terça-feira, 20 de janeiro de 2015

UMA FRUTA QUE NÃO CAIU! – VI



Martinho Júnior, Luanda (textos anteriores)

16 – Para além da tentativa de invasão em Praia Girón (14 de abril de 1961) que fracassou, Cuba teve de enfrentar uma guerrilha que se instalou de 1959 a 1966, nas montanhas de Escambray, na região central, uma guerrilha apoiada pelos interesses norte americanos que, por essa via canalizaram os principais esforços de ingerência, imediatamente a seguir à tomada de poder pela Revolução Cubana.

A guerrilha alimentava o pretexto de instalar em Cuba um “processo democrático”, expressivo rótulo que cobria a tentativa de continuidade dos interesses neo coloniais sob a batuta do império.

Os esforços de desestabilização eram entretanto acompanhados, para além do bloqueio, de dispositivos diplomáticos que, no quadro da Organização dos Estados Americanos, (uma organização que funcionava como um Ministério do Ultramar para os Estados Unidos se relacionarem com os países que compunham seu “pátio traseiro”) expulsaram Cuba, em janeiro de 1962, de forma a inibir os contactos de Cuba com os outros componentes daquela mesma organização, uma vez que os laços já não existiam com os Estados Unidos.

Esse é ainda hoje um dos aspectos que sustenta o argumento de bloqueio e não dum mero embargo: efectivamente a questão de embargo é muito mais de ordem técnica-económica, mas o bloqueio tem implicações para lá da ordem técnica-económica, nas questões e implicações sociais, políticas, diplomáticas, militares e de inteligência, com impactos geo estratégicos e tácticos nos seus objectivos!

Em Outubro de 1962 ocorreu ainda a “crise dos mísseis”, um episódio que terá colocado o mundo à beira duma catástrofe nuclear e com repercussões históricas que chegam aos nossos dias: o bloqueio total só não era completamente efectivo, por que os países que compunham então o bloco socialista mantiveram relacionamentos de toda a ordem com a maior das Antilhas, mas quando eles desapareceram do mapa do instável equilíbrio global, o bloqueio agigantou-se, causando incalculáveis repercussões na vida do povo cubano, nas contensões que se impuseram ao seu estado e à sua Revolução, obrigadas a viver o “período especial”.

Entretanto, frustrada a tentativa de desembarque, o caminho ficou aberto à expressão de terroristas como Luis Posada Carrilles, que com apoios garantidos da CIA operou não só em Cuba, mas em toda a região, sempre com conexões a outras organizações de extrema-direita no mundo, incluindo Portugal (no âmbito da “Operação Gladio”).

17 – Quando surgiu em 1965 o novo Partido Comunista Cubano em resultado do vigor que alimentava o próprio processo revolucionário, um dos aspectos mais significativos foi o aumento da intensidade da solidariedade e do internacionalismo, com que Cuba havia começado a experimentar e a brindar outros povos e nações do planeta no âmbito dum Não Alinhamento activo, logo a seguir à vitória da sua Revolução: ”Pátria é humanidade”!

Efectivamente essa conduta, disseminava resistência e confrontação de forma “assimétrica”, procurando reduzir os impactos em relação à própria Cuba, mas perseguindo sempre uma base ética e moral, que coincidia com os princípios da própria Revolução e a ânsia por liberdade de outros povos.

O caminho foi a gestação de múltiplos Vietnames, apostados a resistir ao “diktat” dos interesses mais retrógrados que, concentrando-se nos Estados Unidos, garantiam já ingerências em todo o Mundo, sobretudo nos frágeis países que constituíam o Não Alinhamento.

Essa foi também uma legítima resposta ao bloqueio e a todas as contrariedades a que Cuba passou a estar sujeita em função de sua tão decidida atitude de independência e soberania, de modo a que, quanto mais contrariedades e obstáculos houvesse, mais Cuba encontrava capacidades de resistência, dentro e para além de suas fronteiras.

