terça-feira, 24 de novembro de 2015

Portugal. MAIS DINHEIRO A PARTIR DE JANEIRO



Salário mínimo passa para 530 euros. Metade do valor da sobretaxa será reposto. Funcionários públicos vão receber um quarto dos cortes salariais. Pensões serão atualizadas. Abono de família e RSI voltam a ser pagos com o mesmo valor de 2011. É assim que o Governo PS promete começar o ano de 2016

As medidas constam dos acordos assinados entre o PS e os restantes partidos da esquerda parlamentar. E estão plasmados logo nas primeiras páginas da proposta de programa de Governo que António Costa submeteu, no passado dia 7, à aprovação da comissão nacional do PS.

Os parceiros da esquerda negociaram com os socialistas um conjunto de "soluções de política inadiáveis", como referem os acordos assinados com o PCP ou com o BE. E a promessa de uma "mudança" de política é para ser concretizada logo a partir do arranque do próximo ano. Isso mesmo está expresso no primeiro ponto do programa de Governo.

"Aumentar o rendimento disponível das famílias para relançar a economia", é assim que começa o primeiro capítulo das propostas que António Costa traz para o Governo do País. A ideia é assumir "uma viragem de política" e isso quer dizer, desde logo, que serão repostos salários, pensões e prestações sociais que, nos últimos anos foram reduzidos em nome do memorando assinado com a troika.

Em resumo, o PS promete:

. repor integralmente os salários da função pública em 2016, ao ritmo de devolução de 25% dos cortes por cada trimestre do ano

. descongelar pensões e aumentar o valor real de todas aquelas abaixo dos 628 euros

. reduzir a TSU dos trabalhadores com salários abaixo dos 600 euros. A partir de janeiro a redução será de 1,33%

. reduzir para 13% do IVA da restauração

. devolver metade do valor da sobretaxa do IRS (o restante será reposto em 2017)

. aumentar o salário mínimo para os 530 euros (a meta é que atinja os 600 euros em 2019). Manuel Caldeira Cabral, indicado como ministro da Economia, já admitiu que o aumento pode não acontecer logo em janeiro. Não esclareceu se terá efeitos a partir do primeiro mes do ano, mesmo que venha a ser decidido meses mais tarde

. repor o abono de família, complemento solidário para idosos e rendimento social de inserção, nos valores praticados em 2011

. criar uma nova prestação - o complemento salarial anual - destinado aos trabalhadores que não consigam auderir rendimentos acima da linha de pobreza

Rosa Pedroso Lima – Expresso – Foto António Cotrim / Lusa

O OCIDENTE ESCOLHEU O PIOR CAMINHO: A GUERRA



Leonardo Boff*

Seguramente são abomináveis e de todo rejeitáveis os atentados terroristas perpetrados no último dia 13 de novembro em Paris por grupos terroristas de extração islâmica. Tais fatos nefastos não caem do céu. Possuem uma pre-história de raiva, humilhação e desejo de vingança.  
         
Estudos acadêmicos feitos nos USA evidenciaram que as persistentes intervenções militares do Ocidente com sua geopolítica para a região e a fim de garantir o suprimento do sangue do sistema mundial que é o petróleo, rico no Oriente Médio, acrescido ainda pelo fato do apoio irrestrito dado pelos USA ao Estado de Israel com sua notória violência brutal contra os palestinos, constituem a principal motivação do terrorismo islâmico contra o Ocidente e contra os USA (veja a vasta literatura assinalada por Robert Barrowes: Terrorism: Ultimate Weapon of the Global Elite en seu site: War is a Crime.org).

A resposta que o Ocidente tem dado, a começar com George W. Bush, agora retomado vigorosamente por François Hollande e aliados europeus mais a Rússia e os EUA é o caminho da guerra implacável contra o terrorismo seja interno na Europa seja externo contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque. Mas esse é o pior dos caminhos, como criticou Edgar Morin, pois guerras não se combatem com outras guerras nem o fundamentalismo com outro fundamentalismo (o da cultura ocidental que se presume a melhor do mundo e com o direito de ser imposta a todos).       A resposta da guerra que, provavelmente, será interminável pela dificuldade de derrotar o fundamentalismo ou grupos que decidem fazer de seus próprios corpos bombas de alta destruição, insere-se ainda no velho paradigma  pré-globalização, paradigma enclausurado nos estados-nações, sem se dar conta de que a história mudou e tornou coletivo o destino da espécie humana e da vida sobre o planeta Terra. O caminho da guerra nunca trouxe paz, no máximo alguma pacificação, deixando um lastro macabro de raiva e de vontade de vindita por parte dos derrotados que nunca, na verdade, serão totalmente vencidos.

