sábado, 22 de agosto de 2015

CUBA ENCARA O SEU MAIOR DESAFIO




Em três anos, Raul Castro deixará o poder. Qual o futuro da ilha, em meio a promessa de mudança constitucional, reformas econômicas e reatamento com EUA? 

Reportagem de Janette Habel, do Le Monde Diplomatique - Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho - Imagem: Levi Maaia

Em 2018 Raul Castro, que terá 87 anos, não vai assumir novo mandato presidencial. Em três anos, portanto, a geração de Sierra Maestra terá deixado o poder. Três anos é pouco para reformar a economia, adotar uma nova Constituição e dirigir a normalização das relações com Washington, apresentada no encontro dos presidentes de Cuba e dos EUA na Cúpula das Américas, em abril. O regime sobreviverá ao desaparecimento de sua direção histórica?

O Partido Comunista Cubano (PCC) já designou um sucessor: o premiê vice-presidente Miguel Díaz-Canel. Mas os desafios permanecem. Para enfrentá-los, Castro conta com as Forças Armadas Revolucionárias (FAR), o exército nacional, que chefiou por meio século; o PCC e a Igreja Católica, que está no centro das negociações com Washington (1). Num cenário em que as reformas econômicas aprofundaram as desigualdades, (2) a incerteza sobre o futuro do país é generalizada. O PCC tenta responder com o lançamento de consultas públicas no período anterior a seus congressos. Raul Castro afirmou que isso ocorreria novamente no sétimo, previsto para Abril de 2016. Mas o debate já começou entre os intelectuais, membros e não-membros do partido, especialmente na web — apesar do acesso limitado à Internet.

Castro tem procurado “atualizar” o socialismo cubano — um eufemismo para designar a liberalização econômica implementada desde 2011. Embora desarticulem a sociedade que Fidel um dia procurou construir, estas reformas não foram contestadas pelo antigo presidente. “O modelo cubano já não funcionava, mesmo para nós”, admitiu ele (The Atlantic, setembro de 2010). A situação econômica deixou pouca escolha. A ajuda da Venezuela permitiu à ilha alcançar uma taxa de crescimento média de 10% entre 2005 e 2007, mas isso mudou com a crise financeira e as dificuldades do parceiro bolivariano. “Em 2013, o comércio entre Cuba e Venezuela diminuiu em 1 bilhão de dólares; ele poderá cair ainda mais em 2014″, advertiu em outubro passado o economista cubano Omar Everleny Pérez Villanueva (3). De acordo com algumas estimativas, esta redução seria de 20% em relação ao ano anterior.

Quem ganha e quem perde com mudanças

O governo adotou, em março de 2014, uma nova lei sobre os investimentos estrangeiros, apresentada por Raúl Castro como “crucial”. À exceção da Saúde, Educação e Defesa, todos os setores são doravante abertos ao capital estrangeiros, com a garantia de isenção de impostos durante oito anos, ou até mais, em alguns casos, especialmente em “zonas especiais de desenvolvimento econômico”, como o porto de Mariel (4), construído com a ajuda do Brasil.

No entanto, os projetos propostos devem receber o aval dos organismos governamentais: “Não é o capital que define o investimento (5)”, sublinha Déborah Rivas Saavedra, diretora de investimento estrangeiro no ministério do Comércio Exterior. A contratação de trabalhadores está sob o controle de agências estatais. O economista Jesús Cervera Arboleya observa: “Os emigrados cubanos já são investidores indiretos nas pequenas empresas (através do dinheiro que enviam para suas famílias); sua participação em escala maior não é proibida por lei, mas pelo embargo (6).”

Entretando, para alguns, a transformação da ilha avança ainda muito lentamente: “Não se pode ‘atualizar’ alguma coisa que nunca andou, inquieta-se Pérez Villanueva. Não há crescimento. Este ano, se Deus nos ajudar, vamos chegar talvez a 1% (7). “A essa preocupação econômica, a jovem socióloga Ailynn Torres responde com uma pergunta política: “O que vamos fazer com o modelo econômico que está sendo proposto? Quem são os vencedores e os perdedores desse modelo (8)? ”

A crer no discurso oficial, salpicar uma dose de mercado na economia da ilha deveria melhorar seu desempenho, sem enfraquecer a justiça social. Ou a pobreza afeta hoje 20% da população urbana (contra 6,6% em 1986). A supressão da caderneta de racionamento, a libreta, foi anunciada e em seguida adiada, porque afetaria os mais pobres. Em uma sociedade onde a igualdade é um marcador de identidade, os beneficiários e as vítimas das reformas aparecem cada vez mais claramente.

Entre as vítimas, segundo o próprio Raúl Castro, incluem-se “os assalariados do Estado remunerados em pesos, pois o salário não é suficiente para viver”, as pessoas idosas – ou 1,7 milhão de cidadãos e cidadãs – “cujas aposentadorias são inadequadas em relação ao custo de vida (9)”, mas também as mães solteiras, pessoas negras – que não se beneficiam, ou se beneficiam pouco, das contribuições financeiras de cubano-americanos – e os habitantes das províncias orientais (10).

Entre os ganhadores figuram os empregados das empresas mistas, os assalariados do turismo, os produtores do setor agrícola privado, uma parte dos trabalhadores autônomos (“cuentapropistas”), em suma, toda uma população com acesso a uma moeda forte: o CUC (convertible unit currency ou unidade monetária conversível).

Desde 2004, essa segunda moeda veio juntar-se ao peso cubano; um CUC equivale a 24 pesos tradicionais. O CUC visava a substituir o dólar, autorizado em 1993. Duas economias funcionam, portanto, lado a lado: a do peso e a do CUC, usado pelos turistas e todos os cubanos que trabalham em contato com eles.

Raul Castro conta com a lealdade das FAR para conciliar liberalização econômica e manutenção de um sistema político de partido único. Depois da grande crise dos anos 1990 (11), a hierarquia militar assumiu a gestão de setores essenciais da economia graças ao Grupo de Administração Empresarial SA (Gaesa), uma holding de empresas controladas por ela. Foi no interior da Gaesa que se experimentou o “aperfeiçoamento das empresas”, emprestado das técnicas gerenciais ocidentais para aumentar a produtividade. O prestígio das FAR persiste entre a população, mas elas gozam de privilégios que suscitam críticas, Bão é raro ouvir: “Eles não têm problemas em encontrar habitação” – referindo-se ao moderno complexo imobiliário reservado aos militares e suas famílias em Havana.

Já o PCC perdeu influência, mas sua gestão tem sido rejuvenescida, feminilizada e mestiçada. Para o economista Pedro Monreal Gonzalez, o partido mantém a sua credibilidade, e “o Estado ainda goza de apoio popular por causa de sua capacidade de fornecer bens públicos considerados essenciais por muitos cubanos.”

