segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A TERCEIRA PARTE DO MUNDO



Rui Peralta, Luanda

O Terceiro Mundo nasce com o grito “Liberté ou la mort”, numa insólita ilha do Caribe, quando os escravos negros de Saint-Domingue, liderados por Toussaint Louverture e Dessalines, iniciaram uma revolução que com a abolição da escravatura nas colonias francesas, em 1804. Foi, assim, proclamada a Republica do Haiti iniciando uma tendência que se espalharia por todo o Caribe e América Latina e que teria um profundo impacto na concepção de liberdade e de democracia.

No século XIX e na primeira metade do século XX muitas nações libertaram-se do domínio colonial, mas foi apenas após a II Guerra Mundial que a “periferia do mundo” se afirma num novo contexto das dinâmicas externas, conseguindo o reconhecimento nas Nações Unidas através de uma Resolução da Assembleia Geral que declarava: “todos os povos têm direito á livre determinação, a determinar livremente a sua condição política e a prosseguirem livremente ao seu desenvolvimento económico, social e cultural”. Após esse momento o Terceiro Mundo passou a ser um projecto. Asia, África e América Latina travariam uma luta comum pelo reconhecimento dos Direitos Humanos para todos os Povos do Mundo, contra a desigualdade e a opressão entre países ricos e pobres e pelo reconhecimento da dignidade e da satisfação das necessidades básicas.

Nos finais dos anos 70 do seculo XX, surge um projecto político cujo objectivo é restabelecer as condições de acumulação de capital e de restaurar o poder das oligarquias, beliscado pelas lutas de libertação nacional e pelos movimentos sociais que se afirmaram nas sociedades centrais do Ocidente. O padrão ouro foi abandonado pela Reserva Federal e o projecto Keynesiano, dominante desde o fim da II Guerra Mundial, tornou-se insustentável. A economia-mundo transformou-se. A política de pleno emprego foi abandonada e os mercados liberalizados.

As economias periféricas encontraram-se endividadas e falidas, sendo sujeitas a implacáveis políticas de Ajustamento Estrutural. O Sul do Mundo perdeu a capacidade e dissolveu-se. Neste ocaso do projecto do Terceiro Mundo um último eco de rebeldia fez-se ouvir, a partir de África: o de Thomas Sankara, do Burkina Faso. Em 1987, na 25ª Conferencia da OUA, em Adis Abeba, Sankara pronunciou um discurso contundente contra a divida externa de África. A divida foi denunciada como mecanismo do neocolonialismo, representando o seu pagamento a morte dos povos africanos. Sankara concluíra que a divida não se poderia pagar e propõe a criação de uma Frente contra o “Consenso de Washington”.

A sua voz fez-se ouvir, isolada e Sankara saiu só da Cimeira. Seria assassinado dois meses depois, num golpe de Estado comandado por Camporé, apoiado pelo Ocidente.

Pouco antes da sua morte, na 39ª Assembleia Geral da ONU, Sankara teria tempo, ainda, de proclamar, “em nome de todos os abandonados”, que ele, “herdeiro de todas as revoluções do mundo” tinha consciência que para os povos oprimidos “só a luta liberta” e que estes têm muito a aprender com a “Revolução Americana e Francesa e com todas as lutas de libertação nacional”.

Foi o último grito das nações periféricas. Depois disso África mergulhou no desespero angustiante criado pelo domínio neocolonial e transformou-se na Quarta Parte do Mundo…

Leituras aconselhadas
Prashad, V. Las naciones oscuras. Una historia del Tercer Mundo Ed. Península. 2012 Barcelona.
Galbraith J.K. Historia de la economía. Editorial Ariel, 1989, Barcelona.
Harvey D. Breve historia del neoliberalismo Ed. Akal, 2000, Madrid.
Sankara T. Burkina Faso Revolution: 1983-1987 Pathfinder Press, NY, 2012

Professores da Guiné-Bissau anunciam greve no arranque do ano letivo. Inoportuna, considera governo



Uma parte dos professores das escolas públicas da Guiné-Bissau iniciou hoje uma greve geral de 30 dias para reivindicar do Governo o pagamento de salários e subsídios em atraso, bem como outras melhorias laborais.

A greve foi convocada pelo Sindicato Democrático dos Professores (Sindeprof), mas é contestada pelo Sindicato Nacional dos Professores (Sinaprof), que considera a paralisação inoportuna, uma vez que um novo Governo acabou de entrar em funções.

"Não estamos de acordo com uma greve de professores neste momento. O Governo tomou posse no dia 13 e no dia a seguir é confrontado com um pré-aviso de greve. Não podemos compactuar com isso", disse à Lusa Luís Nancassa, presidente do Sinaprof, cujos associados, afirma, não observam a paralisação laboral.

A Lusa constatou que várias escolas públicas de Bissau funcionaram normalmente no período da manhã desta segunda-feira, dia em que o novo ano letivo arrancou na Guiné-Bissau.

Para Laureano Pereira, presidente do Sindeprof "faz todo sentido" fazer greve geral de 30 dias para exigir do Governo o cumprimento de sete pontos de um memorando rubricado com o seu sindicato em junho - quando ainda estava em funções o executivo liderado por Domingos Simões Pereira, entretanto demitido pelo Presidente da República.

Dos sete pontos, disse Laureano Pereira, "nenhum foi cumprido", pelo que a única forma de protesto é a greve geral, sublinhou.

"Não podemos ter uma lei que está a ser violada. O Governo diz que não tem mil francos CFA (um euro e meio) para pagar aos professores mas [cada membro do executivo] recebe, como subsídio de representação, três milhões" de francos CFA (4.600 euros), acusou.

Os mil francos de que fala o líder do Sindeprof são relativos ao subsídio de diuturnidade (anos de serviços) que o Governo se comprometeu a pagar a cada professor.

Além daquele subsídio, o sindicato também reivindica a aplicação do estatuto da carreira docente - uma lei que diz ter sido aprovada em 2011.

O sindicato exige ainda a requalificação e ingresso no quadro de efetivos de vários professores.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Governo da Guiné-Bissau considera "inoportuna" greve dos professores

O porta-voz do Governo da Guiné-Bissau, Malal Sané, disse a jornalistas que o executivo considera "inoportuna" a greve geral de 30 dias decretada por um dos sindicatos de professores do país.

