Rui Peralta, Luanda
O
pilar de sustentação das lutas de libertação nacional dos povos africanos foi
constituído pelos camponeses. Claro que este facto não impediu o movimento de
libertação nacional de recrutar militantes e combatentes em todos os sectores
sociais, principalmente nas camadas populares urbanas (trabalhadores e
intelectuais), nos diversos sectores da burguesia nacional (principalmente na
pequena e media burguesia, por muito incipiente que esta fosse) e, inclusive,
nos sectores da aristocracia tradicional, remanescente da época pré-colonial.
Foi, no entanto, no campesinato que os movimentos de libertação nacional
encontraram o seu principal combatente e o seu mais leal aliado.
Os
conflitos no seio do movimento de libertação nacional expressavam o conflito
social na sociedade africana. Estas contradições internas eram abafadas e caso
se agudizassem (em consequência das dinâmicas da luta) a necessidade de manter
uma postura unitária anticolonialista sobrepôs-se, em inúmeras ocasiões, às
contradições, resolvidas de forma mais ou menos consensual nas estruturas
dirigentes, ou adiadas para momento mais oportuno, ou – em casos excepcionais –
através do afastamento das facções minoritárias.
As
pretensões burocráticas eram caladas pelas dinâmicas das lutas, mas não
aniquiladas, desenvolvendo-se silenciosamente no interior da estrutura
organizativa, manifestando-se pelo formalismo, pelos procedimentos acima dos
princípios, pelo “zelo regulamentar”, pelas regras para as reuniões, a
cadeia hierárquica assumindo a hierarquia vertical ao invés da hierarquia
funcional, etc. É certo que as guerrilheiras (de base camponesa,
essencialmente) não eram “atrativas” para as camadas burocráticas, que
preferiam o “exilio dourado” e as “tarefas no exterior”. A guerra popular de
libertação e a luta clandestina nas cidades nunca foram os palcos operacionais
das camadas burocráticas.
A
burocracia acompanha a formação do Estado. Após as independências as camadas
burocráticas fazem sentir a sua influência de forma directa. Encontram-se numa
posição favorável e ocupam, paulatinamente o aparelho político-militar,
acabando por dominar todo o aparelho de Estado. Habituadas a esperar, sabem ter
chegado o seu momento. Apropriam-se das riquezas proporcionadas pelos recursos
naturais, transformando a propriedade pública em propriedade do Estado,
administrada por zelosos burocratas, que desta forma geram o seu cofre-forte.
Organiza-se
o culto do Estado e do Partido. A economia hierarquiza-se e cristaliza com a
destruturação do mercado interno. O Estado incha e a Nação estagna. Eis o ponto
limite do domínio burocrático. Está concluída a primeira fase do processo de
acumulação. Seguem-se os mecanismos da segunda fase: o usufruto da usurpação.
Através
do movimento de libertação nacional os “povos correram com o colonialismo pela
porta da saída” mas a burocracia deixou a “janela aberta para o neocolonialismo
entrar” (as expressões sublinhadas são do camarada Carlos Dilolwa, um
combatente patriota e intelectual angolano, já falecido).
Leituras
aconselhadas
Amin,
S. Os desafios da mundialização Ed. Dinossauro, 2000, Lisboa
Rizzi,
B. A burocratização do mundo Ed. Antigona,1983, Lisboa
Sem comentários:
Enviar um comentário