Em fevereiro de 2015, o PCC anunciou que uma nova lei eleitoral entraria em vigor antes do final do mandato de Raul Castro. Esse anúncio seguiu-se a outro, de fevereiro de 2013, que criou uma comissão sobre a reforma constitucional. Como renovar a liderança pela promoção de quadros que não têm a legitimidade dos antigos, na ausência de debate público que permita escolher entre candidatos portadores de diferentes propostas? O modo atual de designação, que em última análise requer a aprovação do PCC, parece pouco viável a longo prazo.

Espacio Laical, a revista publicada pelo Arcebispado de Havana (sem status oficial), tem sido o espaço privilegiado do debate político. Por uma década, ela tem organizado colóquios e publicado artigos sobre a reforma constitucional, o papel do PCC, à refundação dos órgãos de poder popular (OPP). Os responsáveis pela Espacio Laical, os católicos leigos Roberto Veiga e Lenier González, enfatizaram o “contraste entre o pluralismo da sociedade e a falta de espaços permeáveis para esse pluralismo se expressar (12).” Mas, em junho de 2014, eles dois tornaram pública sua renúncia forçada em seguida a críticas “muito graves” contra si e contra o Cardeal Jaime Lucas Ortega y Alamino (13). Obviamente, o arcebispo desejava ver na revista uma abordagem mais “pastoral”, ou seja, menos política. Quatro meses depois, o Centro Cristão de Reflexão e Diálogo de Cuba (14) resolveu patrocinar um projeto semelhante na revista Cuba Posible, que incluiu Veiga e González como coordenadores. O primeiro número dava conta de um simpósio consagrado à soberania do país e o futuro de suas instituições.

O artigo V da Constituição atual é objeto de críticas. O PCC é definido como “martiano (de José Martí, inspirador da independência cubana), marxista-leninista, vanguarda organizada da nação cubana” e como “a força dirigente suprema da sociedade e do Estado”. Uma definição contestada pela Igreja, mas também por pesquisadores. “A ideia de um partido de vanguarda é equivocada quando ele se torna um partido do poder”, diz o sociólogo Aurelio Alonso. Porém, a construção de um “Estado inclusivo, que possa admitir o pluralismo político e ideológico” constitui uma tarefa urgente. Pluralismo ou pluripartidarismo? Para Veiga, “a possibilidade de autorizar a existência de outras forças políticas enraizadas nos fundamentos da nação” deve ser considerada, ainda que ele não considere isso realista a curto prazo (15). Hoje, ninguém sabe se a reforma eleitoral anunciada permitirá a eleição de deputados próximos da Igreja ou outras figuras independentes.

O debate trata também das formas de eleição do presidente, cujo número de mandatos está agora limitado a dois de cinco anos. Para alguns, a votação deve ser realizada por sufrágio universal direto, para dar legitimidade ao novo representante. O cientista político Julio Cesar Guanche ressalta a refundação do “poder popular”, oficialmente corporificado pelas assembleias municipais, provinciais e nacional (16). É preciso construir uma “cidadania democrática e socialista”, observa sobre isso o sociólogo Ovidio D’Angelo Hernandez. Mas as “organizações de massa” são muito “subordinadas ao PCC” para que se tornem a expressão. De tal forma que “o discurso oficial mina a base sobre a qual repousa a sua própria legitimidade histórica”, observa Guanche, que afirma: “O questionamento do ‘igualitarismo’ abre o caminho para um questionamento do ideal mais poderoso do socialismo: a igualdade. Trata-se de uma crítica quase explícita dos discursos de Castro, que denunciou, no Congresso da Confederação de Trabalhadores de Cuba (CTC), o “paternalismo, o igualitarismo, as gratuidades excessivas e subsídios indevidos, a velha mentalidade forjada ao longo anos.”

Uma corrida lenta

Essa “velha mentalidade” não poupa o PCC, onde continuam a reinar o hábito da unanimidade e as investidas da censura. Tais práticas suscitam contestação. Pela primeira vez, viu-se a mão de uma deputada se levantar na Assembleia Nacional para votar contra o novo código do trabalho: a de Mariela Castro, filha de Raul, em sinal de protesto contra a recusa de incluir no texto a proibição de discriminações sexuais. Da mesma forma, a desprogramação do filme do cineasta francês Laurent Cantet Retorno a Ítaca (2014), que ilustra o desencanto cubano, provocou protestos de alguns dos seus colegas.

Neste contexto, a restauração de relações diplomáticas com os Estados Unidos parece ser ao mesmo tempo necessária e perigosa. O governo cubano estima que o objetivo de Washington continua a ser a derrubar o regime. Por enquanto, este ganhou o primeiro turno, ao não fazer nenhuma concessão; mas é tempo para um otimismo mais temperado. “O risco é que eles tomem tudo, como fazem em todos os lugares. O que permanecerá para os cubanos?”, questiona um aposentado. “Eles acabam de comprar um dos nossos jogadores de beisebol por 63 milhões dólares”, acrescenta outro. “Muitas pessoas não sabem realmente o que será do futuro”, diz o sociólogo Rafael Acosta. O que vai acontecer depois do fim do embargo? Como controlar o afluxo de turistas e de dólares? Entre os pontos de discórdia estão milhares de propriedades nacionalizadas durante a revolução. O governo não pretende compensar os proprietários que deixaram o país. Ele vai colocar na balança o custo (estimado em 100 bilhões de dólares) de um embargo de meio século e a restituição da base de Guantánamo.

A revogação completa do embargo necessita do acordo do Congresso norte-americano, no qual republicanos e democratas estão divididos. Em 14 de abril, Obama enfim retirou Cuba da lista dos Estados “apoiadores do terrorismo”. Seguiu-se o restabelecimento das relações diplomáticas e virá em breve a nomeação de dois embaixadores. O processo de normalização promete ser longo. Havana usará essa lentidão para evitar a desestabilização do país e cultivar suas relações com a América Latina, a China e a União Europeia.

Na ausência de um líder histórico que encarne a luta contra o “Império”, pode tornar-se mais difícil, no futuro, unir e mobilizar a população cubana.

