da intervenção do Banco Nacional de Angola (BNA) naquela instituição
e tornaram a Sonangol no principal accionista, com uma participação de 35%.
“Sendo
a Sonangol uma empresa estatal e tendo sido chamada a ser agora o principal
accionista de um novo banco, por transformação do BESA, isso pode corresponder
a uma nacionalização. Mas não nos moldes antigos”, disse Alves da Rocha.
O
director daquele centro, uma das mais conceituadas instituições de análise
económica e financeira do país, recordou que a Sonangol, concessionária
nacional petrolífera, é hoje a empresa “mais poderosa de Angola”, com participações
em vários bancos angolanos e portugueses.
“O
Estado, através da Sonangol, dispõe agora de toda a capacidade de manobra
relativamente à estratégia de futuro deste banco”, reconheceu o docente da
Universidade Católica.
Alves
da Rocha admitiu que a intervenção, através de um aumento de capital para
corrigir o volume de crédito malparado, foi necessária, face ao peso do BESA
no sistema financeiro angolano.
“Mas,
além da Sonangol, há outros [novos] accionistas que ninguém sabe quem são. Por
uma questão de transparência era necessário saber quem são os accionistas e
quem são estas empresas. E também era preciso saber para onde e para quem foi o
dinheiro emprestado pelo BESA”, apontou.
Por
isso, defendeu ainda, a intervenção do BNA não deverá terminar com a criação
deste novo banco, mas apurando também o que “falhou” neste caso.
“Se
acredito nisso? Não”, ironizou o economista angolano.
Recorde-se
que o BNA cessou a 31 de Outubro a intervenção directa no agora ex-BESA, iniciada
em Agosto com a nomeação de dois administradores provisórios, mas assume que
manterá o “acompanhamento da implementação plena das medidas extraordinárias
de saneamento”, bem como de um “novo plano estratégico” para a instituição.
De
acordo com informações divulgadas em Luanda, a banco passa a ser liderado por
Angola, com a entrada da Sonangol, com uma posição de 35% do capital social.
Somam-se quase 20% da sociedade Geni, que se mantém como accionista, enquanto
os chineses da Lektron Capital ficam com 35%, segundo as mesmas informações,
ainda não confirmadas pelo banco comercial ou pelo BNA.
A
estrutura accionista anterior do BESA era composta ainda pelo BES português,
com 55,71%, e pela Portmill, com 24%, participações que foram diluídas, face
ao aumento de capital agora concretizado.
Contudo,
o BES já considerou que as decisões tomadas em Assembleia-Geral são
“inválidas e ineficazes”, alegando que a sua representante foi impedida de
participar na reunião, sob o pretexto de se ter atrasado, afirmando que irá
“agir em conformidade”.
O
BNA ordenou, a 20 de Outubro, seis medidas visando a continuidade do BESA,
face ao volume de crédito malparado.
Envolveram
o aumento de capital, de 65.000 milhões de kwanzas (494 milhões de euros, à
taxa cambial de 04 de agosto, quando o BESA foi intervencionado), para
assegurar o cumprimento dos rácios prudenciais mínimos.
O
Banco de Portugal tinha confirmado em agosto que o crédito de 3,3 mil milhões
de euros que o BES tinha concedido ao BESA passou para o Novo Banco, estando
totalmente provisionado.
Já
o Novo Banco fica com uma participação de 9,9% no capital social do antigo
BESA, por conversão de 53,2 milhões de euros desse empréstimo, titulado, àquela
instituição, correspondendo à conversão de 7.000 milhões de kwanzas do
empréstimo.