No final da primeira reunião do Conselho de Ministros do novo Governo, Malal Sané disse que a greve geral decretada pelo Sindicato Democrático dos Professores (Sindeprof) foi um dos temas debatidos no encontro.

De acordo com o porta-voz, a greve "foi equacionada num mau momento", na medida em que "boa parte" dos salários e subsídios em reivindicação pelo sindicato já foi paga pelo Governo anterior.

"O Governo anterior (demitido a 12 de agosto) encontrou uma dívida de cerca de 1,2 mil milhões de francos CFA (1,8 milhões de euros) no sector da Educação. Neste momento, o que está em causa são cerca de 328 milhões de francos CFA (500 mil euros). O resto já foi liquidado", afirmou Malal Sané.

O também ministro da Presidência do Conselho de Ministros e dos Assuntos Parlamentares indicou que o novo Governo, em funções desde terça-feira, se prepara para levar ao Parlamento o seu plano de ação, bem como a proposta do Orçamento Geral do Estado para 2016.

Malal Sané lembrou que a lei dá ao executivo até 60 dias para apresentar os dois documentos ao Parlamento.

Lusa, em Notícias ao Minuto

A GUERRA DIÁRIA DO BRASIL CONTRA OS JOVENS



Quase metade dos adolescentes mortos no país são assassinados, seja por criminosos, seja pela polícia. Todos os dias, mais de dez jovens com idade entre 16 e 17 anos são mortos, dos quais 93% são negros.

O Brasil teve 46.881 casos de assassinato em 2014. Com 4.610 homicídios – 28 para cada 1.000 habitantes – o estado do Rio de Janeiro fica atrás apenas da Bahia (5.450). Os dados foram revelados em um balanço publicado pelo Ministério da Justiça na última semana. O quadro geral é alarmante se comparado, por exemplo, à taxa de homicídios da República Democrática do Congo, país africano assolado por uma guerra civil: 30,8 para cada 1.000 habitantes.

No Brasil, negros e pardos representaram 72% das vítimas. Emerge, assim, o fantasma do racismo num país que se debate para deixar para trás seu passado colonial. Na capital fluminense, muita gente deu de ombros às estatísticas divulgadas num ano em que todos os olhos estão voltados para a sede dos Jogos Olímpicos. Afinal, para moradores de comunidades carentes, esse retrato da violência representa uma rotina conhecida. Os números são apenas mais uma pesquisa incapaz de produzir mudanças. E uma constatação renovada da indiferença de parte da sociedade, sobretudo, quando os alvos da matança são jovens, negros e pobres.

"Vivemos na insegurança. Normalmente, a polícia já entra atirando, sempre por volta das 6h, 7h da manhã, quando os trabalhadores estão saindo de casa e as crianças indo para escola… Várias vezes acordei com policiais apontando um fuzil para o meu rosto, quando ainda estava na cama. Bateram na janela da minha casa e nem esperaram que eu levantasse. Invadiram para fazer uma busca. Vou fazer o quê? Reclamar com quem?", conta a carioca Jehnifer Raul, de 22 anos, ativista social e representante da Favela de Acari no Fórum das Juventudes do Rio de Janeiro.

Essa marginalização traz à tona outros dados chocantes. Por exemplo, na contramão de todos avanços sociais conquistados na última década, o Brasil ainda ocupa o terceiro lugar em homicídios de adolescentes entre 85 países, de acordo com o Mapa da Violência, estudo encomendado pelo governo federal e divulgado este ano, com dados relativos a 2013. São 54,9 homicídios para cada 100 mil jovens de 15 a 19 anos, atrás apenas de México e El Salvador. Para efeito de comparação, a taxa brasileira é 275 vezes maior do que a de países como Áustria ou Japão, que apresentam índices de 0,2 homicídios por 100 mil.

A cada dia 10,3 adolescentes são assassinados

Se considerada a faixa etária entre 16 e 17 anos, os homicídios representam quase metade das causas de morte no Brasil – 8.153 jovens nessa faixa etária morreram em 2013, dos quais 3.749 (43%) foram assassinados. Ou seja, mais de 10 adolescentes foram assassinados por dia no país. A projeção é de que 3.816 serão mortos até o final de 2015, pelas mãos da polícia ou de bandidos. As maioria esmagadora das vítimas (93%) são adolescentes do sexo masculino, negros e com baixa escolaridade.

Autor do Mapa da Violência, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz diz que os assassinatos de jovens brasileiros seguem em curva ascendente por diversos motivos. Da tolerância da sociedade à falta de investimento em educação, passando pela ausência de reformas do Código Penal e pelo despreparo de uma polícia cuja atuação ele classifica como "criminosa".

"Cada país tem o número de crimes que sua política decide ter. E esse limite de tolerância no Brasil é muito alto, o brasileiro aceita. Aqui prende-se sem saber se o jovem é culpado, mata-se um jovem suspeito sem se importar, encarcera-se como em nenhum outro lugar do planeta sem que sejam dadas as mínimas condições de recuperação aos menores."

Ele também identifica um problema concreto nas políticas de educação: "o país assistiu à erradicação da pobreza extrema e universalizou o sistema de ensino fundamental de 6 a 14 anos, mas deixou à deriva os jovens a partir daí. A adesão ao ensino médio e sua qualidade caíram muito", avalia Waiselfisz.

Homicídios no Rio caem, mas não para todos

Curiosamente, os números apontam contradições no Rio de Janeiro, num momento em que todas as atenções se voltam à segurança pública às vésperas dos Jogos Olímpicos de 2016. Apesar de um aumento na taxa geral de homicídios no estado, entre os jovens, o número de assassinatos vem caindo: houve uma redução de 73% entre 2000 e 2013, aponta o Mapa da Violência.

A estatística parece positiva, mas não é suficiente, alegam ativistas. E isso porque há gargalos na segurança pública do estado. Um jovem negro tem três vezes mais chances de ser assassinado que um branco, confirma o Índice de Homicídios da Adolescência (IHA), elaborado em parceria pelo Laboratório de Análise de Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o Unicef, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e a ONG Observatório das Favelas. Ou seja, a redução da violência não é proporcional.

"Temos na história brasileira 400 anos de escravidão e pouco mais de 100 anos de liberdade dos negros e, tradicionalmente, o crime não é o que define a violência, mas quem comete o crime. Desde sempre foi assim. Se um escravo e um senhor do engenho cometessem um determinado crime, o do escrevo seria considerado muito mais bárbaro. A dinâmica da violência letal é explicada através da sociedade de consumo. Como a vida é medida a partir do consumo de bens, a vida de quem tem menos, vale bem menos", pontua o geográfo Jailson Silva, presidente do Observatório das Favelas.