Notas
(1) Ler “Cuba, le parti et la foi”,  Le Monde Diplomatique, junho 2012.
(2) O coeficiente de Gini, que permite medir as desigualdades [escala de 0 a 1, e quanto mais próximo de 1, mais desigual], era de 0,24 em 1986, de 0,38 em 2002 e de 0,40 em 2013.
(3) Atas do colóquio «Cuba: soberanía y futuro», Cuba Posible, n°1, Havana, outubro 2014.
(4) Maior terminal de contêineres do Caribe, está perto de uma passagem estratégica para os navios que utilizam o Canal do Panamá.
(5) Granma, Havana, 17 de abril de 2014.
(6) Jesús Arboleya Cervera, «Integracíon y soberanía», Cuba Posible, 20 de janeiro de 2015.
(7) Cuba Posible, n°1, op. Cit.
(8) Ibid.
(9) Discurso no XX congresso da Central dos trabalhadores cubanos (CTC), 22 fevereiro 2014.
(10) Mayra Espina, «Desigualdad social y retos para una nueva institucionalidad democrática en la Cuba actual» (PDF), Espacio Laical, n°2, Havana, 2014.
(11) Entre 1991 e 1994, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 35%.
(12) «Cuba y Estados Unidos: Los dilemas del cambio», Cuba Posible, no. 2, fevereiro de 2015.
(13) Ibid.
(14) Le CCRD-C se define como uma “instituição religiosa da sociedade civil”.
(15) Cuba Posible, n° 2, op. Cit.
(16) Cuba Posible, n° 1, op. Cit. Idem para as citações seguintes.

Álvaro Sobrinho nega “categoricamente” investimento na SAD do Sporting




“Ao contrário do que publicitou a CMVM, nunca houve entrada de dinheiro da Holdimo ou de mim próprio na compra de acções da SAD do Sporting", afirma o empresário angolano.

O empresário Álvaro Sobrinho, ex-presidente não executivo do BES Angola, negou neste sábado “peremtória e categoricamente” que tenha feito “qualquer investimento direto” na SAD do Sporting, de que é o principal acionista individual. Em comunicado, Álvaro Sobrinho acusa ainda a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) de evidenciar uma “atitude de parcialidade reiterada” contra si.

“É peremtória e categoricamente falso que eu, Álvaro Sobrinho, ou a Holdimo, da qual sou acionista, na qualidade de acionista da Holdimo, tenhamos feito qualquer investimento directo na SAD do Sporting”, escreve o empresário, reagindo a “notícias publicadas nas últimas 24 horas” sobre a existência de “uma eventual investigação da CMVM” a alegados investimentos na SAD dos “leões”.

“Ao contrário do que publicitou a CMVM, nunca houve entrada de dinheiro da Holdimo ou de mim próprio na compra de acções da SAD do Sporting. A CMVM sabe que foi o Sporting Clube de Portugal que propôs a entrada da Holdimo no capital social da SAD, numa operação que na altura a Entidade Reguladora aprovou sem qualquer reserva”, refere ainda.

No comunicado, o empresário sustenta que há por parte do regulador “uma atitude de parcialidade reiterada” em relação a si, apontando a circunstância de já no passado o regulador ter questionado erradamente a regularidade da sua participação noutros negócios.

“Ora, a mesma exigência nunca foi feita pela CMVM em relação, por exemplo, a outros grupos de comunicação social em que coexistem participações qualificadas de fundos de quem não se conhece rosto”, observou.

A CMVM esclareceu na sexta-feira que “estão em curso e serão realizadas as diligências necessárias” relativamente a operações financeiras no âmbito de “sociedades anónimas desportivas”, nomeadamente envolvendo Álvaro Sobrinho, principal acionista individual da Sporting SAD.

O esclarecimento foi prestado pelo gabinete da instituição presidida por Carlos Tavares, em resposta a uma pergunta do deputado do PSD Duarte Marques sobre se “os movimentos financeiros e investimentos feitos” pelo ex-presidente não executivo do BESA “mereceram da parte da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) algum rastreio no que diz respeito à origem desses capitais”.

“No âmbito das atribuições da CMVM e em articulação, designadamente, com o Banco de Portugal, estão em curso e serão realizadas as diligências reputadas necessárias e adequadas ao apuramento da origem e ao acompanhamento das operações financeiras referenciadas nas perguntas feitas pelo senhor deputado”, pode ler-se na resposta.

Nos esclarecimentos, a CMVM especifica que do âmbito das suas competências “não se excluem as operações financeiras e investimentos realizados em Portugal pelo Dr. Álvaro Sobrinho ou por empresas detidas ou geridas pelo referido ex-Presidente do BESA, sempre que se venha a revelar pertinente a aferição da origem, condições de obtenção e movimentos de capital”.

“Sobretudo quando tais tenham por fonte ou se destinem a financiar o recurso ou investimento em mercado de capitais. Neste contexto, a CMVM acompanha também a atividade das sociedades abertas, incluindo as que assumem a forma de sociedades anónimas desportivas (as ‘SAD’), com o especial propósito de salvaguardar que atuam em conformidade com as regras previstas no Código dos Valores Mobiliários (“Cód. VM”) e com a legislação conexa aplicável”, informam ainda, sem nunca referir a Sporting SAD.

Após a divulgação da contratação do treinador Jorge Jesus pelo Sporting, no início de junho, Álvaro Sobrinho, o maior acionista individual da SAD ‘leonina’ foi apontado pela imprensa como estando envolvido no financiamento da operação.

No final de junho, em esclarecimento prestado à eurodeputada socialista Ana Gomes, a CMVM já tinha confirmado estar a “apurar o cumprimento dos deveres de diligência” por parte da Sporting SAD relativamente ao apuramento da origem do financiamento do clube para a época 2015/2016.

A carta assinada pelo presidente da CMVM, Carlos Tavares esclarece que a Sporting SAD encontra-se “sujeita à supervisão da CMVM, designadamente no que diz respeito ao cumprimento dos deveres de prestação de contas, participações qualificadas e informação privilegiada”.

Lusa em Observador

Guiné-Bissau. QUANTO CUSTA UM GOLPE DE ESTADO?



LUÍS VILLALOBOS - Público

FMI estima que a Guiné-Bissau podia ter um PIB per capita superior em 66% se não tivesse havido instabilidade política desde 2000.

A Guiné-Bissau é “um dos países mais frágeis do mundo”, e um dos “mais instáveis em termos políticos”. A análise foi feita recentemente pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que sustenta com números o impacto dessas duas realidades: nos últimos vinte anos, a média do crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 2,3% por ano, o que conduziu o PIB per capita para um nível mais baixo do que estava há duas décadas. O país, o primeiro das antigas colónias portuguesas a marcar a sua independência, sofreu apenas uma guerra civil que durou dois anos (de 1998 a 1999), mas tem sido assolado por diversos golpes.

Entre ameaças, tentativas, e concretizações, registam-se 18 ocorrências, das quais quatro conduziram mesmo a verdadeiros golpes de Estado, o último dos quais em 2012.

Com diferentes escalas, todos estes centros de instabilidade política tiveram repercussões no tecido social e económico da Guiné-Bissau, onde cerca de 60% da população sobrevive abaixo dos limites mínimos da pobreza, e a esperança média de vida é de 54 anos (inferior à dos países da África subsariana e dos países de baixo rendimento).

