sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Portugal. AS TRÊS MIRAGENS DO PÓS-ELEIÇÕES



Quando um Presidente da República tem a pressa e a necessidade em lembrar aos cidadãos quais são os pilares do regime é porque o medo começa a mudar de lado.

Adriano Campos* - *Esquerda.net

A unificação política da direita portuguesa já não basta à austeridade acordada com Bruxelas. O recado de Cavaco Silva a António Costa foi translúcido, o "arco da governação" mudou de nome e os rebatizados partidos de "matriz europeia" não faltam aos seus patronos: a troika, Angola (CPLP) e a Nato.

Neste cenário, e em meio ao turbilhão de opiniões e movimentações que se multiplicam desde domingo, pressionando para que se desate o nó da política à esquerda, há três miragens que podem bem colonizar o debate pós-eleições e as soluções à nossa disposição.

1. “O eleitorado puniu de forma clara quem defendeu as convergências à esquerda”. A declaração é de Daniel Oliveira e refere-se ao desaire sofrido pela candidatura de que fez parte (Livre/Tempo de Avançar). Afirma Oliveira que uma vez falhada essa alternativa, resta ao Bloco libertar-se do fantasma do PCP e alargar o seu campo ou esperar por uma regeneração do PS. Mas se atentarmos bem aos resultados de domingo, não terão aqueles que votaram feito precisamente o contrário, punindo os partidos que fugiram às convergências das soluções concretas?

Muito se tem falado do desafio de Catarina Martins a António Costa: defender as pensões, travar o abuso dos despedimentos e salvaguardar a capitalização da Segurança Social (TSU). E não é para menos. Foram muitas as pessoas que viram, não um gesto, mas um começo de programa para se fazer de Portugal um país viável. No essencial, onde o Bloco foi uma garantia, o PS foi uma dúvida.

Mas nunca é demais lembrar que o debate entre Catarina Martins e Jerónimo Martins aconteceu, está gravado e faz parte desta história. A coerência da confiança depositada no Bloco reflete-se nas primeiras declarações pós-eleitorais: não recusamos ninguém que na esquerda esteja disposto a terminar com o ciclo da austeridade perpétua. Os integrantes do Livre/Tempo de Avançar, que foram convidados a participar nas listas do Bloco, ainda vão a tempo dessa reflexão.

2. A segunda miragem é produzida por aqueles que sugerem o surgimento de um "novo bloco de esquerda", polido e amaciado. Graça Franco sumariza: "o velho Bloco, que muitos consideravam estar morto e enterrado, meteu na gaveta o seu passado anti-sistema para o substituir por uma indisfarçável sede de futura experiência governativa e de poder à Syriza.". A ousadia do pensamento não só ignora as raízes sociais da esquerda radical em Portugal, como encobre a verdadeira força de mudança que o Bloco representa nestas eleições.

Há um conjunto significativo da população - que percebendo a firmeza de quem defende a convergência contra a austeridade - não pestanejou em votar num partido que está disposto a enfrentar a União Europeia de Merkel e a assumir as consequências de uma reestruturação da dívida. O papão do euro, freneticamente agitado por Paulo Portas, já não intimida aqueles que perderam quase tudo com a austeridade, uma geração esmagada pelo peso da precariedade e do desemprego (uma das últimas sondagens indicava que 42% dos votantes do Bloco tem menos de 35 anos). E por isso a distinção que o Bloco marcou em relação ao governo grego não se traduziu em descrença, mas antes na confiança em quem põe as cartas na mesa.

O que mudou em Portugal não foi o Bloco, foi o regime de alternância que tem na austeridade e na submissão a Bruxelas o seu programa único.

3. A derradeira miragem é também a mais perigosa para quem atravessa este deserto, pois é a que nos dá conta de um PS dividido perante o impasse governativo. José Manuel Fernandes fala-nos de uma ala à esquerda (Mário Soares, Alegre e os jovens turcos) e uma ala ao centro (Assis e os Seguristas). Há mesmo quem tenha visto na reunião da comissão política do PS esse choque, que acabou com Costa mandatado para falar com a direita e com a esquerda.

Pergunto-me se será mesmo assim? Pois se é certo que o PS não recusou o repto de reunir com PCP e Bloco, o que mereceu o voto esmagador dos dirigentes do PS naquela noite foi aceitar que é ao PSD e CDS que cabe o "ónus de encontrar soluções de governabilidade". E nunca mais, deste então, a palavra "governo" foi proferida por qualquer dirigente socialista (a única exceção que confirma a regra foi a posição de João Soares). Perdeu-se a força desta primeira possibilidade.

Para quem sempre acusou Bloco e PCP de taticismo acabou a gerar uma estranha forma de vida política, cuja fórmula é reveladora: o PS não apoia ninguém nas presidenciais mas faz depender a clarificação da sua linha política em congresso do resultado dessas eleições. Quatro meses de inércia e situacionismo.

Não teremos, contudo, de aguardar tanto. As próximas semanas dirão se o PS está disposto a respeitar o seu mandato e juntar forças contra a austeridade ou a viabilizar a minoria de direita apadrinhada por Cavaco Silva.

*Sociólogo, activista precário

1 comentário:

Victor Nogueira disse...

Deve haver um lapso qd escrevem "o debate entre Catarina Martins e Jerónimo Martins "

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