Pehkx Jones da Silveira, subsecretário de Educação, Valorização e Prevenção da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio, admite as dificuldades de reduzir a violência diante do constante cenário de guerra entre traficantes de drogas. Mas, apesar das críticas constantes à truculência e ao desempenho das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas cariocas, ele ressalta os avanços e defende a reciclagem constante dos policiais.

"A redução nos homicídios de jovens mostram que o policiamento de proximidade não falhou. Mas esse modelo não é permanente, ele se adequa à realidade e às circunstâncias de cada território, às informações de inteligência e patrulhamento. Estamos em processo permanente de revisão. Não podemos esquecer que mais de 40% dos policiais vieram dessas comunidades carentes e conhecem a realidade. Eles têm seus traumas por violência com armas de fogo, brigas domésticas e confrontos. Precisamos desconstruir esses traumas para formar bons profissionais", diz o subsecretário.

Pressão da ONU

O debate chegou ao Comitê para os Direitos das Crianças das Nações Unidas, em Genebra. Num duro relatório, a ONU mostrou grave preocupação com o elevado número de execuções extrajudiciais, chamadas de "autos de resistência", prisões aleatórias, impunidade generalizada e a vulnerabilidade dos jovens - tanto diante dos traficantes de drogas como da própria polícia. No início de outubro, num processo que se repete a cada cinco anos, uma delegação do governo brasileiro foi sabatinada durante seis horas sobre questões que incluíram, ainda, o aumento do turismo sexual e a redução da maioridade penal, classificada como um retrocesso por fazer dos jovens um bode expiatório da violência ao invés de protegê-los.

"Estamos muito preocupados porque, em grande parte, a violência vem de agentes do próprio Estado. Sempre houve práticas de limpeza social no Brasil, apesar de avanços em áreas como saúde e educação. Nossas recomendações são mais ações de prevenção para reduzir a vulnerabilidade, com políticas públicas voltadas à educação e ao engajamento das famílias dos jovens. O Brasil tem uma situação muito ruim, muito estrutural, que não se resolve em 10, 15 anos. O trabalho a ser feito é de longo prazo", afirmou à DW Brasil a equatoriana Sara Oviedo Fierro, uma das peritas da ONU envolvidas no relatório.

Renata Malkes – Deutsche Welle

Brasil. “Falta de informação leva ao preconceito contra o Bolsa Família”, diz ministra



Andreia Verdélio - Agência Brasil  

O Bolsa Família está completando 12 anos e para a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, a falta de informação ainda leva as pessoas a repetirem ideias preconceituosas contra o programa e os que recebem o benefício.

A ministra declarou:

“O que preocupa a todos nós que vimos o que o Bolsa Família fez pelo País é que tem muita gente que continua atacando o programa e a população pobre, gente que acha que a pessoa é pobre porque é vagabunda.

As pessoas são pobres muitas vezes trabalhando muito, muito mais que todos nós, porque não tiveram acesso a um conjunto de serviços, à educação, não puderam se qualificar, muitas vezes plantam e não conseguem colher por causa dessa seca terrível que estamos vivendo. Então, as pessoas têm o apoio no Bolsa Família, é uma complementação”

Ela citou como exemplo o preconceito contra os nordestinos e a reprodução de discursos como "dizer que as famílias vão ter mais filhos para continuar ganhando o benefício".

“No Nordeste, entre a população mais pobre foi onde mais caiu a natalidade. A taxa de natalidade caiu 10% no Brasil, no Nordeste caiu 26%. Não só não é verdade que as famílias têm tido mais filhos, como é verdade que elas têm reduzido o número de filhos. Mas as pessoas continuam reproduzindo [o preconceito]”.

Entre os benefícios que o programa trouxe, de acordo com Tereza Campello, estão a redução da fome, da pobreza, da mortalidade infantil, do trabalho infantil e da evasão escolar. Atualmente, são atendidas cerca de 14 milhões de famílias em todo o País.

Ela ressalta que, além de beneficiar a família, o programa ajuda a economia local, já que a cada R$ 1 investido, o retorno é R$ 1,78 para a economia.

A ministra lembra que os recursos para o Bolsa Família estão garantidos no Orçamento de 2016 e correspondem a 0,5% do Produto Interno Bruto do País.

“Certamente não é o Bolsa Família que causa impacto no Orçamento. O governo está fazendo um esforço para garantir que as despesas e receitas permaneçam equilibradas, mas não é o programa que está desequilibrando nada, ao contrário, ele tem ajudado a economia”.

Só em 2014, 600 mil famílias deixaram o Bolsa Família, informou Tereza Campello, e o governo também faz o cruzamento de dados para identificar pessoas que estão fora do perfil. “Mas quem tiver informação de uma pessoa que está recebendo e não deveria tem que nos ajudar. Todas as denúncias que recebemos são apurados”, afirmou.

No Portal da Transparência e no site da Caixa é possível consultar as famílias beneficiadas e as denúncias podem ser feitas por telefone pela central do Ministério do Desenvolvimento Social, no 0800 707 2003.

Aplicativo Bolsa Família

Para marcar os 12 anos do programa, a Caixa Econômica Federal lançou hoje o aplicativo do Bolsa Família, disponível para os sistemas operacionais Android, Windows Phone e IOS. Com ele, o beneficiário saberá, por exemplo, o calendário de pagamento, o local mais próximo para fazer o saque e a situação do benefício.

“Vamos ter um canal mais direto e seguro com a família. Sabemos que mais de 82% da população de baixa renda têm acesso ao telefone celular e podem, portanto, ter mais esse canal de informação”, acrescentou.

Em Brasil Post

Portugal. UM GOVERNO COM TODOS?



Pedro Adão e Silva* – TSF, opinião

Há qualquer coisa no ar que sugere que vivemos um período de transição: o novo ainda não se instalou e o velho continua a andar por aí, ainda que num lento e agonizante estertor.

O novo, está à vista de todos, é que, depois de tantos apelos, a democracia portuguesa lá decidiu comportar-se à imagem do que acontece nas democracias consolidadas que tanto gostamos de usar como exemplo. Negociações demoradas e complexas, busca de entendimentos partidários e, no fundo, os partidos a adaptarem-se à natureza proporcional do nosso sistema eleitoral. Um dia teria de ser: a nossa política acabaria por evoluir para uma "bipolarização perfeita", para utilizar a feliz expressão de José Miguel Júdice no Expresso de sábado. Os resultados materiais podem não se sentir para já, mas a mudança terá vindo para ficar.