O paradigma velho respondia guerra com guerra. O novo, da fase planetária da Terra e da Humanidade, responde com o paradigma da compreensão, da hospitalidade de todos com todos, do diálogo sem barreiras, das trocas sem fronteiras, do ganha-ganha e das alianças entre todos. Caso contrário, ao generalizar as guerras cada vez mais destrutivas, poderemos pôr fim a nossa espécie ou tornar a Casa Comum inabitável.

Quem nos garante que os terroristas atuais não se apropriem de tecnologias sofisticadas e comecem a usar armas químicas e biológicas que, por exemplo,colocadas nos reservatórios de água de uma grande cidade, acabe produzindo um dizimação sem precedentes de vidas humanas? Sabemos que  estão se habilitando para montar ataques cibernéticos e telemáticos que podem afetar todo o serviço de energia de uma grande cidade, dos hospitais, das escolas, dos aeroportos e dos serviços públicos. A opção pela guerra pode levar a estes extremos, todos possíveis.

Devemos tomar a sério o que sábios nos alertaram como Eric Hobswbam ao concluir seu conhecido A era dos extremos: o breve século XX (1995:562):”O mundo corre o risco de explosão e implosão; tem que mudar...a alternativa para a mudança é a escuridão”. Ou então do eminente historiador Arnold Toynbee, depois de escrever dez tomos sobre as grandes civilizações históricas, nos vem esta advertência em seu ensaio autobiográfico Experiências (1969:422):” Vivi para ver o fim da história humana tornar-se uma possibilidade intra-histórica, capaz de ser traduzida em fato não por um ato de Deus mas do próprio homem”.

O Ocidente optou pela guerra sem trégua. Mas nunca mais terá paz e viverá cheio de medo e refém de possíveis atentados que são a vingança dos islâmicos. Oxalá não se realize o cenário descrito por Jacques Attali em seu Uma breve história do futuro (2008): guerras regionais cada vez mais destrutivas a ponto de ameaçarem a espécie humana  . Aí a humanidade, para sobreviver, pensará numa governança global com uma  hiperdemocracia planetária.

O que se impõe, assim nos parece, é o reconhecimento da existência de fato de um Estado Islâmico e em seguida formular uma coligação pluralista de nações e de meios diplomáticos e de paz para criar as condições de um diálogo para pensar  o destino comum da Terra e da Humanidade.

Receio que a arrogância típica do Ocidente, com sua visão imperial e ao se julgar em tudo melhor, não acolha esse percurso pacificador mas prefira a guerra. Então torna a ganhar significado a sentença profética de M. Heidegger, conhecida depois de sua morte:” Nur noch ein Gott kann uns retten: então somente um Deus nos poderá salvar”.

Não devemos ingenuamente esperar a intervenção divina, pois o nosso destino está entregue à nossa responsabilidade. Seremos o que decidirmos: uma espécie que preferiu se auto-exterminar a renunciar à sua vontade absurda de poder sobre todos e sobre tudo ou então forjarmos as bases para uma paz perpétua (Kant) que nos conceda viver  diferentes e unidos, na mesma Casa Comum.

* articulista do Jornal do Brasil online e escritor

AMBIENTE, VÍTIMA DA GUERRA NA SÍRIA



Tharanga Yakupitiyage, da IPS – Envolverde

Nações Unidas, 23/11/2015 – A guerra civil na Síria, caminhando para seu quinto ano, é um fator fundamental na atual crise de refugiados, a maior desde a Segunda Guerra Mundial. Mas o conflito armado fez outra vítima, o ambiente. Um informe da organização independente holandesa Pax analisou as consequências da guerra civil síria, que começou em março de 2011, no curto e médio prazos, para o ambiente e a saúde pública.

“Os incidentes de contaminação em conflitos anteriores, o padrão dos combates e a insegurança na Síria indicam que as ameaças ambientais podem ser generalizadas”, afirmou o autor do informe, Wim Zwijnenburg. Com a informação fornecida por imagens obtidas via satélite, redes sociais e informes da Organização das Nações Unidas (ONU), a Pax identificou a grande destruição ambiental provocada em áreas densamente povoadas, fábricas e outras obras de infraestrutura essenciais, com o consequente risco para a saúde pública.

