sexta-feira, 16 de outubro de 2015

ÁFRICA: BUROCRACIA E FORMALISMO NO SEIO DO MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL



Rui Peralta, Luanda

O pilar de sustentação das lutas de libertação nacional dos povos africanos foi constituído pelos camponeses. Claro que este facto não impediu o movimento de libertação nacional de recrutar militantes e combatentes em todos os sectores sociais, principalmente nas camadas populares urbanas (trabalhadores e intelectuais), nos diversos sectores da burguesia nacional (principalmente na pequena e media burguesia, por muito incipiente que esta fosse) e, inclusive, nos sectores da aristocracia tradicional, remanescente da época pré-colonial. Foi, no entanto, no campesinato que os movimentos de libertação nacional encontraram o seu principal combatente e o seu mais leal aliado.

Os conflitos no seio do movimento de libertação nacional expressavam o conflito social na sociedade africana. Estas contradições internas eram abafadas e caso se agudizassem (em consequência das dinâmicas da luta) a necessidade de manter uma postura unitária anticolonialista sobrepôs-se, em inúmeras ocasiões, às contradições, resolvidas de forma mais ou menos consensual nas estruturas dirigentes, ou adiadas para momento mais oportuno, ou – em casos excepcionais – através do afastamento das facções minoritárias.

As pretensões burocráticas eram caladas pelas dinâmicas das lutas, mas não aniquiladas, desenvolvendo-se silenciosamente no interior da estrutura organizativa, manifestando-se pelo formalismo, pelos procedimentos acima dos princípios, pelo “zelo regulamentar”, pelas regras para as reuniões, a cadeia hierárquica assumindo a hierarquia vertical ao invés da hierarquia funcional, etc. É certo que as guerrilheiras (de base camponesa, essencialmente) não eram “atrativas” para as camadas burocráticas, que preferiam o “exilio dourado” e as “tarefas no exterior”. A guerra popular de libertação e a luta clandestina nas cidades nunca foram os palcos operacionais das camadas burocráticas.

A burocracia acompanha a formação do Estado. Após as independências as camadas burocráticas fazem sentir a sua influência de forma directa. Encontram-se numa posição favorável e ocupam, paulatinamente o aparelho político-militar, acabando por dominar todo o aparelho de Estado. Habituadas a esperar, sabem ter chegado o seu momento. Apropriam-se das riquezas proporcionadas pelos recursos naturais, transformando a propriedade pública em propriedade do Estado, administrada por zelosos burocratas, que desta forma geram o seu cofre-forte.

Organiza-se o culto do Estado e do Partido. A economia hierarquiza-se e cristaliza com a destruturação do mercado interno. O Estado incha e a Nação estagna. Eis o ponto limite do domínio burocrático. Está concluída a primeira fase do processo de acumulação. Seguem-se os mecanismos da segunda fase: o usufruto da usurpação.

Através do movimento de libertação nacional os “povos correram com o colonialismo pela porta da saída” mas a burocracia deixou a “janela aberta para o neocolonialismo entrar” (as expressões sublinhadas são do camarada Carlos Dilolwa, um combatente patriota e intelectual angolano, já falecido).
  
Leituras aconselhadas
Amin, S. Os desafios da mundialização Ed. Dinossauro, 2000, Lisboa
Rizzi, B. A burocratização do mundo Ed. Antigona,1983, Lisboa

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