Num documento datado de Julho no qual analisa os custos da instabilidade politica neste país, o FMI destaca que, tal como as guerras civis, os golpes de Estado provocam bloqueios ao crescimento. A diferença é que, ao contrário das guerras civis, “os seus verdadeiros custos não são evidentes para a maioria da população”, o que torna mais difícil uma resposta adequada.

A partir do momento em que ocorre um golpe de Estado, atesta o FMI, e até que se volte à normalização democrática, a corrupção e a procura por fontes de dinheiro disparam, interesses obscuros instalam-se, e a fragilidade das instituições acentua-se. “Um governo de transição bem-sucedido é o que dura pouco tempo, mas a agenda por detrás de um golpe é sempre ficar no poder”, sublinha o FMI, notando que o último ficou mais de dois anos a dominar a Guiné-Bissau. Nesse período, a economia “afundou-se lentamente”, com o Estado a não conseguir providenciar serviços públicos básicos, como o acesso a electricidade.

Na análise que fez ao país, o FMI tentou calcular os impactos económicos da instabilidade politica na Guiné-Bissau. As contas não são fáceis, já que é complicado perceber a factura do desperdício de recursos provocado pela corrupção, pelo desvio de dinheiro ou simplesmente pela má governação, mas há outros dados, como a perda de receitas e os cortes nos apoios dos países doadores.
Tomando como base a média do crescimento dos países de baixo rendimento, o FMI estima que, sem a instabilidade política que marcou o país entre 2000 e 2013 (logo, sem contar com os efeitos da guerra civil), o PIB per capita da Guiné-Bissau teria crescido a um ritmo de 3,3% ao ano, em vez da queda de 0,3% que efectivamente se registou. Assim, diz o FMI, o PIB per capita real podia ser agora, pelo menos, dois terços superior.

Em Julho, antes de José Mário Vaz demitir Domingos Simões Pereira, o FMI levantou a seguinte questão: “A Guiné-Bissau encontra-se, novamente, num momento decisivo: vai conseguir, desta vez, quebrar com o seu passado de instabilidade?”.

Até esse momento, os sinais pareciam animadores, e o FMI começara um ciclo de novos empréstimos, com o Governo de Simões Pereira a responder com a promessa de mais iniciativas para promover o crescimento do país, de forma inclusiva.

Na foto: A pior recessão do país, assolado por golpes de Estado, ocorreu na sequência da guerra civil de 1998. REUTERS/LUC GNAGO

Guiné-Bissau tem um novo primeiro-ministro e a instabilidade do costume



ALEXANDRE MARTINS - Público

Presidente da Guiné-Bissau deu posse a Baciro Djá como chefe de Governo, numa tentativa de solução rápida para uma crise que ninguém sabe como vai acabar. Militares continuam à margem.

Quando a Guiné-Bissau parecia ter finalmente encontrado o caminho da estabilidade política, virando as costas a décadas de golpes de Estado e ameaças várias, o fantasma da instabilidade voltou a pairar sobre o país na última semana. Depois de ter demitido o primeiro-ministro Domingos Simões Pereira, o Presidente da República, José Mário Vaz, deu posse nesta sexta-feira a um novo chefe de governo, no que aparenta ser uma rápida solução para uma crise política; na verdade, é apenas o início de algo que ninguém sabe como vai acabar.

A decisão do Presidente, anunciada a 12 de Agosto, criou uma situação peculiar na Guiné-Bissau: o chefe de Estado, o primeiro-ministro demitido e o recém-empossado chefe de governo, Baciro Djá, são todos do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que está em maioria no Parlamento, mas a queda do executivo até agora liderado por Domingos Simões Pereira é condenada pela generalidade do partido — um dos membros do comité central, Fernando Saldanha, disse à agência AFP que está em curso um “golpe de Estado constitucional” e que “nem o partido, nem o povo da Guiné-Bissau aceitarão a nomeação de Baciro Djá”.

Mas o facto é que Baciro Djá assumiu oficialmente a função de primeiro-ministro nesta sexta-feira, numa cerimónia em que o Presidente da República afirmou que “foram cumpridas todas as formalidades constitucionalmente prescritas”, numa resposta aos que o acusam de ter passado por cima da Constituição. José Mário Vaz disse que a sua decisão foi tomada após “a análise dos resultados eleitorais, bem como a audição das forças políticas representadas na Assembleia Nacional Popular”.

No discurso proferido na cerimónia de tomada de posse, o Presidente guineense confirmou a incompatibilidade com o anterior primeiro-ministro, pouco mais de um ano depois de ambos terem chegado ao poder nas primeiras eleições após o golpe militar de Abril de 2012, que derrubou o governo de Carlos Gomes Júnior.

“Quando há pouco mais de um ano dei posse ao primeiro-ministro do governo anterior, não contava que a evolução dos acontecimentos nos obrigaria a nomear, hoje, um novo chefe de Governo. Mas a dinâmica da condução dos assuntos do Estado impõe a tomada de decisões, nem sempre agradáveis, em nome dos mais sagrados interesses e aspirações legítimos do nosso povo”, disse José Mário Vaz, numa declaração que é também um reconhecimento do desagrado com que a sua decisão foi recebida em vários sectores da sociedade guineense.

Mensagem para fora

Para o Presidente, o afastamento de Domingos Simões Pereira não constitui nenhum problema constitucional, já que o novo primeiro-ministro pertence ao PAIGC, partido que venceu as legislativas no ano passado. Na cerimónia de tomada de posse, José Mário Vaz fez também uma referência indirecta ao que o separava do rumo político do anterior governo, sublinhando que Baciro Djá foi director nacional da campanha eleitoral do PAIGC: “Portanto, o dr. Baciro Djá, que percorreu o país de lés-a-lés durante essa campanha, é um conhecedor profundo das promessas eleitorais do partido e do seu então candidato presidencial.”

O novo primeiro-ministro prometeu promover “um diálogo franco, honesto e sincero para busca de soluções, concertadas e duradouras, para a Guiné-Bissau, quer para ultrapassar a crise em curso, assim como para a governação do país”.

José Mário Vaz e Baciro Djá deixaram também uma mensagem para fora do país, em particular para os Estados que prometeram ajudar a Guiné-Bissau com cerca de mil milhões de euros numa conferência internacional de doadores que decorreu há apenas cinco meses, em Bruxelas — Portugal foi um dos participantes e comprometeu-se com um programa de cooperação no valor de 40 milhões de euros.

Os agradecimentos à comunidade internacional por “todo o apoio que tem prestado ao país” tem como objectivo assegurar o resto do mundo que a Guiné-Bissau não corre o risco de resvalar novamente para um período de grave convulsão política, mas a realidade tem-se encarregado de pôr reticências às garantias do Presidente e do novo primeiro-ministro.