Por exemplo, em dezembro de 2014 foi constatado que 1,3 milhão de casas, ou um terço de todas as moradias do país, estavam destruídas. Os danos deslocaram milhões de civis e os escombros liberaram substâncias nocivas, como metais, bifenilpoliclorados (mais conhecidos como PCB) e amianto.

Essas toxinas, que também são liberadas pelo uso das armas, podem deteriorar a saúde pública, advertiu Zwijnenburg à IPS, lembrando as consequências sanitárias da exposição aos escombros das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, após os atentados de setembro de 2001. Segundo os Centros para Controle e Prevenção de Enfermidades dos Estados Unidos, mais de 1.100 pessoas, que trabalhavam ou viviam perto das torres gêmeas durante o incidente, foram diagnosticadas com câncer.

O informe da Pax, intitulado Em Meio aos Escombros, destaca também os danos à infraestrutura, como as refinarias de petróleo e as fábricas, que geram poluição atmosférica e contaminam a terra e a água, produzindo mais consequências negativas para a saúde no longo prazo. Até setembro deste ano, os bombardeios aéreos da coalizão liderada pelos Estados Unidos haviam danificado 196 instalações petrolíferas na Síria.

Os combates provocaram o colapso absoluto dos serviços de gestão de resíduos, acrescentou a organização. O acúmulo de lixo pode provocar grave contaminação do ar, do solo e da água, além de enfermidades respiratórias e câncer. Esses não são problemas apenas para os civis que ainda vivem na Síria, mas também para aqueles que fugiram do país e desejam regressar.

Entretanto, o impacto de longo prazo que as atividades militares têm sobre o ambiente e a população em geral continua em grande parte ignorado e sem atenção, afirma o documento. “Em circunstâncias de paz, existe um forte regime ambiental que regula nossa sociedade e impede nossa exposição a materiais perigosos. Mas, em tempos de guerra, esses sistemas entram em colapso ou essas normas são jogadas no lixo, já que não têm utilidade militar”, explicou Zwijnenburg.

O colapso das normas ambientais não se limita à guerra na Síria. Desde a queima dos poços de petróleo no Iraque e Kuwait durante a Guerra do Golfo (1991) até os danos causados nas zonas industriais e mineiras pelo atual conflito na Ucrânia, os combates armados representam um alto preço para o ambiente e a saúde pública.

Por exemplo, depois de três décadas de guerra, o vizinho da Síria, Iraque, se converteu em um dos países mais contaminados do mundo. No território iraquiano persistem os altos níveis de radiação e de outras substâncias tóxicas derivadas do urânio empobrecido utilizado durante a Guerra do Golfo e a invasão de 2003, o que provocou o aumento dos defeitos congênitos e da incidência de câncer.

Dados estatísticos do governo iraquiano indicam que, antes da primeira Guerra do Golfo, o câncer afetava 40 em cada cem mil pessoas. Em 2005, essa relação multiplicou para 1.600 para cada cem mil pessoas, e estima-se que continuará aumentando. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) destacou o perigo que os efeitos de longo prazo das guerras implicam para o ambiente e a saúde.

Segundo o Pnuma, “os efeitos do dano aos recursos ambientais e naturais em épocas de guerra e conflito armado continuam muito depois do período do conflito em si”, alertou o Pnuma em comunicado divulgado por ocasião do Dia Internacional da Prevenção da Exploração do Ambiente na Guerra e os Conflitos Armados, celebrado no dia 6 deste mês. “Os conflitos armados têm o potencial de reverter anos de desenvolvimento e destruir meios de vida”, destacou.

Embora o Pnuma realize avaliações ambientais posteriores aos conflitos para ajudar os governos a lidarem com os problemas, o funcionário dessa agência para Assuntos Ambientais da divisão Gestão Posterior aos Conflitos e Desastres, Hassan Partow, afirmou que o financiamento é um obstáculo. Não existe um fundo específico que cubra essas avaliações, explicou. Para poder realizá-las, “é necessário, para cada conflito, arrecadar dinheiro dos doadores interessados” no problema, acrescentou.

