Quando
um Presidente da República tem a pressa e a necessidade em lembrar aos cidadãos
quais são os pilares do regime é porque o medo começa a mudar de lado.
Adriano Campos* - *Esquerda.net
A
unificação política da direita portuguesa já não basta à austeridade acordada
com Bruxelas. O recado de Cavaco Silva a António Costa foi translúcido, o
"arco da governação" mudou de nome e os rebatizados partidos de
"matriz europeia" não faltam aos seus patronos: a troika, Angola
(CPLP) e a Nato.
Neste
cenário, e em meio ao turbilhão de opiniões e movimentações que se multiplicam
desde domingo, pressionando para que se desate o nó da política à esquerda, há
três miragens que podem bem colonizar o debate pós-eleições e as soluções à
nossa disposição.
1.
“O eleitorado puniu de forma clara quem defendeu as convergências à esquerda”. A declaração é de Daniel Oliveira e refere-se ao
desaire sofrido pela candidatura de que fez parte (Livre/Tempo de Avançar).
Afirma Oliveira que uma vez falhada essa alternativa, resta ao Bloco
libertar-se do fantasma do PCP e alargar o seu campo ou esperar por uma
regeneração do PS. Mas se atentarmos bem aos resultados de domingo, não terão
aqueles que votaram feito precisamente o contrário, punindo os partidos que
fugiram às convergências das soluções concretas?
Muito
se tem falado do desafio de Catarina Martins a António Costa: defender as
pensões, travar o abuso dos despedimentos e salvaguardar a capitalização da
Segurança Social (TSU). E não é para menos. Foram muitas as pessoas que viram,
não um gesto, mas um começo de programa para se fazer de Portugal um país
viável. No essencial, onde o Bloco foi uma garantia, o PS foi uma dúvida.
Mas
nunca é demais lembrar que o debate entre Catarina Martins e Jerónimo Martins
aconteceu, está gravado e faz parte desta história. A coerência da confiança
depositada no Bloco reflete-se nas primeiras declarações pós-eleitorais: não
recusamos ninguém que na esquerda esteja disposto a terminar com o ciclo da
austeridade perpétua. Os integrantes do Livre/Tempo de Avançar, que foram convidados a participar nas listas do Bloco,
ainda vão a tempo dessa reflexão.
2.
A segunda miragem é produzida por aqueles que sugerem o surgimento de um
"novo bloco de esquerda", polido e amaciado. Graça Franco sumariza:
"o velho Bloco, que muitos consideravam estar morto e enterrado, meteu na
gaveta o seu passado anti-sistema para o substituir por uma indisfarçável sede
de futura experiência governativa e de poder à Syriza.". A ousadia do
pensamento não só ignora as raízes sociais da esquerda radical em Portugal,
como encobre a verdadeira força de mudança que o Bloco representa nestas
eleições.
Há
um conjunto significativo da população - que percebendo a firmeza de quem
defende a convergência contra a austeridade - não pestanejou em votar num
partido que está disposto a enfrentar a União Europeia de Merkel e a assumir as
consequências de uma reestruturação da dívida. O papão do euro, freneticamente
agitado por Paulo Portas, já não intimida aqueles que perderam quase tudo com a
austeridade, uma geração esmagada pelo peso da precariedade e do desemprego
(uma das últimas sondagens indicava que 42% dos votantes do Bloco tem menos de
35 anos). E por isso a distinção que o Bloco marcou em relação ao governo grego
não se traduziu em descrença, mas antes na confiança em quem põe as cartas na
mesa.
O
que mudou em Portugal não foi o Bloco, foi o regime de alternância que tem na
austeridade e na submissão a Bruxelas o seu programa único.
3.
A derradeira miragem é também a mais perigosa para quem atravessa este deserto,
pois é a que nos dá conta de um PS dividido perante o impasse governativo. José
Manuel Fernandes fala-nos de uma ala à esquerda (Mário Soares, Alegre e os
jovens turcos) e uma ala ao centro (Assis e os Seguristas). Há mesmo quem tenha
visto na reunião da comissão política do PS esse choque, que acabou com Costa
mandatado para falar com a direita e com a esquerda.
Pergunto-me
se será mesmo assim? Pois se é certo que o PS não recusou o repto de reunir com
PCP e Bloco, o que mereceu o voto esmagador dos dirigentes do PS naquela noite
foi aceitar que é ao PSD e CDS que cabe o "ónus de encontrar soluções de
governabilidade". E nunca mais, deste então, a palavra "governo"
foi proferida por qualquer dirigente socialista (a única exceção que confirma a
regra foi a posição de João Soares). Perdeu-se a força desta primeira
possibilidade.
Para
quem sempre acusou Bloco e PCP de taticismo acabou a gerar uma estranha forma
de vida política, cuja fórmula é reveladora: o PS não apoia ninguém nas
presidenciais mas faz depender a clarificação da sua linha política em
congresso do resultado dessas eleições. Quatro meses de inércia e
situacionismo.
Não
teremos, contudo, de aguardar tanto. As próximas semanas dirão se o PS está
disposto a respeitar o seu mandato e juntar forças contra a austeridade ou a
viabilizar a minoria de direita apadrinhada por Cavaco Silva.
1 comentário:
Deve haver um lapso qd escrevem "o debate entre Catarina Martins e Jerónimo Martins "
Enviar um comentário