Martinho
Júnior, Luanda (textos anteriores)
16
– Para além da tentativa de invasão em Praia Girón (14 de abril de 1961) que fracassou,
Cuba teve de enfrentar uma guerrilha que se instalou de 1959 a 1966, nas
montanhas de Escambray, na região central, uma guerrilha apoiada pelos
interesses norte americanos que, por essa via canalizaram os principais
esforços de ingerência, imediatamente a seguir à tomada de poder pela Revolução
Cubana.
A
guerrilha alimentava o pretexto de instalar em Cuba um “processo
democrático”, expressivo rótulo que cobria a tentativa de continuidade dos
interesses neo coloniais sob a batuta do império.
Os
esforços de desestabilização eram entretanto acompanhados, para além do
bloqueio, de dispositivos diplomáticos que, no quadro da Organização dos
Estados Americanos, (uma organização que funcionava como um Ministério do
Ultramar para os Estados Unidos se relacionarem com os países que compunham seu “pátio
traseiro”) expulsaram Cuba, em janeiro de 1962, de forma a inibir os contactos
de Cuba com os outros componentes daquela mesma organização, uma vez que os
laços já não existiam com os Estados Unidos.
Esse
é ainda hoje um dos aspectos que sustenta o argumento de bloqueio e não dum
mero embargo: efectivamente a questão de embargo é muito mais de ordem
técnica-económica, mas o bloqueio tem implicações para lá da ordem
técnica-económica, nas questões e implicações sociais, políticas, diplomáticas,
militares e de inteligência, com impactos geo estratégicos e tácticos nos seus
objectivos!
Em
Outubro de 1962 ocorreu ainda a “crise dos mísseis”, um episódio que terá
colocado o mundo à beira duma catástrofe nuclear e com repercussões históricas
que chegam aos nossos dias: o bloqueio total só não era completamente efectivo,
por que os países que compunham então o bloco socialista mantiveram
relacionamentos de toda a ordem com a maior das Antilhas, mas quando eles
desapareceram do mapa do instável equilíbrio global, o bloqueio agigantou-se,
causando incalculáveis repercussões na vida do povo cubano, nas contensões que
se impuseram ao seu estado e à sua Revolução, obrigadas a viver o “período
especial”.
Entretanto,
frustrada a tentativa de desembarque, o caminho ficou aberto à expressão de
terroristas como Luis Posada Carrilles, que com apoios garantidos da CIA operou
não só em Cuba, mas em toda a região, sempre com conexões a outras organizações
de extrema-direita no mundo, incluindo Portugal (no âmbito da “Operação
Gladio”).
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– Quando surgiu em 1965 o novo Partido Comunista Cubano em resultado do vigor
que alimentava o próprio processo revolucionário, um dos aspectos mais
significativos foi o aumento da intensidade da solidariedade e do
internacionalismo, com que Cuba havia começado a experimentar e a brindar
outros povos e nações do planeta no âmbito dum Não Alinhamento activo, logo a
seguir à vitória da sua Revolução: ”Pátria é humanidade”!
Efectivamente
essa conduta, disseminava resistência e confrontação de forma “assimétrica”,
procurando reduzir os impactos em relação à própria Cuba, mas perseguindo
sempre uma base ética e moral, que coincidia com os princípios da própria
Revolução e a ânsia por liberdade de outros povos.
O
caminho foi a gestação de múltiplos Vietnames, apostados a resistir ao “diktat” dos
interesses mais retrógrados que, concentrando-se nos Estados Unidos, garantiam
já ingerências em todo o Mundo, sobretudo nos frágeis países que constituíam o
Não Alinhamento.
Essa
foi também uma legítima resposta ao bloqueio e a todas as contrariedades a que
Cuba passou a estar sujeita em função de sua tão decidida atitude de
independência e soberania, de modo a que, quanto mais contrariedades e
obstáculos houvesse, mais Cuba encontrava capacidades de resistência, dentro e
para além de suas fronteiras.
