Nuno
Ramos de Almeida – jornal i, opinião
Governantes
alemães e comentadores amestrados portugueses abanam a cauda e pedem,
babando-se estes últimos, que a Europa castigue os gregos pela sua liberdade
O
secretário de Estado Henry Kissinger, o poderoso chefe da diplomacia norte-americana nos anos de fogo da revolução portuguesa, que esteve na
administração de Nixon e Gerald Ford, ficou famoso pela sua teoria da vacina.
Se Portugal caísse nas mãos dos comunistas - uma espécie de Cuba no velho
continente -, isso serviria de exemplo, evitando que outros países do Sul da
Europa seguissem o mesmo caminho. Segundo documentos revelados recentemente,
numa reunião na Casa Branca em Abril de 75 com o presidente Ford e o
conselheiro nacional de segurança Brent Scowcroft, o homem que vaticinava que
Mário Soares se tornaria o Kerenski português [primeiro-ministro russo
derrubado por Lenine] até arriscou uma previsão: "Em 1980 podemos ter
comunistas a governar Portugal, a Grécia e talvez Itália."
A
27 de Março, quando Ford e Kissinger receberam o ex-chanceler alemão Willy
Brandt, na altura presidente da Internacional Socialista, o secretário de
Estado norte-americano declarou: "Os europeus estabeleceram dois
objectivos [quanto a Portugal]: a realização de eleições e evitar a tomada do
poder pelos comunistas. Acho que podemos conseguir esses dois objectivos e
mesmo assim "perder" o país, porque os comunistas
"governam" através do MFA. O que vamos fazer se este tipo de governo
quiser manter o país na NATO? Quais os efeitos disso em Itália? E em França?
Provavelmente temos que atacar Portugal, qualquer que seja o resultado, e
expulsá-lo da NATO."
Normalmente,
segundo uma conhecida frase de Marx comentando Hegel, a história repete-se,
primeiro como tragédia e depois como comédia. A ideia de um conjunto de
governantes alemães e comentadores portugueses de que vai ser possível usar a
Grécia como vacina contra a mudança de atitude dos povos do Sul da Europa é uma
ideia peregrina mas pouco inteligente.
É
verdade que a Grécia deve dinheiro à troika, mas esse laço económico serve para
o país devedor como para os países credores. Pensar que é possível castigar
Atenas sem que isso se repercuta na economia da União Europeia é ignorar
completamente a dinâmica da economia. No início da crise grega também se dizia
que este país pesava menos de 1% na economia europeia, e não foi por isso que a
inacção da UE e da Alemanha não levou ao contágio a grande parte dos países
europeus.
Como
diz o Nobel Joseph Stiglitz, as reivindicações dos gregos, agora governados
pelo Syriza, são muito mais sensatas do ponto de vista económico que as medidas
da troika, que apenas conduziram à destruição da economia e da sociedade grega
e ao aumento do seu endividamento.
Se
Bruxelas e Berlim se recusarem a negociar a dívida com a Grécia, apenas estarão
a cavar a sepultura desta União Europeia, tão expedita a salvar bancos de
amigos poderosos e tão alérgica de ajudar os povos do velho continente.
O
governo de Berlim não está sozinho no mundo; de há uns anos para cá verifica-se
o recrudescimento das tensões na Europa. E não será de admirar que a Rússia ou
outras potências possam vir em ajuda de um país da NATO desavindo com os donos
da União Europeia. As recentes quedas do preço do petróleo enfraquecem a
economia russa, mas são preços de pouca dura. As reservas de combustíveis
fósseis não vão aumentar, e a Rússia é poderosa do ponto de vista das suas
reservas de gás natural e petróleo.
A
incapacidade das medidas da troika de resolverem os verdadeiros problemas da
Europa, como o desemprego e o crescimento das desigualdades, está para durar.
E a vitória do Syriza é a primeira derrota significativa dos blocos de
interesses ligados ao grande capital financeiro que governaram o continente. É
de esperar que mais partidos ditos extremistas ganhem as eleições nos próximos
anos. Espanha, França e até o Reino Unido são os próximos problemas com que a
governação alemã da UE se vai debater.
Antes
da integração europeia, estas tensões foram historicamente dirimidas em guerras
mundiais. A vaga islamofóbica é uma tendência nesse sentido. Mas uma coisa é
certa: mais que a teoria da vacina, a vitória do Syriza pode provar a teoria do
dominó. A viragem começou.
Editor-executivo
- Escreve à quarta-feira
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