Em declarações ao PÚBLICO, o antigo Presidente de Timor Leste e ex-representante das Nações Unidas na Guiné-Bissau, José Ramos-Horta, disse que o país “resvala por um trilho perigoso”, e que a responsabilidade é de José Mário Vaz. “Tem que haver preços a serem pagos: a comunidade internacional não pode encarar esta situação de ânimo leve e dar seu aval, isto é, reconhecimento de facto, a um governo saído de uma arbitrariedade do Presidente da República”, disse Ramos-Horta.

Num depoimento enviado ao PÚBLICO por email, António Soares Lopes, perito do Programa de Apoio aos Actores Não Estatais, diz que está em curso um “golpe palaciano”, sendo evidente “a deriva em que entrou este país, que muitos acreditavam ter reencontrado o rumo certo, o caminho da recuperação económica e da concórdia nacional”.

“Adivinham-se dias difíceis. Fazendo uma leitura das posições manifestadas pela sociedade civil, sindicatos, partidos políticos, Assembleia Nacional Popular, pode-se concluir que se caminha a passos largos para uma desobediência civil e a consequente paralisação do país”, considera António Soares Lopes.

Discordância geral

Também o jornalista Sabino Santos, chefe de redacção do jornal Última Hora, diz que se percebe “de imediato que mais de 90% de guineenses são contra a posição do Presidente da República”. “Dos cerca de 40 partidos políticos existentes, apenas um, o Centro Democrático, de Impossa Ié, admitiu que o Presidente da República acertou. De resto, todas as movimentações estão a ser feitas com vista a alterar essa decisão”, disse ao PÚBLICO o jornalista, referindo-se em particular a uma acção judicial promovida por uma aliança liderada pelo ex-director da Liga Guineense dos Direitos Humanos, Luís Vaz Martins.

“O sentimento existente é que José Mário Vaz abusou dos poderes e tirou Domingos Simões Pereira. A aliança, para além de pretender fazer o Presidente da República recuar na decisão, prometeu lutar até que este seja destituído do poder, porque é uma ameaça à paz”, afirma Sabino Soares.

“O que mais joga contra o Presidente da República nessa nomeação é que, há dois meses, o demitido primeiro-ministro denunciou que Baciro Djá, enquanto ministro da Presidência do Conselho de Ministros, era a figura que armava intrigas entre o primeiro-ministro e o Presidente da República. Foi por isso que os militantes do partido o criticaram fortemente na reunião do comité central. Em virtude dessas críticas, apresentou o seu pedido de demissão a Domingos Simões Pereira alegando o relacionamento insanável entre eles. O PAIGC, por sua vez, suspendeu-o das funções de terceiro vice-presidente, e o facto de ter sido nomeado pelo Presidente da República sem que a suspensão fosse levantada também pesa, não obstante ele ter recorrido da suspensão”, explicou ao PÚBLICO o chefe de redacção do Última Hora.

Para o professor Fodé Abulai Mané, da Faculdade de Direito de Bissau, a actual crise política deve-se à “pretensão do Presidente da República de instaurar um regímen presidencialista”, mas considera que o risco de um novo golpe militar é reduzido. Com “o distanciamento das forças militares do conflito e a concentração da maioria esmagadora da população no lado contra [o Presidente], o risco de conflito violento, pelo menos neste momento, é reduzido. Mas existe alguma potencialidade de haver alguns conflitos, porque o próprio primeiro-ministro nomeado é conhecido pela utilização de argumentos tribais e religiosos nas suas acções políticas”, acusa o especialista num email enviado ao PÚBLICO.

Por agora, a principal dor de cabeça é perceber como vão as instituições, a sociedade civil e a comunidade internacional reagir a um novo governo que terá “poucas chances de chegar ao fim do seu mandato e seria, por isso, necessariamente transitório”, disse ao PÚBLICO o sociólogo e investigador Miguel de Barros, numa referência à falta de apoio tanto no PAIGC como nos restantes partidos com assento parlamentar, que aprovaram duas moções de confiança ao anterior primeiro-ministro, e ambas por unanimidade. Com Joana Gorjão Henriques

Na foto: Baciro Djá foi ministro da Presidência do Conselho de Ministros. Demitiu-se por divergências com Domingos Simões Pereira, a quem acaba por suceder no cargo de primeiro-ministro AFP PHOTO / SIA KAMBOU

Simões Pereira: Mário Vaz tem “uma vontade desmedida de chamar a si todos os poderes”




Domingos Simões Pereira foi demitido do cargo de Primeiro-ministro da Guiné-Bissau sem que o Presidente da República lhe tenha explicado os reais motivos da decisão. Nesta entrevista ao Expresso das Ilhas, Simões Pereira diz que “aquilo que os media sabem é aquilo que eu sei” e acusa José Mário Vaz de ter “uma vontade desmedida de chamar a si todos os poderes”. Quanto às acusações de nepotismo e corrupção, responde: “muita da gente que faz essa acusação tem sobre si pendente um conjunto de acusações, algumas delas até com instrução judicial”.

Expresso das Ilhas – Que expectativas tem para o futuro próximo?

Domingos Simões Pereira - As expectativas mantêm-se inalteradas em relação àquelas que tínhamos no período pós-eleições. O PAIGC é o partido mais votado e é a quem incumbe nomear o governo. O Presidente demitiu o Governo mas tem de propor ao PAIGC, de acordo com as suas estruturas, a formação de um novo Governo.

Tem-se falado também no nome de Carlos Gomes Jr. como uma alternativa ao seu nome…

Estou a ouvir isso pela primeira vez. Não quero comentar.

O Dr. José Mário Vaz fez-lhe acusações de nepotismo e de corrupção. Como responde a essas acusações?

Não é por antecipação que nós conseguimos colar esse tipo de adjectivos às pessoas. O percurso das pessoas é aquilo que temos objectivamente de aproveitar. Eu sou servidor público há muito tempo, em várias instituições tanto de cariz nacional como internacional e até hoje tenho recebido uma avaliação sempre positiva e com alguns destaques até. No último ano, enquanto membro do governo, nós temos um programa com o FMI, esse programa tem merecido uma avaliação continua por parte do FMI, portanto não me parece que, mesmo para a opinião pública nacional, eu tenha necessidade de grandes argumentações para as pessoas perceberem que aquilo que se está a dizer não passa de uma manobra completamente frustrada de me tentar juntar a uma escumalha à qual eu não pertenço. Em contrapartida, muita da gente que faz essa acusação tem sobre si pendente um conjunto de acusações, algumas delas até com instrução judicial, e eu penso que deviam primar mais de assegurar à nação guineense alguma condição moral para o exercício da função que de facto desempenham.