Após mais de uma década de guerra na Libéria, o Pnuma não conseguiu mobilizar os fundos necessários para ajudar a reconstruir a capacidade nacional para a gestão de recursos e a governança ambiental. Foram financiados apenas 37,5% do programa, o que forçou a agência da ONU a se retirar do país, acrescentou Partow. Do mesmo modo, o programa do Pnuma no Líbano para lidar com o excesso de resíduos, depois do breve mas devastador conflito de 2006 com Israel, só conseguiu 40% dos fundos necessários.

O informe da Pax solicita que todas as partes, na Síria e em outros países, levem em conta as ameaças e reforcem a proteção do ambiente em situações de conflito armado. Também insiste na necessidade de aumentar a recopilação e o intercâmbio da informação ambiental para localizar os pontos mais contaminados e mitigar os riscos para a saúde.

“Um dia as hostilidades na Síria terminarão. Mas, do ponto de vista da sociedade, a recuperação também necessitará da ação decidida para enfrentar de maneira responsável e suficiente os riscos ambientais que o conflito gerou”, enfatizou Zwijnenburg. Envolverde/IPS

COMO POLITIZAR UMA TRAGÉDIA



Sam Kriss – Jacobin, Londres - Opera Mundi

A luta é contra os que atacam cafés e casas de espetáculo, os que bombardeiam cidades com caças e com seus próprios corpos, os que abandonam refugiados para fora de suas fronteiras e aqueles que os obrigam a deixar sua terra

Se escrever poesia após Auschwitz é barbárie, escrever reflexões em forma de artigo após os ataques em Paris também é uma barbárie. Não politize; não use o assassinato em massa para obter pontos retóricos contra o adversário, não pragueje com je te l'avais bien dit, ("eu bem que te avisei"), não brinque de cabo de guerra com os cadáveres, não aja como se os fatos dissessem respeito a você mesmo, não aja como se fosse uma questão de política.

Na verdade, isto tudo é bastante estranho: a morte é sempre política, e não há nada mais político do que um ataque terrorista. Estes eventos acontecem por razões políticas e têm consequências políticas; ter uma opinião é algo bom, embora frustrante, em tempos de paz, mas é absolutamente essencial em tempos de crise.

No entanto... Surge um sentimento de repulsa assim que as pessoas comentam sobre o fechamento sem precedentes das fronteiras francesas, afirmando que nada disso teria acontecido se a medida tivesse sido tomada antes; quando começam a resmungar sobre a ameaça global do Islã ou sobre a presença dos estrangeiros; quando presunçosamente afirmam que a legislação antiarmas deixou a população indefesa.

Esta tendência não está limitada à direita: há muitos que se dizem de esquerda e que também tratam do massacre como um palco propício à encenação de seus autos de moralidade. E se os agressores fossem brancos? Não estaríamos todos falando sobre saúde mental? Você sabia que não muçulmanos também cometem atrocidades? Por que você se importa com isto, e não com todas as outras tragédias que estão ocorrendo no mundo? Você não consegue perceber que todos estes cadáveres existem apenas para provar que eu estava certo desde o princípio?

Normalmente, o dever de não opinar seria aplicável apenas a um pequeno setor da população, mas nos últimos anos estivemos todos envolvidos. A maioria destas participações acontece na internet, e parece absoluta e inteiramente errado prognosticar solenemente o futuro de centenas de catástrofes pessoais nas mesmas plataformas e da mesma forma como se fala sobre os programas de TV e partidas de futebol.

Boa parte disso tem a ver com as demandas do próprio meio: você se sente constantemente encorajado a dar sua opinião e participar da conversa, a preencher constantemente caixinhas brancas com palavras, já que agora o que você pensa sobre qualquer assunto se tornou extremamente importante. Antes mesmo de você perceber, no ímpeto de dar sua opinião e participar da conversa, já está pisando sobre os mortos. Rabiscamos nossas ideias com sangue. Expressar qualquer coisa que não pesar é monstruoso.

No entanto, veja só o que está sendo dito. Na noite do ataque, o presidente francês François Hollande esteve do lado de fora da casa de shows Bataclan, onde dezenas morreram, para declarar: "vamos lutar, e a luta será impiedosa". Haverá mais guerra, mais mortes e tragédias.