O velho não para, contudo, de se exibir: a linguagem revanchista, a fulanização das disputas, o recurso ao ataque de carácter. Uma combinação exemplar dos traços mais negativos da nossa política. Basta ver um espaço de comentário numa rádio ou numa TV ou ler as páginas de opinião (e os editoriais) dos jornais para ficar claro o verdadeiro muro comunicacional entretanto erguido. Talvez tenhamos descartado com demasiada ligeireza a velhinha hipótese teórica da "Ideologia Alemã" de que "as ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes". Como bem assinalava Valdemar Cruz no notável "Expresso Curto" da passada sexta-feira, "com os acontecimentos a atropelarem-se ao minuto, vivemos uma nova era comunicacional. Depois do jornalismo opinativo, passamos pelo jornalismo interpretativo, e estamos agora na fase do jornalismo adivinhativo". Em qualquer caso, o insulto parece ser o motor da história política das últimas duas semanas.

Apesar de tudo, o importante é concentrarmo-nos no novo.

E o novo é o fim da ideia de "arco da governação" como a conhecemos em 40 anos de democracia. o princípio de que CDS, PSD e PS são partidos naturais de governo (uns mais do que outros) e que ao espaço político à esquerda está vedado o acesso ao poder executivo. A ideia é não só anacrónica como nefasta para o equilíbrio do sistema político e da representatividade. Poderá uma democracia resistir quando cerca de 20% do eleitorado está afastado da governação?

É neste contexto que se afigura particularmente insólito o convite de Passos Coelho para o PS e António Costa integrarem um governo de coligação alargada, correspondendo ao tradicional "arco da governação". E não é, no essencial, por que tenta trocar uma negociação programática por uma mão-cheia de lugares num futuro governo.

Num momento em que tantos procuram interpretar o sentido do voto individual de todos os que votaram PS, nenhuma ideia seria menos fiel ao eleitorado do que os socialistas irem para o governo coligando-se ao PSD e ao CDS.

Mas talvez a questão central seja outra. O sistema político português assenta num conjunto de equilíbrios, com representação política da direita, do centro-direita, do centro-esquerda e da esquerda. Todos os partidos são relevantes para assegurar a representação social e política. Ora, poucas coisas subverteriam mais os equilíbrios sistémicos do que uma grande coligação, que iria da direita ao centro-esquerda. Dificilmente não surgiria algo de novo à esquerda do PS e não se vê que vantagem decorreria de uma absorção do PS, que não corresponderia a uma representação efetiva do seu espaço político e social. Um Governo composto por todos os que já nos governaram não serviria de nada e seria a machadada final no sistema partidário como o conhecemos. É que o governo pouco ganharia, o PS, de facto, "pasokizar-se-ia", e surgiria rapidamente um novo partido. Afinal, a política tem mesmo horror ao vazio.

Hoje, só há, por isso, dois caminhos: ou um governo minoritário da coligação viabilizado pelo PS (se não houver entendimento à esquerda), ou, alternativamente, um Governo assente num compromisso para 4 anos e do qual farão parte, com representação no elenco governativo, PS, BE e PCP. Todas as outras hipóteses são velhas e terão de ser deitadas para o caixote de lixo da história.

*Politólogo e comentador do Bloco Central TSF

Portugal. COSTA RESPONDE A PASSOS COELHO E EXPLICA DIVERGÊNCIAS



O secretário-geral do PS considera que Pedro Passos Coelho procura agora inverter o ónus de ter posto um ponto final nas conversações e sustenta que as divergências não são de lugares, mas de "reorientação de política".

Estas posições são assumidas por António Costa numa carta de resposta à missiva que Pedro Passos Coelho enviou no domingo, na qual o presidente do PSD desafiou o secretário-geral do PS a enviar uma "contraproposta objetiva" para mostrar empenho nas negociações e a dizer com clareza se pretende entrar numa coligação de Governo com sociais-democratas e centristas.

"O que nos separa não são lugares no Governo, que recusámos desde o início, ou o relacionamento pessoal - bastante cordial, devo reconhecê-lo - mas a imperiosa necessidade do país e a soberana vontade dos portugueses de uma reorientação de política, que persistem em não aceitar", contrapõe António Costa na carta de resposta.


Em relação à carta que recebeu de Pedro Passos Coelho no domingo, a que a TSF teve acesso, o líder socialista sustenta que essa missiva "tem como único propósito procurar inverter o ónus de pôr o 'ponto final' - que já anunciara - no que designou de conversas entre o PS, o PSD e o CDS com vista a um entendimento que pudesse garantir a estabilidade e a governabilidade".

"Na própria noite das eleições tive ocasião de expressar publicamente o que a Comissão Política Nacional do PS reafirmou na sua deliberação de 6 de outubro: O PS reconheceu que cabe em primeiro lugar ao PPD/PSD, como partido com maior representação parlamentar, criar condições de governabilidade; responsavelmente, o PS assumiu também e desde logo que não contribuiria para formar uma maioria negativa, apostada em obstaculizar a ação de um governo, ou a inviabilizar a sua formação sem assegurar uma alternativa real e credível", afirma António Costa.

Ou seja, de acordo com o líder socialista, o PS não só reconhece "o legítimo primado de iniciativa do PPD/PSD como partido com maior representação parlamentar, como assegura uma atitude construtiva e de não obstaculização da sua ação governativa ou de inviabilização da formação de um Governo de sua iniciativa, sem que houvesse uma alternativa real e credível".

Neste contexto, António Costa refere-se ao principal fator que, na sua perspetiva estará a bloquear as negociações com a coligação PSD/CDS.

"A perda da maioria pela coligação constitui um novo cenário político, fruto de uma expressiva vontade de mudança que coloca no PSD e no CDS o ónus de criarem condições de governabilidade neste novo quadro parlamentar. A coligação tem de perceber que não pode governar como se nada tivesse acontecido e deve explicar como pretende assegurar a governabilidade", vinca António Costa.

Na carta dirigida a Pedro Passos Coelho, o secretário-geral escreve que solicitou a 9 de outubro informação financeira detalhada por escrito.