Timor Leste já anunciou que ia cancelar toda a cooperação com a Guiné-Bissau. Acha que o cenário pode vir a complicar-se ainda mais?

Esperemos que não. Esperemos que o sentido de Estado e a responsabilidade de manter o clima de paz e prosperidade leve as pessoas a ponderarem qualquer actuação. O que nós esperamos é que o senhor Presidente da República, tendo chamado a si esse conjunto de responsabilidades, esteja à altura de cumprir aquelas que são as reais expectativas da população. Ele exerceu uma prerrogativa que lhe estava adstrita e agora tem de restituir ao PAIGC a possibilidade de formar governo e em que respeita aquilo que são as estruturas internas do partido. Se não o fizer, se violar esses princípios constitucionais, aí sim estará a criar, de facto, condições para alguma perturbação que nós não desejamos e que esperamos que não volte a acontecer neste país.

José Mário Vaz pode vir a ser expulso do partido?

José Mário Vaz esticou, de facto, a corda toda. Porque a última reunião do Bureau Político já tinha lançado o alerta no sentido de que se não respeita o partido que patrocinou a sua candidatura, é o mínimo que nós entendemos que se deve fazer. Retirar-lhe a confiança política e, ao fazê-lo, pôr em causa a condição que levou a que o partido o apoiasse. A partir daí tudo é possível.

Como se explica que, na Guiné-Bissau, os governos não cumpram os mandatos até ao fim? Como explicar toda esta instabilidade governativa?

Eu não quero explicar as situações antecedentes que não conheço e não acompanhei com o devido conhecimento de causa. Estou a acompanhar este que se resume a uma intenção inaceitável de partidarismo, de concentração de poderes, de não respeitar as regras do jogo. O espaço de intervenção do Presidente da República num regime semi-presidencial está bem definido, tal como está o do chefe do governo e outras instâncias. Mesmo podendo admitir algumas dificuldades de relacionamento pessoal, o respeito dessas regras e das leis deviam permitir que as instituições do país funcionassem. O senhor Presidente da República tem dado mostras de inconformismo daquilo que são os espaços reservados pela Constituição e entende como forma de contornar isso fazer uso de uma prerrogativa que não é. Invocar uma crise, como ele tenta fazer, não faz qualquer tipo de sentido. O país nunca apresentou os indicadores que neste momento atingiu, tem o apoio da comunidade internacional, o quadro é o mais favorável para as reformas que o país precisa. Portanto a única compreensão possível para este momento é, realmente, uma vontade desmedida de chamar a si todos os poderes.

Agora, ele próprio, ao fazê-lo, tem consciência da incoerência que está a cometer? Por isso adiciona outras acusações que não têm qualquer tipo de sentido, porque, como já disse, ninguém alguma vez me apontou o dedo e eu próprio quando tive a oportunidade de o questionar sobre se alguma das acusações que ele fazia era dirigida a mim, ele confirmou que não tinha nada contra mim mas que eram sobre alguns elementos do governo. Quando teve oportunidade de anunciar ao país as razões por que ia demitir o governo sentiu que era necessário ter mais um ingrediente. Acho que foi infeliz. Nós que servimos a estes níveis temos a obrigação de sermos coerentes e de dizer a verdade e, neste caso, o senhor Presidente da República faltou à verdade e o povo está consciente disso.

O decreto de exoneração é tudo menos esclarecedor. O Presidente da República chegou a apontar-lhe as verdadeiras razões para a demissão do Governo?

A mim não. Estive a acompanhar todo este processo pelos media, e aquilo que os media sabem é aquilo que eu sei. Não há mais nada.

José Mário Vaz nunca o chamou para lhe explicar o porquê desta decisão?

Não. Quando o Presidente da República começou a auscultação dos partidos políticos, eu, na condição de presidente do PAIGC, também fui convidado. O Presidente pediu que nós o ajudássemos a compreender e a ultrapassar a grave crise política em que o país estaria mergulhado. E a nossa resposta foi exactamente essa. Que a única entidade nacional que faz referência a uma crise é o Presidente da República. Portanto, sendo ele o conhecedor das razões da crise e dos factores causadores dessa crise ele teria de partilhar isso connosco antes de nós podermos acompanhá-lo nessa análise, algo que nunca fez.

Teme que a comunidade internacional possa agora retirar os apoios que tem concedido?

O povo guineense e o país não merecem isso. Penso que não é o que vai acontecer. A comunidade internacional tem acompanhado atentamente o evoluir da situação e todos acreditamos que, apesar de termos perdido algum tempo, o Presidente vai voltar à razão, vai devolver o poder legislativo ao PAIGC e vai-se comportar criando condições para que esses apoios possam fluir a favor da Guiné-Bissau.

Que esperanças para o futuro próximo?

Eu acredito no futuro. Eu sei que este não é o melhor momento, mas este é um obstáculo num percurso que está definido e ao qual o povo guineense aderiu. Vamos ser capazes de o ultrapassar e continuar esta caminhada para a paz, a estabilidade e para o desenvolvimento.

"A prerrogativa do Presidente derrubar o governo que não elegeu é uma afronta à República”

O jornalista guineense e autor do blogue Ditadura do Consenso, António Aly Silva, atribui à Assembleia Nacional da Guiné-Bissau grande parte da responsabilidade pela actual situação de instabilidade no país. À Rádio Morabeza, o activista assinalou que a Constituição da República deve ser mudada, tirando ao Presidente da República a capacidade de derrubar o governo.

A actual Constituição foi revista em 2006, mas para António Aly Silva precisa de ser novamente alterada. 

“Essa prerrogativa do Presidente derrubar o governo que não elegeu é uma afronta à República e à sua Constituição. Estamos em 2015 e nenhum deputado, quer antes, quer depois da morte do Nino Vieira, tentou mudar a Constituição. Se ela fosse mudada e tirada a prorrogativa ao Presidente, nada disso estaria a acontecer”, afirmou à Rádio Morabeza.

O jornalista considera que só o Parlamento deveria ter a competência de exonerar o governo.

Aly Silva afirma que, com a situação confusa que se vive no país, as pessoas ainda não têm noção do que vai acontecer a seguir. 

“Um país que estava previsto crescer cinco por cento este ano é derrubado por um Presidente da República. As consequências, ninguém sabe ainda”, desabafa.  

A destituição do governo surge na sequência das tensões e divergências entre os dois responsáveis políticos sobre a forma de governar a Guiné-Bissau.

Angola. REGIME NÃO PENSA NO PAÍS, PENSA APENAS E SÓ NO PODER




Ao mesmo tempo que alguns ditadores começam a cair, o mundo dito (nem sempre é verdade, mas…) democrático começa a gerar outros e a aguentar alguns que ainda não passaram de bestiais a bestas.