Esse
critério explica também o facto da Revolução Cubana não se deixar corromper:
quando os Estados Unidos pretenderam que a Revolução Cubana deixasse de dar a
sua contribuição em Angola, na perspectiva da luta travada em função da lógica
com sentido de vida, a troco do levantamento do bloqueio, Cuba tivesse
rejeitado essa tal proposta de forma veemente e categórica!
18
– A solidariedade e o internacionalismo, levou Cuba até África logo em 1961,
com motivações que colocaram a Revolução Cubana em estreita consonância com a
Luta de Libertação contra o colonialismo no continente-berço.
A
23 de maio de 1963, em resultado dessa opção, partiu de Cuba a Primeira Missão
Médica de Ajuda Internacionalista, que durante 13 meses trabalhou na República
Democrática e Popular da Argélia, integrando um contingente de 56 pessoas,
apesar de Cuba se ter visto tão desfalcada de pessoal de saúde, na sequência da
migração que ocorreu com a derrota ditadura de Fulgêncio Batista.
Nos
princípios de 1965 o próprio Che Guevara se deslocou a África para auscultar as
potencialidades do incremento dessa mescla de solidariedade e internacionalismo
em socorro e reforço do movimento de Libertação em África, contra a opressão
colonial e neo colonial no continente.
No
dia 2 de janeiro de 1965, em Brazzaville, Che Guevara encontrou-se com a
direcção do MPLA, fez agora 50 anos e algumas das decisões estratégicas da
Revolução Cubana em relação ao Movimento de Libertação em África, foram tomadas
em função desse périplo, estendendo-se as suas linhas de acção com rumo até
hoje e muito para além do desaparecimento físico do Che!
19
– A coerência revolucionária dos cubanos foi sempre vista até aos pormenores
pelos seus milhares e milhares de autores que integraram esse esforço e a sua
conduta para com África surgiu como um reforço inestimável no sentido de pôr
finalmente fim a séculos de trevas, face ao colonialismo, ao “apartheid”,
às suas próprias sequelas e dar uma contribuição inestimável à luta contra o
subdesenvolvimento crónico a que o continente até então havia sido sujeito.
Essa
cultura de internacionalismo e solidariedade manifesta-se ainda hoje, em
especial quando os desafios transcendem muitas das capacidades e possibilidades
dos africanos, sobretudo em matéria de saúde e educação.
Por
isso é importante lembrar uma das conclusões do próprio Che, inscritas no seu
diário relativo à sua presença quando deu a sua contribuição às guerrilhas no
Congo (“Passajes de la guerra revolucionária: Congo”):
“…
Quando se ajuda toma-se uma posição e essa posição toma-se com base em
determinadas análises relativas à lealdade e à efectividade de um movimento
revolucionário na luta contra o imperialismo, na luta pela libertação dum país;
para assegurarmos essa análise devemos conhecer e para isso intervir mais por
dentro dos movimentos.
A
ajuda deve ser condicionada, senão corremos o perigo de que se transforme no
seu conjunto no contrário do que desejamos: em dinheiro para férias
principescas dos senhores da revolução, dos Freedom Fighters que sacrificam e
vendem os seus povos e atrasam o desenvolvimento revolucionário.
Quer
dizer, assim também nos converteremos em aliados do imperialismo. Porque (estou
seguro de que, se o imperialismo não o pratica ainda, irá fazê-lo no futuro)
não há nada mais barato para ele do que aplicar uns milhares de dólares por
debaixo duma mesa de conferências dos movimentos de libertação que há em
África, de forma a que a sua repartição provoque mais distúrbios, divisões e
derrotas do que um exército no campo de batalha”…
Esse
critério podemos observar em relação à luta de libertação em Angola, no que diz
respeito à escolha do MPLA, com evidentes reflexos na distinção que René Pélissier
faz em síntese, entre o que é um movimento de libertação e o que é uma
organização etno-nacionalista.
De
facto com um movimento de libertação consegue-se obter rumo para as lutas a
travar, com os outros, as aventuras agenciadas foram-se somando e pagaram-se (e
continuam a pagar-se) muito caro, inclusive mesmo depois de obtida a
independência!
Foto:
o Che com Ben Bella (Argélia)
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