"Aguardámos um documento que finalmente nos enviou em 12 de outubro e que pudemos apreciar longamente na reunião de 13 de outubro, conforme sintetizei por escrito na minha carta de 16 de outubro, expondo a reorientação política que no nosso entendimento traduz a vontade dos portugueses expressa não só em bases programáticas como também em medidas concretas. Em vez de, como fizemos, analisar a minha carta, identificando os pontos de concordância e discordância, porventura até parcial, [Pedro Passos Coelho] limita-se a rejeitá-lo em bloco, com o extraordinário argumento de serem as bases programáticas e as medidas constantes do programa do PS", critica o secretário-geral socialista.

Na sequência deste episódio, António Costa questiona Pedro Passos Coelho: "Mas o que esperava? Que propuséssemos as medidas do programa do PSD/CDS?"

"Nada acrescentando a sua carta [de domingo] ao anterior documento que considerámos muito insuficiente, nada mais posso acrescentar, para além de insistir na necessidade de nos ser disponibilizado integralmente o conjunto de informação financeira que oportunamente solicitámos e que só foi parcialmente respondido. Por fim, reafirmo-lhe que, responsavelmente, o PS procurará assegurar as melhores condições de estabilidade e governabilidade que garantam esta reorientação, no quadro plural da nova representação parlamentar", acrescenta António Costa.

TSF – foto Miguel A. Lopes / Lusa

Angola. À BEIRA DO VÃO!



Luísa Rogério – Rede Angola, opinião

Ser apanhado em “flagrante delito” por atentar contra a segurança do estado deve ser grave em qualquer país do mundo. Até aí há acordo. As reticências começam quando se cita o controverso processo “15+1”, do qual resultou a detenção de jovens conotados com o Movimento Revolucionário. As divergências assentam na sustentabilidade da acusação de tentativa de golpe de Estado porque na prática é disso que são acusados. Discussões à parte, consta que a principal arma para derrubar o governo é o livro intitulado Da Ditadura à Democracia, da autoria de Gene Sharp, conhecido académico norte-americano, considerado altamente subversivo em meios afectos ao poder.

Desestabilizar a ordem pública com recurso a poderosa arma letal disfarçada de livro instigador de revoluções pacifistas já seria um prato para a imprensa. Relacionar os detidos a forças externas mancomunadas para estremecer Angola condimentou o assunto. O que muitos julgavam tratar-se de equívoco de mau gosto, principalmente ao se associar a um programado governo de salvação nacional, comentado em tom de brincadeira no Facebook, ganhou outra dimensão. Detidos a 20 de Junho, os jovens chegaram a ser colocados em celas solitárias. Ficaram dias privados da luz do sol. Em determinado período foi-lhes negado o direito de receber visitas que não fossem familiares de primeira linha. Cá fora, entretanto, ganharam estatuto de presos políticos.

Concluída a instrução, o processo foi encaminhado ao Tribunal, enquanto os arguidos aguardam pelo julgamento na cadeia.

Entretanto, o movimento “Liberdade Já” cresce livre e solto pelo mundo. No país, quase todas manifestações de solidariedade acabaram reprimidas. Que o digam as mães e familiares dos acusados, vergonhosamente afugentadas por homens armados e por cães. Em sinal de protesto contra o excesso de prisão preventiva, pontualmente denunciada pelos advogados, alguns detidos desencadearam uma greve de fome a 21 de Setembro. Um nome ganhou notoriedade: Luaty Beirão! O jovem, de 33 anos, vem manifestando “um comportamento diferente em relação aos alimentos”, designação encontrada por uma repórter da nossa televisão pública para contornar a expressão greve de fome. O estado de Luaty inspira cuidados. Aumentam os apelos dirigidos ao Presidente da República no sentido de se evitar o pior.

Na prática eles foram condenados antes do julgamento. Tornaram-se presumíveis culpados quando as alegadas provas foram partilhadas sem possibilidade de se defenderem numa altura em que as investigações decorriam sob segredo de justiça.

A atitude de Luaty arrasta questões pertinentes. Além de dividir operadores de Direito, este deixou de ser apenas um processo jurídico com conotações políticas. A discussão coloca-se em torno da vida ou morte. Luaty assinou uma declaração a assumir a responsabilidade pela greve de fome. Parece disposto a levar a decisão às últimas consequências se as suas reivindicações não forem atendidas. São momentos difíceis de uma agonia sentida na carne por ele, mas que atinge familiares, amigos, simpatizantes e o cidadão comum.

A onda de solidariedade cresce assim como as teorias defendidas pelos apologistas da tese golpe de Estado. Consideram Luaty teimoso, qual menino mimado birrento. Vasculham o seu passado em busca de práticas criminosas. Chamam-no chantagista. Exaltam a necessidade de se manter firmeza sob o risco de se abrir precedentes negativos para o sistema judiciário. À “boca pequena” porque não cabe no âmbito do politicamente correcto, determinados detractores de Luaty vão dizendo que a projecção do activista resulta de lobbies de mulatos e brancos por se tratar de um luso-descendente.

Recentemente introduziram na abordagem o factor dupla nacionalidade. Sendo também português é natural que os seus outros concidadãos reclamem a sua liberdade e dos companheiros. Anormal seria o contrário. Li algures que Luaty é proprietário de bens que incluem acções num banco e que não terão sido comprados unicamente com o fruto do trabalho dos seus familiares. Pedem-lhe coerência para se desfazer de supostas riquezas. Haja sensatez! Oxalá um por cento dos herdeiros dos quatro mil e novecentos milionários angolanos tivesse sensibilidade para esboçar alguma reacção face as abismais diferenças.

Com argumentos anedóticos os detractores de Luaty pretendem descredibilizá-lo e, de “esquebra”, atingirem o movimento Revú. Pior do que os falsos problemas é evocar questões raciais, ainda que este seja um assunto mal resolvido em Angola. Quando é que a dupla nacionalidade virou problema? Quem nunca viu viajantes angolanos em missão de serviço, portadores de passaportes oficiais, a se encaminharem para a cabine destinada a cidadãos comunitários ou apresentarem a correspondente identificação na África do Sul onde não precisam de visto? Milhares de angolanos de diferentes tons de pele, com e sem ascendentes europeus têm passaportes portugueses.