As emissoras de TV estão levando ao ar especialistas que insistem na ideia de que a culpa é dos migrantes e estrangeiros, como se os refugiados levassem consigo a violência da qual fugiram. Mais repressão, mais crueldade, mais pogroms. Ataques terroristas, como todos sabemos, são levados a cabo com o intento de colocar as pessoas umas contra as outras e intensificar a violência do Estado, e é isto o que está ocorrendo: a população está dividida e o Estado anuncia sua determinação em agir com violência.

Isto já é politização da tragédia, e falar abertamente contra esta situação é apenas outra forma de politização: será ela inaceitável?

No dia anterior aos ataques em Paris, dois homens-bomba se explodiram em Bourj el-Barajneh, um subúrbio predominantemente xiita de Beirute, matando 43 pessoas inocentes que tocavam normalmente suas vidas. Agências de notícias como a Reuters noticiaram um ataque contra um "reduto do Hezbollah".

A humanidade das vítimas desapareceu, elas foram brutalmente reduzidas a um partido político que grande parte delas sequer apoia. Não foram tratadas como pessoas, mas sim como um partido, o Hezbollah, como se o que tivesse sido atacado fosse uma fortaleza armada, e não um bairro repleto de famílias. Muitas pessoas manifestaram muito claramente seu horror diante disto. Mas fazê-lo também foi uma forma de politizar a tragédia: isto também era inaceitável?

Quando honestamente mobilizada, a ordem de que não se politize uma morte significa não torná-la parte de outra coisa: ela não diz respeito ao tema com o qual você sempre se importou, não diz respeito a você. Fazer isso é fazer um certo tipo de política. Mas há outro. Insistir na humanidade das vítimas é também um ato político que continuará sendo necessário enquanto a tragédia for transformada em conflito civilizacional ou em desculpa para vitimar os que já são vítimas.

Há a politização que se aproveita da morte para atingir objetivos políticos limitados, e há a politização que recusa qualquer texto padrão pré-determinado a não ser o da libertação. Este último tipo insiste na natureza política da tragédia não para capitalizá-la em prol de uma ou outra narrativa, ou para impor um filtro de direita ou de esquerda sobre as imagens da carnificina, mas porque a política é a saída para tudo isto.

A atrocidade demanda solidariedade. Compaixão absoluta pelas vítimas; por todas as vítimas. Insistir em ter uma opinião, não o desdém de quem acreditava estar certo desde o início, mas solidariedade irresoluta diante da devastação. Lutar contra os que atacam cafés e casas de espetáculo, contra os que bombardeiam cidades com caças e com seus próprios corpos, contra os que abandonam refugiados no frio para fora de suas fronteiras e contra aqueles que os obrigam a deixar sua terra. Lutar: a luta comum de todos os que sofrem, contra o sofrimento.

Tradução: Henrique Mendes - Artigo original publicado no site da revista norte-americana Jacobin - Foto Efe

O NOVO CARLUCCI




O sr. Sherman está “preocupado”. Ele que abandonou o seu bem-sucedido escritório de advogados em Boston, que descurou as reuniões do Conselho do Memorial do Holocausto para fazer um tranquilo período de repouso sabático na Embaixada dos Estados Unidos da América em Portugal, onde seria suposto nada ter que o incomodasse, agora encontrou razões para se inquietar. É verdade que antes de se instalar passou uns olhares despreocupados pelas aventuras do chefe da CIA, Frank Carlucci, quando destacado como embaixador neste “jardim à beira mar plantado”. Mas como, desde então, tudo entrou nos eixos e caducaram as intensas mas fugazes razões que sobressaltaram o império, Portugal voltou a ser o redil manso e obediente sempre que as simpáticas ovelhinhas ouvem ordens em inglês ou qualquer coisa parecida.

Contudo, de repente e quando nada o fazia prever, o sr. Sherman confessa-se preocupado, e di-lo bem alto, em rádios e jornais com muito boas referências e preferências na sua terra, para que tais inquietações cheguem ao homem do palácio de Belém antes de tomar uma decisão sobre o próximo governo. Ele – o homem do palácio de Belém – que teve a ousadia de receber uma torrente de sábios doutores, engenheiros e economistas pensando as mesmas coisas e não encontrou hora para acolher também o sr. Sherman.

O sr. Sherman, porém, nem precisa de ir a Belém para se fazer ouvir. Está “preocupado” porque o PS, entidade que até agora nunca dera motivos para preocupações a Sherman e antecessores, foi capaz de fazer acordos de incidência governamental com “ferozes inimigos da NATO”, coisa que é ainda pior que ser terroristas porque estes, como ficou bem explicado nos Balcãs, na Líbia, e não deixa dúvidas na Síria, são pragmáticos quanto baste para fazer serviços, por sinal bem sujos e sangrentos, em aliança com os senhores da Aliança Atlântica. Uma mão lava a outra.