Orlando Castro – Folha 8, em Mukandas

No caso de Angola, José Eduardo dos Santos (no poder há 36 anos sem nunca ter sido eleito) ainda integra o barómetro internacional dos ditadores bons. Não é que ele se preocupe muito com isso. A fase do mata primeiro e pergunta depois mostra a sua dupla convicção. Por um lado a de que é eterno, por outro a de que a impunidade lhe foi atribuída por decreto divino.

O governo do MPLA, no poder deste 1975, não tem tido vontade, embora tenha os meios, para resolver os problemas de água, luz, lixo, saúde, trabalho e educação dos angolanos. A juventude não tem casa, não tem educação, não tem emprego e não tem futuro. Os trabalhadores têm salários em atraso e não conseguem obter crédito bancário.

E quando algum jornal resolve dizer estas e outras verdades entra imediatamente na linha de fogo do regime. O Folha 8 está nessa linha há muito, muito tempo.

Estes são, contudo, problemas internos que não alteram a posição de José Eduardo dos Santos no ranking dos ditadores amigos do Ocidente que, hoje como ontem (amanhã se vera), lhe dá cobertura total a troco do petróleo, por exemplo.

E não alteram o ranking porque coisas tão banais como casa, saúde, educação, comida, não são preocupações essenciais para os que vêm a Angola sacar as únicas coisas que lhes interessan e que são regra de ouro para uma boa qualificação entre os ditadores bestiais: as nossas riquezas.

Estar 36 anos no poder, com o poder absoluto que tem nas mãos (é além de presidente da República também líder do MPLA e chefe do Governo), faz de José Eduardo dos Santos um dos ditadores ou, na melhor das hipóteses, um presidente autocrático, há mais tempo em exercício.

O facto de não ser caso único, nomeadamente em África, em nada abona a seu favor. Sabe todo o mundo, mas sobretudo e mais uma vez África, que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. É o caso em Angola. Mas ninguém se preocupa com isso. Por enquanto, é óbvio.

Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. Em qualquer estado de direito democrático tal não seria possível.

Aliás, e Angola não foge infelizmente à regra, África é um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de democracia está-se a caminhar para a ditadura.

Com Eduardo dos Santos passa-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao actual presidente perpetuar-se no poder, tal como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.

É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão.

Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e União Europeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de grande estadista. Rótulo que não corresponde ao produto. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico.

É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial e corrupto do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.

É, como acontece com José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.

Bem visível na caso angolano é o facto de, como em qualquer outra ditadura, quanto mais se tem mais se quer ter, seja no país ou noutro qualquer sítio. Por muito pequeno que seja o ditador, o que não é o caso de José Eduardo dos Santos, a História mostra-nos que tem sempre apreciável fortuna espalhada pelo mundo, seja em bens imobiliários (como era tradição) ou mais modernamente nos paraísos fiscais.

A partir do momento em que deixou de ter Jonas Savimbi como bode expiatório para tudo, Eduardo dos Santos arranjou outros alvos. Um deles foi a Imprensa que, apesar das dificuldades, ainda vai dizendo algumas verdades. Daí a razão pela qual, mais uma vez, os donos do país querem calar o Folha 8.

Desde 2002, o presidente vitalício (ao que parece) de Angola tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente quase todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.

Não creio que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, José Eduardo dos Santos tenha as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhum ditador com 36 anos de permanência seguida no poder, tem as mãos limpas.

Mas essa também não é uma preocupação. Quando se tem milhões, pouco importa como estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplantar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos.

Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas como os jornalistas do Folha 8, que há 19 anos fazem da verdade o seu principal lema e que não estão à venda, o incómodo do regime começa a ser enorme.

Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes de qualquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha todos os dias mais alguns fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresários e até supostos jornalistas.

É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 36 anos é sempre o mesmo, José Eduardo dos Santos.

Vale, ao menos, que a equipa do Folha 8 consegue dar voz a quem a não tem. Eduardo dos Santos sabe que a verdade dói, mas ainda não compreendeu que – apesar disso – só ela pode curar.

É verdade que Eduardo dos Santos pode fazer quase tudo o que lhe apetece. Mas a dignidade dos jornalistas do Folha 8 ele não pode tirar. Nem o facto, que certamente o incomoda, de o Folha 8 fazer parte da História de Angola e da Lusofonia, seja quem for que a venha a escrever.


GOVERNO DE LUANDA PROÍBE MARCHA DAS MÃES, MÃES PROMETEM VIGÍLIA




A marcha das mães e esposas dos 15 presos políticos angolanos, marcada para 28 de Agosto foi proibida pelo Governo Provincial de Luanda

Voz da América

O pedido foi entregue ontem dia 20 e no mesmo dia o GPL, na pessoa da vice-governadora Jovelina Imperial, respondeu proibindo a realização da marcha.

Segundo o Maka Angola, o governo provincial explica que, “por força do Artigo 47.º da Constituição da República de Angola, é garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica, desde que as autoridades competentes sejam previamente comunicadas nos termos e para os efeitos estabelecidos na lei”.

E o despacho assinado pela vice-governadora Jovelina Imperial, acrescenta que “a própria lei estabelece no seu Artigo 5.º limitações ao exercício do direito de reunião e manifestação, em função do tempo, determinando de forma imperativa que ‘os cortejos e os desfiles não poderão ter lugar antes das 19.00 horas nos dias úteis”.

Isabel Correia, mãe do activista Osvaldo Caholo reagiu à decisão: AUDIO

Angola. ÁGUA IMPRÓPRIA AFECTA MILHARES DE CRIANÇAS




O consumo de água imprópria causou schistomíase, ou bilharziose, a mais de mil crianças, na comuna da Funda, arredores de Luanda, que estão a ser seguidas nos hospitais da localidade. Água imprópria? O regime permite isso?

Segundo a directora municipal de saúde de Cacuaco, Catarina Oatanha, a bilharziose, uma doença parasitária, está presente geralmente em comunidades sem acesso à água potável e saneamento adequado.

“A Funda é uma área muito endémica por falta de água potável e o sistema de saneamento básico é precário. Tudo isso faz com que a população use com frequência os rios e lagoas que circundam na comuna”, disse Catarina Oatanha, citada hoje pelo Jornal de Angola.

Para prevenção e tratamento, a direcção de saúde local desenvolver uma campanha de desparasitação, com a distribuição de albendazol e prazinquantel.

A responsável frisou que a acção de desparasitação será realizada de seis em seis meses, mesmo nas pessoas sem os sintomas da doença, que pode causar no seu estado mais avançado infertilidade, cancro terminal da bexiga ou dos intestinos e mais grave a morte.