Metódico e inteligente, com duas licenciaturas obtidas em Inglaterra e França, Luaty Beirão poderia viver tranquilamente em qualquer país do hemisfério norte. Estaria distante das assimetrias, da má distribuição da renda nacional, da falta de energia eléctrica, de água potável, da pobreza e misérias que nos fustigam. Poderia criar a filha noutras paragens, desfrutando da dita riqueza em arenas de luxo. Teria, seguramente, espaço em páginas cor-de-rosa do emergente jet set nacional. Mas Luaty preferiu viver na sua pátria. Obviamente só isso não faria dele herói já que, a partir dessa perspectiva, heróis seriam todos os angolanos.

Vi pessoalmente o Luaty Beirão pouquíssimas vezes. Foi quanto bastou para perceber que é extremamente culto e articulado. E comprometido com causas, advindo daí a sua visibilidade mediática. Exigir direitos, comprar todas as brigas decorrentes do seu posicionamento crítico ao sistema e a frontalidade algo dolorosa fazem dele uma figura invulgar. Por este ser humano forte, pessoas de boa fé intercedem para que saia daquele leito melhor do que entrou. A razão cede lugar à espiritualidade. Aumenta a crença num poder extraordinário capaz de o fazer desistir da greve de fome sem abdicar dos princípios. A história do país conta com demasiados mártires. Não precisa de agregar a falência múltipla dos órgãos do Luaty. Tão pouco de carregar o fardo de permitir que as suas cinzas sejam precocemente lançadas ao mar. Herói o Luaty já é. Um herói que se quer vivo e inspirador. De outro modo perderiam sentido todas orações à beira do vão.

Angola. JULGAMENTO DOS ATIVISTAS COMEÇA A 16 DE NOVEMBRO



Anúncio é feito num dia em se multiplicaram as cartas abertas a José Eduardo dos Santos a pedir a libertação dos presos políticos.

Os activistas detidos desde 20 de Junho, acusados de organizarem um golpe de Estado, vão a julgamento de 16 a 20 de Novembro. Walter Tondela, advogado de 13 dos 15 jovens, confirmou ao Rede Angola que recebeu hoje a notificação do despacho de pronúncia e a data das sessões do julgamento.

Quatro meses depois de terem sido detidos pelas autoridades durante uma acção de formação de intervenção cívica e política, com base no livro Da Ditadura à Democracia, de Gene Sharp, a informação sobre a data de julgamento é dada a conhecer numa altura em que a comunidade internacional se manifesta diariamente contra a detenção abusiva dos 15 activistas, depois de esgotado o período de prisão preventiva prevista na lei angolana.

Além dos 15 detidos, também Laurinda Gouveia e Rosa Conde vão ser julgadas no mesmo processo, embora aguardem julgamento em liberdade.

Alípio de Freitas, padre que se tornou num símbolo da luta contra a ditadura brasileira entre os anos 1960 e 70, divulgou hoje uma carta aberta remetida a José Eduardo Santos onde apela ao bom senso e às memórias do passado do presidente. “É tempo de não se deixar enredar por intrigas palacianas, por intrigantes gananciosos, por saqueadores de todo o tipo. Quando esse saque acabar o único responsável será o senhor. Se tiver ainda um momento de reflexão possível recorde-se dos seus tempos de jovem quando a revolução do seu país lhe ocupava a sua força, a sua inteligência e todas as suas capacidades”, diz a missiva.

Também Pilar del Rio, viúva do prémio Nobel da Literatura José Saramago e presidente da fundação que tem o nome do escritor português, escreveu ao presidente José Eduardo dos Santos, a pedir a libertação dos activistas: “Exmo. Sr. Presidente da República Popular de Angola, Eng. José Eduardo dos Santos, venho junto de si apelar para a libertação de Luaty Beirão e dos seus companheiros detidos, porque está nas suas mãos salvar esta vida e proteger os direitos de liberdade de opinião destes jovens e de todos os cidadãos de Angola”.

Em greve de fome há 29 dias, Luaty Beirão é um dos 15 jovens angolanos encarcerados há quase quatro meses e formalmente acusados, desde 16 de setembro, de prepararem uma rebelião e um atentado contra o Presidente angolano, um crime que admite liberdade condicional até serem julgados.

Numa outra carta aberta, o músico de intervenção português Luís Cília escreveu que os activistas, a serem culpados, “só se for um golpe de Estado das mentalidades e isso é imprescindível em qualquer país que se orgulhe do seu passado de luta contra o colonialismo”, citou a Lusa. A carta é também assinada pelos músicos Sérgio Godinho e Manuel Freire.

O caso dos activistas chamou a atenção da imprensa internacional, principalmente pela greve de fome de Luaty Beirão, cujo rosto se tornou um símbolo da resistência à opressão política em Angola. O rapper cumpre hoje de 29 dias de greve de fome.  Transferido para a clínica Girassol, em Luanda, no dia 15 de Outubro, devido ao seu estado de saúde, Luaty, também conhecido por Ikonoklasta, responsabiliza o presidente José Eduardo dos Santos, pelas consequências deste protesto, acusando-o de se imiscuir” na Justiça.

Nos últimos dias têm surgido rumores de manifestações de violência contra outros activistas detidos, que Walter Tondela confirmou ao RA e afirma tratar-se de um acto bárbaro praticado pelos guardas-prisionais, no caso específico de Albano Bingo-Bingo. De acordo com o site Maka Angola, há nove dias que Bingo-Bingo também iniciou um protesto de greve de fome.

Rede Angola

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PENSAR E LER… GOLPE DE ESTADO



O Ministério Público do regime de Eduardo dos Santos especifica que, no caso da detenção dos jovens activistas, há “factos que evidenciam claramente que os arguidos participavam em reuniões com vista a traçar estratégias e acções conducentes à destituição do Governo e do Presidente da República”.

Orlando Castro* Folha 8, opinião

A ter consistência esta tese daquele órgão do regime, todos os principais dirigentes dos partidos da Oposição, nomeadamente da UNITA e da CASA-CE deverão ser presos. Isto porque, pelo menos nas democracias, é normal a oposição “traçar estratégias e acções conducentes à destituição do Governo e do Presidente da República”. É para isso que a oposição existe.

O despacho da ala radical do MPLA, eufemisticamente apelidada de Ministério Público, afirma que os 15 activistas foram detidos –nem mais, nem menos – “em flagrante delito” quando se preparavam para uma actividade criminosa, cuja etílica matéria de facto recolhida pelos peritos revela “actos preparatórios para a prática de rebelião e atentado contra o Presidente da República”.