O sr. Sherman ressalva, não haja mal-entendidos, que “respeita as escolhas políticas dos portugueses”, porque são assim os verdadeiros democratas como ele que, sendo conselheiro do Museu do Holocausto é, ao mesmo tempo, cúmplice ideológico de atrocidades cometidas em Gaza, da tortura e assassínio de garotos e adolescentes que são moeda corrente nas prisões e hospitais de Israel.

O sr. embaixador Sherman adverte de Sete Rios, em todas as direcções, que o comportamento do PS “levanta a questão sobre se o compromisso de Portugal, como membro fundador (da NATO), é firme como sempre foi”. Porque, como dizia seu pai, “diz-me quem são os teus amigos dir-te-ei quem és” e os socialistas “fizeram uma aliança amigável com dois partidos anti-NATO”.

Sabemos, como atrás ficou escrito, que o sr. Sherman “respeita as escolhas políticas dos portugueses”. Pelo menos, subentende-se, enquanto forem as escolhas que a NATO pretende. E se por acaso, um dia, as “escolhas legítimas dos portugueses” não agradarem à NATO o que acontecerá? O sr. Sherman chamará a NATO para devolver as “escolhas” à devida ordem? Quem assim nos alerta com as suas “preocupações” nosso amigo é?

O sr. Sherman deve saber – ou deverá ter quem o informe – que apesar de Portugal ser membro fundador da NATO os portugueses nunca foram consultados sobre isso, isto é, nunca puderam escolher. Até porque quando Portugal participou na fundação da NATO era governado por um tal Oliveira Salazar que se sucedeu a si mesmo, mandato após mandato, sem que os portugueses alguma vez o tivessem escolhido, tal como acontece com fazer ou não parte da NATO. A relação de Portugal com a NATO, tal como a submissão dos portugueses a Salazar, nunca teve a ver com democracia. Com essa situação, porém, não manifesta o sr. Sherman qualquer incómodo.

Durante anos a fio, durante as últimas décadas não se ouviu um pio da Embaixada dos Estados Unidos em Lisboa. A Oeste nada de novo, para o império tudo corria sobre rodas. De repente, eis que parece surgir uma ovelha tresmalhada e logo ficámos a conhecer quem ocupa o lugar que há 40 anos foi de Carlucci, chefe da CIA. O mastim do império não dorme, nunca dorme. Mas tal como o embaixador dos Estados Unidos, também os portugueses sabem citar provérbios universais, por exemplo o que diz que os cães ladram e a caravana passa. Assim queiram os portugueses honrar as suas escolhas legítimas, incomodem ou não o sr. Sherman e seus amos.

*Mundo Cão, em 21.11.2015

NOVO GOVERNO DE PORTUGAL. JÁ SE SABE QUEM O INTEGRA



Será este o novo Governo PS

A grande novidade de António Costa surge na Justiça, uma pasta que o novo primeiro-ministro já ocupou. Francisca Van Dunem, Procuradora-geral Adjunta, responsável pelo Ministério Público no distrito de Lisboa, vai ser a nova responsável pela Justiça.

É esta a lista oficial que António Costa leva ainda esta tarde a Belém, e a que a TSF teve acesso:

Primeiro-ministro - António Costa
Ministro das Finanças - Mário Centeno
Ministro Adjunto - Eduardo Cabrita
Ministro dos Negócios Estrangeiros - Augusto Santos Silva
Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa - Mª Manuel Leitão Marques
Ministra da Justiça - Francisca Van Dunem
Ministra da Administração Interna - Constança Urbano de Sousa
Ministro da Defesa - Azeredo Lopes
Ministro do Planeamento e Infraestruturas - Pedro Marques
Ministro da Economia - Manuel Caldeira Cabral
Ministro da Trabalho, Solidariedade e Segurança Social - José António Vieira da Silva
Ministro da Saúde - Adalberto Campos Fernandes
Ministro da Educação - Tiago Brandão Rodrigues
Ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior - Manuel Heitor
Ministro do Ambiente - João Pedro Matos Fernandes
Ministro da Agricultura - Capoulas Santos
Ministra do Mar - Ana Paula Vitorino
Ministro da Cultura - João Soares
Secretária de Estado Adjunta do Primeiro-ministro - Mariana Vieira da Silva
Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares - Pedro Nuno Santos
Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros - Miguel Prata Roque