Esse critério explica também o facto da Revolução Cubana não se deixar corromper: quando os Estados Unidos pretenderam que a Revolução Cubana deixasse de dar a sua contribuição em Angola, na perspectiva da luta travada em função da lógica com sentido de vida, a troco do levantamento do bloqueio, Cuba tivesse rejeitado essa tal proposta de forma veemente e categórica!
  
18 – A solidariedade e o internacionalismo, levou Cuba até África logo em 1961, com motivações que colocaram a Revolução Cubana em estreita consonância com a Luta de Libertação contra o colonialismo no continente-berço.

A 23 de maio de 1963, em resultado dessa opção, partiu de Cuba a Primeira Missão Médica de Ajuda Internacionalista, que durante 13 meses trabalhou na República Democrática e Popular da Argélia, integrando um contingente de 56 pessoas, apesar de Cuba se ter visto tão desfalcada de pessoal de saúde, na sequência da migração que ocorreu com a derrota ditadura de Fulgêncio Batista.

Nos princípios de 1965 o próprio Che Guevara se deslocou a África para auscultar as potencialidades do incremento dessa mescla de solidariedade e internacionalismo em socorro e reforço do movimento de Libertação em África, contra a opressão colonial e neo colonial no continente.

No dia 2 de janeiro de 1965, em Brazzaville, Che Guevara encontrou-se com a direcção do MPLA, fez agora 50 anos e algumas das decisões estratégicas da Revolução Cubana em relação ao Movimento de Libertação em África, foram tomadas em função desse périplo, estendendo-se as suas linhas de acção com rumo até hoje e muito para além do desaparecimento físico do Che!
  
19 – A coerência revolucionária dos cubanos foi sempre vista até aos pormenores pelos seus milhares e milhares de autores que integraram esse esforço e a sua conduta para com África surgiu como um reforço inestimável no sentido de pôr finalmente fim a séculos de trevas, face ao colonialismo, ao “apartheid”, às suas próprias sequelas e dar uma contribuição inestimável à luta contra o subdesenvolvimento crónico a que o continente até então havia sido sujeito.

Essa cultura de internacionalismo e solidariedade manifesta-se ainda hoje, em especial quando os desafios transcendem muitas das capacidades e possibilidades dos africanos, sobretudo em matéria de saúde e educação.

Por isso é importante lembrar uma das conclusões do próprio Che, inscritas no seu diário relativo à sua presença quando deu a sua contribuição às guerrilhas no Congo (“Passajes de la guerra revolucionária: Congo”):

“… Quando se ajuda toma-se uma posição e essa posição toma-se com base em determinadas análises relativas à lealdade e à efectividade de um movimento revolucionário na luta contra o imperialismo, na luta pela libertação dum país; para assegurarmos essa análise devemos conhecer e para isso intervir mais por dentro dos movimentos.

A ajuda deve ser condicionada, senão corremos o perigo de que se transforme no seu conjunto no contrário do que desejamos: em dinheiro para férias principescas dos senhores da revolução, dos Freedom Fighters que sacrificam e vendem os seus povos e atrasam o desenvolvimento revolucionário.

Quer dizer, assim também nos converteremos em aliados do imperialismo. Porque (estou seguro de que, se o imperialismo não o pratica ainda, irá fazê-lo no futuro) não há nada mais barato para ele do que aplicar uns milhares de dólares por debaixo duma mesa de conferências dos movimentos de libertação que há em África, de forma a que a sua repartição provoque mais distúrbios, divisões e derrotas do que um exército no campo de batalha”…

Esse critério podemos observar em relação à luta de libertação em Angola, no que diz respeito à escolha do MPLA, com evidentes reflexos na distinção que René Pélissier faz em síntese, entre o que é um movimento de libertação e o que é uma organização etno-nacionalista.

De facto com um movimento de libertação consegue-se obter rumo para as lutas a travar, com os outros, as aventuras agenciadas foram-se somando e pagaram-se (e continuam a pagar-se) muito caro, inclusive mesmo depois de obtida a independência! 

Foto: o Che com Ben Bella (Argélia)

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