Nesse flagrante delito, foi descoberto em poder dos jovens diverso material bélico, altamente letal, a saber: 12 esferográficas BIC (azuis), um lápis de carvão (vermelho), três blocos de papel (brancos) e um livro sobre como derrubar as ditaduras.

Sabe-se, igualmente, que a Polícia Nacional do regime descobriu que os jovens activistas tinham mísseis escondidos nas lapiseiras, Kalashnikovs camufladas nos telemóveis e outro armamento pesado e letal disfarçado nos blocos de apontamentos. São, reconheça-se, provas mais do que suficientes para provar que estavam a preparar um golpe de Estado.

Os jovens estavam no seu quartel-general, por sinal uma residência em Luanda, numa reunião dos seus estrategas militares que planeavam o golpe a partir da leitura do livro “Da ditadura à democracia — Uma estrutura conceptual para a libertação”, do norte-americano Gene Sharp.

No quintal, debaixo de uma mangueira, o exército mobilizado por esses jovens (talvez uns milhões de guerrilheiros) afinava os códigos para lançamento dos mísseis e, talvez, até de ogivas nucleares contra a residência de Eduardo dos Santos…

Perante este manancial de provas, o Ministério Público do regime provou que os jovens activistas estavam envolvidos numa conspiração para a “destituição do Presidente da República e de outros órgãos de soberania”, plano que estava a ser congeminado há muito, muito tempo. Cerca de três meses.

“Os factos descritos evidenciam claramente que os arguidos participaram em reuniões com vista a traçar estratégias e acções, tais como manifestações, greves e desobediência civil generalizada, conducentes à destituição do Governo e do Presidente da República”, considera – com uma antológica perspicácia – aquele órgão do regime.

Os procuradores do regime entendem, baseados nos dados recolhidos, que as sessões de formação realizadas na livraria Kiazele, na Vila Alice, em Luanda, visavam “mobilizar as massas populares ideais para desacreditar a governação do executivo angolano”. Coisa difícil dada a credibilidade de que goza, há 40 anos, o regime, e há 36 anos o Presidente Eduardo dos Santos.

Ainda com a perspicácia investigativa dos melhores peritos do país, foi possível concluir que nesses “encontros de concertação” se preparava a máquina de guerra para “destituir o poder político em Angola”. Poder esse legitimado democraticamente e que, inclusive, faz com que José Eduardo dos Santos nunca tenha sido nominalmente eleito.

O Ministério Público do regime aborda igualmente a análise conspirativa dos frustrados (como chamou aos jovens o próprio Eduardo dos Santos) baseada numa “suposta obra de Domingos da Cruz [um dos arguidos] com o título “Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura: Filosofia para a libertação de Angola”, uma adaptação do livro de Gene Sharp “Da Ditadura à Democracia”.

Pedagogicamente, ou não fossemos todos matumbos – o Ministério Público do regime explica que essa obra “inspirou as chamadas revoluções nos países da Europa de Leste, países nórdicos, africanos, como a Tunísia, o Burkina Faso, Egipto e Líbia, cujas consequências de tão nefastas deixaram os países atingidos completamente na desgraça, destruídos pelo vandalismo e pelas guerras que se seguiram”.

Mostrando que (até) sabem ler, os instrutores do processo explicam que naquele obra o autor “ensina como desencadear acções de raiva, revolta e revolução para o fim da tirania através de manifestações generalizadas, greves e desobediência civil”.

Mais. Concluem que os jovens, ao “importar os ensinamentos de Gene Sharp”, pretendiam impulsionar um descontentamento generalizado da população “com o objectivo de destituir” José Eduardo dos Santos.

O Ministério Público do regime pormenoriza, o que só comprova a eficiência dos seus serviços secretos, as fases das reuniões subversivas. Ou seja, “explicações sobre a metodologia e objectivos a perseguir e preparação de acções para a destituição do Presidente da República, ao que seguiria a criação de um governo de transição”.

Acrescentam as autoridades do regime que os activistas foram apanhados com a boca no botija, ou seja (quase) com o dedo na gatilho. Por outras palavras, no exacto momento em que aprovavam “greves, manifestações generalizadas, violência e o incêndio de pneus em todas as artérias da cidade de Luanda”. E não iam fazer por menos. Eram toneladas de pneus para encher “todas as artérias” de Luanda.

“Os arguidos planeavam formar um governo de salvação nacional e elaborar uma nova Constituição”, dizem os rapazolas do Ministério Público do regime, mostrando contudo que os activistas, inimigos ou terroristas até já tinham gente a trabalhar num novo governo e numa nova constituição. É obra, reconheça-se.

Perante este amontado de crimes, o Ministério Público do regime volta à pedagogia dizendo que “o poder político é exercido por quem obtém legitimidade mediante processo eleitoral livre e democraticamente exercido, sendo ilegítimos e criminalmente puníveis a tomada e o exercício do poder político com base em meios violentos ou por outras formas não previstas nem conformes com a Constituição”.

“Os arguidos, que se auto-denominam também de jovens revolucionários e se dizem defensores dos direitos humanos e lutadores pela democracia, não respeitaram (nem respeitam), voluntária e conscientemente, os órgãos de soberania, a Constituição da República de Angola e as leis do país, nomeadamente a lei de reunião e de manifestação”, diz o Ministério Público do regime.

É de crer que só mesmo a benevolência divina de Eduardo dos Santos impedirá que estes frustrados energúmenos não sejam condenados a entrar – como outros – na cadeia alimentar dos jacarés do Bengo.

*Orlando Castro é chefe de redação do Folha 8

Angola. PRESIDENTE, CONSEGUE DORMIR?



Luaty Beirão, detido desde Junho e em greve de fome há 28 dias, responsabiliza o Presidente de Angola (há 36 anos no poder sem nunca ter sido nominalmente eleito), José Eduardo dos Santos, das consequências deste protesto, acusando-o de “imiscuir-se” na Justiça.

Luaty Beirão está, obviamente, enganado. O mais alto representante de Deus na terra não se imiscui. Ele é a Justiça, tal como é muitas outras coisas, ou não fosse o DDT (Dono Disto Tudo).

A posição consta de uma declaração escrita já no hospital-prisão de São Paulo, em Luanda, pelo próprio punho do activista, com data de 14 de Outubro e assinatura reconhecida pelos Serviços Prisionais.