É na justiça que surge uma mudança de rumo em relação aos últimos muitos anos, com a escolha de um magistrado do Ministério Público. Francisca Van Dunem é Procuradora-geral Adjunta. Desde o início dos anos 90 que o ministro da Justiça não "nascia" desse ramo da magistratura, do Ministério Público. O último exemplo foi Laborinho Lúcio, entre 1990 e 1995, nos governo de Cavaco Silva.

Na Administração Interna surge outra mulher - Constança Urbano de Sousa. Membro da Comissão Nacional do PS, passou há uns anos pela Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia, e teve então como pasta, precisamente, as questões relacionadas com a justiça e a administração interna.

Na defesa, outra surpresa. Azeredo Lopes, atual chefe de gabinete de Rui Moreira na Câmara Municipal do Porto, e antigo responsável pela ERC - Entidade Reguladora da Comunicação Social, fica com a coordenação das Forças Armadas.

Nos Negócios Estrangeiros, uma cara conhecida dos últimos governos socialistas desde os tempos de António Guterres - Augusto Santos Silva, que já foi ministro da educação, responsável pelos Assuntos Parlamentares, e ministro da Defesa, assume agora o controlo da diplomacia.

Outro nome que está de regresso é Pedro Marques, antigo secretário de estado da Segurança Social entre 2005 e 2011. Depois de uma curta passagem pelo privado - abandonou a atividade política, renunciou ao mandato de deputado em outubro do ano passado para se dedicar à consultadoria -, Pedro Marques regressa à política para assumir a pasta do Planeamento e Infraestruturas, o ministério que vai gerir os fundos europeus.

Maria Manuel Leitão Marques vai ser a nova ministra da Presidência e da Modernização Administrativa. A antiga coordenadora do programa Simplex vai manter essa "pasta", ficando com responsabilidades na área da reforma da máquina do Estado.

Eduardo Cabrita assume funções como Ministro Adjunto do Primeiro-ministro, mas não terá apenas a coordenação política sob a sua alçada, ficando também com o pelouro da Igualdade. Aliás, António Costa prepara-se para reeditar um "núcleo duro" de coordenação política muito à semelhança dos governos de António Guterres, com Augusto Santos Silva, Vieira da Silva, Carlos César (líder parlamentar), e Pedro Nuno Santos (secretário de estado dos Assuntos Parlamentares).

Mário Centeno, nas finanças, não é grande surpresa, sendo que é certo que terá como Secretário de Estado das Finanças Ricardo Mourinho Félix, que já trabalhava com o novo ministro no Banco de Portugal. A secretaria de estado dos Assuntos Fiscais fica entregue a um homem de confiança de Costa - Rocha Andrade, vice-presidente do Grupo Parlamentar e membro do Secretariado Nacional do PS.

Vieira da Silva, que chegou a ser equacionado para as finanças, vai regressar a uma casa que conhece bem, o ministério da Segurança Social e do Trabalho. Manuel Caldeira Cabral, na Economia é outro nome que não causa surpresas, é uma escolha natural de António Costa.

Na Educação, também sem surpresas, surge Tiago Brandão Rodrigues, investigador em bioquímica e cabeça de lista do PS por Viana do Castelo. Na Ciência, a escolha foi para Manuel Heitor, Catedrático no Instituto Superior Técnico, e antigo secretário de estado de Mariano Gago. A Saúde fica entregue a Adalberto Campos Fernandes, gestor hospitalar e especialista em políticas e sistemas de saúde, e coordenador desta área no PS.

Outros regressos à governação, de nomes socialistas, acontecem na Cultura, com João Soares; no Mar, com Ana Paula Vitorino; e na Agricultura, com Capoulas Santos.

José Pedro Matos Fernandes, presidente da Águas do Porto e antigo administrador dos portos do Douro e Leixões, é o novo ministro do Ambiente.

Mariana Vieira da Silva, vai continuar a trabalhar na esfera mais próxima de António Costa. Depois de coordenar a redacção do programa eleitoral e do programa do governo, fica em São Bento, como secretária de estado adjunta do PM, com responsabilidades na área da comunicação.

