Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
A
sensatez não é de Direita e muito menos a Direita tem o monopólio da sensatez.
Há uma espécie de sistema de crenças, de caráter absolutista, produzido pelos
poderes dominantes e reproduzido pelos formadores de opinião dos grandes meios
da Comunicação Social, que nos tenta impingir uma dicotomia que coloca a
Direita do lado certo da interpretação do interesse nacional e defensora do
rigor orçamental, atribuindo à Esquerda comportamentos de aventureirismo
económico e de despesismo irresponsável.
As
práticas e o debate político que estamos a viver no país põem a nu esta falsa
dicotomia: vem ao de cima, de forma clara, que os traços marcantes que
distinguem a Esquerda da Direita se situam, acima de tudo, no campo da justiça
social, nos valores e princípios que colocam os cidadãos no centro das soluções
políticas.
Cavaco
Silva fez, nos últimos meses, teorizações sobre as instabilidades políticas e a
importância de governos com apoio maioritário na Assembleia da República (AR).
Mas os resultados das eleições de 4 de outubro não lhe agradaram e a sua
sensatez de imediato se esfumou, passando ele próprio a produtor de medos e a
gerador da incerteza quanto a quem vai governar. Arvora-se em exclusivo
intérprete do "superior interesse nacional", situando-o na subjugação
a poderes externos e aos mercados e na quase total ausência dos direitos,
interesses e responsabilidades dos portugueses. Porquê o presidente da
República se refugia em procedimentos que a Constituição da República lhe
permite adotar, apenas para impor o seu Governo, quando sabe que a maioria da
AR o derrotará? Quanto vai custar ao país esta falta de sensatez?
No
dia em que deu posse ao Governo fantasma e aparelhístico de Passos Coelho,
Cavaco Silva insistiu em credibilizar os cenários cor-de-rosa dos êxitos da
austeridade e do empobrecimento. É significativo que nesse mesmo dia o
presidente da CMVM tenha vindo a público denunciar a "falta de ética
existente na banca e nos negócios" e o Ministério Público tenha denunciado
e acusado um agiota (académico de Harvard) que em 2010, denegrindo a dívida
púbica portuguesa e especulando a partir daí, obteve 819 mil euros de
mais-valias. Passaram quase cinco anos a subjugar o povo e a culpabilizá-lo
pelos problemas do país, ao mesmo tempo que fecharam os olhos aos roubos,
passados e presentes, e ao crescendo das desigualdades e injustiças.
O
país está carente de justiça social. A convergência de esforços das forças de
Esquerda pode e deve responder positivamente a esse desafio. Os compromissos
para o atingirem têm de ter um grande equilíbrio entre o social e o económico,
o que implica a necessidade de serem desenhadas e implementadas em simultâneo,
as políticas nestes dois campos.
Sem
dúvida, é preciso atenção ao equilíbrio orçamental, mas grande parte das
medidas mais prementes, por exemplo na área do trabalho - garantia de salários
dignos, atualização do SMN, reposição de direitos fundamentais e combate à
precariedade -, podem ser adotadas sem provocar desequilíbrios orçamentais e
até podem ter efeitos muito positivos na economia e logo, por consequência, nas
receitas do Estado.
A
reposição dos cortes em pensões de reforma, nos salários e em direitos dos
trabalhadores da Administração Pública, bem como em algumas condições de acesso
à Saúde ou à Justiça, têm, com certeza, impacto no Orçamento. Isso obriga a
trabalhar equilíbrios entre a viabilidade orçamental, a justiça social e a
dinamização da economia. É isto que as forças de Esquerda serão capazes de
fazer e a Direita jamais faria, porque a centralidade das suas preocupações é o
lucro em benefício de quem já detém a riqueza, transformando todos os direitos
sociais fundamentais e até a pobreza em áreas de negócios.
O
país precisa de crescimento económico, mas também de desenvolvimento humano.
Exige-se rigor na obtenção das receitas e na gestão das despesas, mas é
indispensável uma ação política de exigência social, moral e ética quanto à
distribuição da riqueza.
No
atual contexto ser revolucionário exige muita moderação, mas é preciso ser
ofensivo, sem tréguas.
*Investigador
e professor universitário
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