Luaty Beirão, de 33 anos, um dos 15 jovens em prisão preventiva desde Junho e formalmente acusado desde 16 de Setembro pelo Ministério Público do regime de actos preparatórios para uma rebelião e um atentado contra o Presidente, apresenta-se nesta declaração como “activista cívico, na condição de detido”. Além dos 15 detidos, mais duas jovens estão em liberdade provisória.

Luaty Beirão justifica a greve de fome, que encetou com a “vontade própria”, por entender que os seus “direitos constitucionais” estão “a ser desrespeitados”, exigindo – como prevê a lei angolana para o crime em causa – aguardar julgamento em liberdade.

“Declaro que estou plenamente consciente dos meus actos e das consequências daí resultantes e atribuo a responsabilidade desta drástica decisão ao Presidente da República, engenheiro José Eduardo dos Santos, pela sua teimosia em imiscuir-se em assuntos que numa democracia seriam da exclusiva responsabilidade do poder judicial”, afirma.

Entretanto, cerca de 20 activistas participaram hoje numa missa na igreja de Jesus, em plena Cidade Alta, junto ao Palácio Presidencial, em Luanda, área que como – como é regra do regime – apresentava um reforço de patrulhamento nas ruas e acessos, com a presença vários militares da Unidade da Guarda Presidencial.

Um destes activistas explicou que, asseguram, contrariamente ao acordado inicialmente com aquela paróquia, não foi possível invocar o nome de Luaty Beirão e dos restantes detidos durante a celebração ou reservar alguns minutos para uma oração no mesmo sentido, por questões relacionadas – invocadas pela Igreja – com a liturgia do dia de hoje.

Luaty Beirão foi transferido na quinta-feira do hospital-prisão de São Paulo, também na capital, onde estava desde 9 de Outubro, para uma clínica privada de Luanda.

“Neste momento passa bem, preferiu-se mandá-lo para uma unidade mais diferenciada, por uma questão de precaução”, disse na sexta-feira Manuel Freire, chefe nacional do departamento de saúde dos Serviços Prisionais angolanos, garantindo que o seu estado de saúde “continua estável”.

A família confirmou, no sábado, que não houve qualquer evolução relevante no seu estado de saúde nas últimas horas, permanecendo “estável”, apesar da “gravidade”.

Na clínica, Luaty Beirão é vigiado por elementos dos Serviços Prisionais no interior e exterior do quarto, não fosse – presume-se – o detido levantar-se, correr, fugir ou pegar numa das suas mais mortíferas armas – uma esferográfica Bic . Antes, desde 20 de Junho, permanecia detido num dos estabelecimentos prisionais de Luanda, tal como os restantes 14 elementos visados na operação de Junho das autoridades do regime.

Recorde-se que Luaty Beirão, que já não se movimenta pelos próprios meios, escreveu uma outra carta, com procedimentos no caso do agravamento do seu estado de saúde ou mesmo a morte.

Contudo, a família veio hoje esclarecer que a mesma “não é sintomática de nada”, sendo uma “declaração habitual neste contexto” e “apenas uma formalidade”, conforme regras internacionais.

“Serve para defender o paciente de ser alimentado à força, caso venha a perder a consciência, ainda que momentaneamente, o que constitui uma violação dos seus direitos, e defende os próprios médicos das respectivas consequências”, explicou a família, em comunicado.

Folha 8

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Portugal. JUSTIÇA DESONESTA E GOLPISTA É INCOMPATIVEL COM REGIME DEMOCRÁTICO



Tanto quanto é do domínio público a Justiça em Portugal está “doente”, em muitos casos é injustiça que desacredita e anula a democracia. Sem Justiça não existe democracia. Entre muitos casos, o caso de José Sócrates é flagrante e comprova - por via da péssima Justiça - que em Portugal a democracia é um verdadeiro flop. As violações são apontadas a encher os dedos das mãos e dos pés. Isso mesmo foi reconhecido por um tribunal superior. Facto que atirou o tal “super-juiz” Alexandre para a dimensão mini ou para o Casal Ventoso dos conceituados daquele setor, daquele poder (judicial) que afinal deixa perceber que tem nas suas fileiras muito filho-da-mãe, por incompetência ou ainda pior. Melhor será nem falar no segredo de justiça, não é senhor mini-juiz? É que de segredo nada tem.

Vêm agora os advogados de José Sócrates dizer que faltam páginas dos autos. Primeiro andaram por Lisboa à caça daquilo que andaram a negar aos direitos do arguido, depois, por um tribunal superior reconhecer o erro, ou o “erro”, retardaram a entrega deliberada pelo tribunal superior… E agora faltam páginas… Mas que tourada! Mas que trapalhada! Ministério Público? É mas é Ministério Privado… de interesses esconsos. Pois, mas quem pode, pode… E pode-nos, com um f.

Redação PG
  
Defesa de Sócrates já recebeu autos e queixa-se da falta de páginas

A defesa de José Sócrates recebeu hoje, ao início da tarde, os autos da investigação da "Operação Marquês", queixando-se da falta de 80 páginas, disse aos jornalistas Pedro Delille.

O advogado Pedro Delille falava aos jornalistas à saída do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), em Lisboa, depois de, na manhã de hoje, João Araújo, outro dos advogados de José Sócrates, não ter conseguido obter cópia dos autos, devido a atrasos na digitalização dos documentos.

Pedro Delille adiantou ter já entregado um requerimento a solicitar ao Ministério Público que fundamente os motivos pelos quais estão em falta as 80 páginas que não foram disponibilizadas no CD com o processo principal entregue hoje à defesa do ex-primeiro-ministro socialista.

A quebra do segredo de justiça interno do inquérito da "Operação Marquês" foi determinada por um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), de 24 de setembro, que declarou ainda inválidos os atos praticados no processo depois de 15 de abril.

José Sócrates foi libertado dia 16 de outubro, estando proibido de se ausentar de Portugal e de contactar com outros arguidos do processo da "Operação Marquês" e administradores, gerentes ou outros colaboradores de sociedades da esfera jurídica do arguido Carlos Santos Silva, do Grupo Vale do Lobo, Lena ou Caixa Geral de Depósitos (CGD).

O ex-primeiro-ministro foi detido a 21 de novembro de 2014, no aeroporto de Lisboa, indiciado pelos crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva para ato ilícito e esteve preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Évora mais de nove meses, tendo esta medida de coação sido alterada para prisão domiciliária, com vigilância policial, a 04 de setembro.

Lusa, em Notícias ao Minuto

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