Catarina Oatanha disse que um dos sintomas da schistomíase são febres altas, que muitas vezes leva a confundir-se com a malária.

Quando o parasita se hospeda na bexiga, a infecção manifesta-se pela presença e sangue na urina e dores na bexiga. Se for no intestino, o sinal da doença são diarreias constantes.

E isto passa-se na capital. Recorde-se que cerca de 70% da água potável produzida em Angola é consumida apenas na província capital, e acrescente-se que há vários anos que o governo garantiu que, através da Empresa Pública de Águas de Luanda (EPAL), estavam em curso projectos para reforçar a capacidade de abastecimento na capital, no “curto e médio prazo”.

Falava-se então de dois novos sistemas, o Bita e Kilongo, que iriam duplicar a capacidade de produção de água em Luanda.

De acordo com o ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, a acção do Executivo no domínio das águas, vem-se traduzindo na adopção de medidas de política e em realizações fundamentalmente consubstanciadas na implementação de projectos concorrentes para o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM).

Esses objectivos, adianta, garantirão a adequada disponibilidade de água para os mais variados fins, tendo em perspectiva um desenvolvimento sustentável, que tornará a Nação, climaticamente resiliente, ambientalmente saudável, socialmente justa e economicamente próspera.

Folha 8

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Guiné Equatorial. O benchmarking como pretexto para o desprezo dos valores



JOSÉ VÍTOR MALHEIROS – Público, opinião

Há pouco mais de um ano, a Guiné Equatorial entrou, com a aprovação unânime dos restantes países membros, na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), numa cimeira de coreografia suspeita, onde a presença do ditador equatoriano foi imposta ainda antes da sua entrada oficial e onde a reputação de Portugal, representado pelo nosso presidente da triste figura, saiu mais do que chamuscada.

Fizeram-se ouvir na altura protestos generalizados pela entrada de um país que nem sequer fala português e que vive sob um corrupto regime ditatorial num grupo de países que afirma ter como princípios comuns, além da língua portuguesa, o respeito pela democracia e pelos direitos humanos. Estes protestos foram então respondidos com o argumento de que a admissão da Guiné Equatorial num clube de países democráticos, quase-democráticos, para-democráticos, tendencialmente democráticos e pseudo-democráticos como a CPLP era a melhor maneira de promover a paulatina democratização do regime corrupto de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, no poder desde 1979, e cujo sucessor indigitado, o seu filho "Teodorin", já enfrentou várias acusações de corrupção e branqueamento de capitais nos EUA e em França.

No entanto, a táctica de democratização da Guiné Equatorial através de um subtil contágio pelos discretos eflúvios democráticos da CPLP parece não estar a dar resultado. A prova mais recente disso é o facto de Obiang ter, em 20 de Maio deste ano, promulgado "a dissolução total do poder judicial" (leu bem), com o consequente desmantelamento dos tribunais das diversas instâncias.

De que forma reage a CPLP? Numa entrevista publicada no domingo passado neste jornal, o secretário-geral da CPLP, o moçambicano Murade Murargy, classifica o facto como uma "questão interna" da Guiné Equatorial, sobre a qual a CPLP não deve pronunciar-se. Então, e os estatutos da CPLP, os direitos humanos, o estado de direito, as condições de admissão na CPLP? Murargy, que sublinha que não fala em nome pessoal mas em nome da CPLP, diz apenas que a organização deve "ter paciência com a Guiné Equatorial". "Paciência", como se a tortura, a pena de morte (sujeita a uma moratória mas não abolida), as prisões políticas, a inexistência de liberdades que têm sido denunciadas por organizações como a Human Rights Watch ou a Amnistia Internacional fossem partidas de adolescentes. "Paciência" não porque a democratização esteja a ser lenta, mas precisamente pelo contrário, porque o regime endureceu e continua a comprar com o seu petróleo o silêncio de todos os interessados em fazer negócios com Malabo. As declarações de Murargy seriam cómicas se não fossem trágicas.

O que acontece é que não só a CPLP não está a democratizar a Guiné Equatorial, como o Guiné Equatorial já começou a desdemocratizar a CPLP. Com a entrada da Guiné Equatorial a média de democracia da CPLP desceu drasticamente e abre o caminho a todos os abusos. Se José Eduardo dos Santos decidir amanhã dissolver os tribunais em Angola o que poderá dizer a CPLP senão que se deve ter em conta que já existe um precedente?

Houve uma época onde se defendia a cooperação entre os estados e a criação de organizações internacionais na esperança de que essa cooperação permitisse um mais rápido desenvolvimento de todos através da partilha de boas práticas e de uma emulação dos melhores exemplos. Um clube de países deveria servir para tornar todos os seus membros tão bons como o melhor de entre eles.

Hoje, porém, as organizações internacionais servem, acima de tudo, como montras de más práticas e como instâncias de validação de atropelos aos direitos e de verdadeiros atentados ao pudor.

Tal como a CPLP, organizações como as Nações Unidas ou a União Europeia servem para definir mínimos denominadores comuns que os políticos de cada país defendem depois como se esses fossem os parâmetros ideais a atingir, transformando uma média, frequentemente vergonhosa, num objectivo da sua governação.

A análise de casos internacionais (a que os tecnocratas gostam de chamar benchmarking) ou as simples médias aritméticas (frequentemente aldrabadas) deste ou daquele grupo de países servem para definir objectivos que deveriam, em qualquer sociedade decente, ser decididas pelos cidadãos após um debate democrático e não numa folha de Excel.

As aldrabices à la Passos Coelho somam-se à saloice à la Cavaco para nos convencer de que trabalhamos menos horas que a média dos países X, que em Portugal se despede menos que nos países Y, que temos melhor saúde que os países Z e que todos estes desvios da média são pecados porque a média é o deus perfeito a que devemos almejar porque é aí que está a virtude, mesmo que essa média nos puxe sempre para baixo. As médias (aldrabadas quase sempre, repita-se) tornam-se objectivos, por iníquas que sejam e por desejável que seja afastarmo-nos delas. Torna-se assim pecado querer ter a melhor saúde da Europa ou do mundo, ter a melhor educação artística, a melhor habitação social, ou a paisagem mais protegida. O benchmarking e as médias vão matando aos poucos, ridicularizando, menosprezando aquilo que devem ser os nossos sonhos e a prática política que exigimos. Porque o que queremos é ser campeões dos direitos humanos, da qualidade de vida, da justiça, da criatividade e da beleza.

E o que não queremos é ser escravos das médias sempre cada vez mais baixas onde nos querem mergulhar. E certamente que não queremos ser os melhores do mundo a lamber as botas de Merkel, de Juncker, de Obiang ou da Goldman Sachs. Deixemos essa duvidosa honra para Passos Coelho e escolhamos os nossos objectivos. O céu é o limite.

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