É
verdade que a História já absolveu os 17 activistas angolanos pelos putativos
crimes que lhes foram imputados absurdamente pelo Ministério Público do seu
país.
Rui
Verde*
No
entanto, o julgamento decorre numa impressionante modorra, com o fito de
adormecer a opiniões pública: só assim se justifica o episódio rocambolesco de
proceder à leitura integral do livro de Domingos Cruz em plena audiência.
É
certo que as provas, inclusive as documentais, têm de ser apresentadas e
discutidas em audiência de julgamento, e não nos calabouços das polícias.
Contudo,
uma coisa é apresentar o livro, discutir e questionar algumas passagens, ou
testá-lo com interpretações contraditórias, outra coisa muito diferente é ler o
livro completo. Esta estratégia não tem outro intuito além de desgastar as
audiências públicas.
Mas,
se tal procedimento é discutível, é inadmissível o facto de o julgamento
continuar a decorrer à porta fechada. Faz parte do conceito de julgamento justo
contido no artigo 72.º da CRA a existência de uma audiência pública de
julgamento. Esse é um facto indubitável.
Também
o Código do Processo Penal angolano assegura, no seu artigo 407.º, que a
audiência de julgamento é pública, a não ser que o juiz entenda que a abertura
é susceptível de ofender o interesse, a moral ou a ordem pública. Apenas e só
estes aspectos podem ser invocados para que as audiências decorram à porta
fechada. E não basta tomar essa decisão com base em tal argumento abstracto: é
preciso explicar concretamente e fundamentar de forma muito clara os motivos do
secretismo. Estranhamente, todavia, parece que a justificação para fazer o
julgamento em segredo é a falta de espaço…
Parece-nos
que isto não constitui justificação alguma, mas somente uma manobra de
diversão. Em resumo: se o julgamento dos 17 continuar a realizar-se à porta
fechada, não estamos perante um julgamento, mas perante uma peça de teatro
representada tristemente para um punhado de convidados especiais.
Este
julgamento, tal como outros julgamentos que têm ocorrido em Angola, este ano,
envolvendo casos e presos políticos (como Marcos Mavungo ou Rafael Marques),
não são julgamentos de Direito, mas sim réplicas mal-amanhadas dos ensinamentos
marxistas e soviéticos, segundo os quais o juiz não era mais do que um
representante da classe dominante e que, por isso, se limitava a aplicar os
desejos e as vontades desta.
É
então premente levantar a questão: estes juízes angolanos tão deferentes com o
poder terão estudado na União Soviética ou em Cuba, ou apenas se orgulham de
ser sipaios do poder, tão enviesados se revelam na sua interpretação do
direito?
Também
por estes dias foi anunciada nova decisão relativamente a um pedido de habeas
corpus dos 15 activistas detidos. O habeas corpus está consagrado na CRA, no
artigo 68.º. O Tribunal Supremo considera que não estão ultrapassados os prazos
previstos no artigo 25.º da Lei da Prisão Preventiva, porque não é admissível a
liberdade provisória nos termos do artigo 10.º, n.º 3, c) do mesmo normativo.
Ou
seja, existe “em razão da natureza e circunstâncias do crime ou da
personalidade do delinquente, fundado receio de perturbação da ordem pública ou
de continuação das actividades criminosas”. E, por esta razão, não pode ser
concedida liberdade provisória, e os prazos da prisão preventiva podem, de
resto, ser prorrogados.
Ora,
assim sendo, o Tribunal Supremo peca em duas questões. Por um lado, na questão
da perigosidade dos presos. Nenhum dos referidos presos desenvolveu qualquer
actividade perigosa, não pegou em armas, não disparou, não bateu, não matou.
Por outro lado, dois continuam em liberdade (e muito correctamente), e não há
qualquer indicação de que estejam a desenvolver algum tipo de actividade
perigosa.
O
conceito de perigosidade é abstracto, e por isso tem de ser concretizado. O
Tribunal, quando o evoca, tem de especificar em que é que se baseia e
fundamentar por que razão está convicto do perigo efectivo. Em Direito, não
bastam palavras ocas. Em ditadura, sim. Em ditadura, a força sobrepõe-se à lei.
Além
disso, o Tribunal tem de analisar a situação de cada um dos presos, uma a uma.
Não pode decidir por atacado, uma vez que a lei individualiza, naturalmente, a
responsabilidade criminal.
Nestes
termos, não se verificam as condições para invocar a existência de impedimentos
à liberdade provisória, e por isso os prazos admissíveis de prisão preventiva
já foram largamente ultrapassados. Contudo, já se percebeu que, em termos de
julgamentos e processos criminais, Luanda se está a transformar na Moscóvia
tropical. A farsa está na ordem do dia, e os juízes e procuradores são uns
falsos comediantes. São aprendizes de feiticeiros.
*Doutor
em Direito – Maka Angola, em Folha 8
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