Pedro Nuno Santos, vai continuar a negociar. Um dos principais elementos da equipa de negociadores socialistas, na maratona de encontros com Bloco e PCP a seguir às eleições, vai assumir a secretaria de estado dos Assuntos Parlamentares, em coordenação directa com o líder parlamentar - Carlos César -, e João Galamba. O deputado e secretário nacional para a comunicação, vai assumir funções como porta-voz do PS.

Paulo Tavares - TSF

Portugal. PCP diz que Cavaco Silva tentou até ao último momento manter PSD e CDS no poder



O líder parlamentar do PCP defendeu hoje que a nota em que o Presidente da República anuncia a indicação de António Costa como primeiro-ministro demonstra que Cavaco Silva "tentou até ao último momento manter o PSD e o CDS-PP no poder".

"Depois de ter criado uma crise política com a nomeação de um Governo do PSD e do CDS que não tinha sequer condições para entrar em funções, o Presidente da República acaba por confirmar que tentou até ao último momento manter o PSD e o CDS no poder, ponderando mesmo a manutenção do Governo em funções de gestão e ponderando mesmo desrespeitar a vontade do povo português expressa nas últimas eleições, procurando convocar novas eleições até que elas dessem o resultado pretendido", afirmou João Oliveira.

Falando aos jornalistas no parlamento, o líder parlamentar comunista considerou que "isso resulta com clareza da nota da Presidência da República", em que Cavaco Silva anuncia a indicação de António Costa como primeiro-ministro, sublinhando João Oliveira que o chefe de Estado escolheu não usar o termo indigitação.

ACL // ZO - Lusa

Metade das famílias portuguesas não fez tratamentos médicos por falta de dinheiro



Metade das famílias portuguesas não teve dinheiro em 2014 para fazer tratamentos médicos necessários, tendo muitas vezes cortado na alimentação e recorrido a empréstimos para fazer face a essas despesas, revela hoje a revista Testesaúde, da Deco.

"No ano passado, por falta de dinheiro, 50% dos portugueses falharam cuidados de saúde considerados essenciais do ponto de vista médico. E ninguém escapou às dificuldades: um terço eram crianças, que ficaram sem tratamentos, consultas ou medicamentos aconselhados pelo médico", indica a revista de saúde da associação de defesa do consumidor, com base num inquérito a 1.763 famílias portuguesas.

A dificuldade em pagar despesas de saúde afeta mais as famílias com rendimentos mensais abaixo dos 1.500 euros, os agregados numerosos ou monoparentais e os que incluem membros que sofrem de doença crónica, conclui o teste.

"Isto num país em que cerca de 40% das famílias vive com menos de 1.00 euros por mês", sublinha a revista.

No topo dos gastos com saúde estão os tratamentos dentários e oftalmológicos, as consultas e os medicamentos, que em 2014 foram sendo adiados por falta de dinheiro.

O mesmo se verificou com as urgências, que "tiveram de deixar de sê-lo quando não havia como pagá-las": 10% dos portugueses, incluindo crianças, não foram às urgências por não terem dinheiro.

Apesar de os mais carenciados estarem isentos de taxas moderadoras, existem "copagamentos disfarçados" que são "penalizadores" para a maioria.

Salientando que para o estudo não foram considerados os pagamentos de prémios de seguros nem tratamentos ou cirurgias de estética e beleza, a Deco diz que no ano transato as famílias gastaram uma média de 1.480 euros em cuidados de saúde que nunca lhes serão reembolsados.

"O valor sobe para 1.824 euros em agregados com doentes crónicos", a que se junta o prémio do seguro de saúde, contratado por 20% dos inquiridos, que dizem pagá-lo do próprio bolso: em média, custa-lhes 506 euros anuais.

Ao todo, diz a revista, as despesas anuais não reembolsáveis representam 19% do rendimento líquido disponível, proporção que sobe para 25% nos agregados com doentes crónicos.

Para fazer face a estas dificuldades, uma em cada cinco famílias teve que se endividar, na maior parte dos casos junto de familiares, mas também de amigos ou de instituições bancárias.

Os inquiridos reportaram problemas de saúde dos filhos menores que necessitavam de cuidados médicos e que em 15% dos casos eram muito sérios e em 70% importantes.

Em consequência desta falta de assistência, não só as atividades escolares ficam afetadas (além da saúde), mas também as necessidades básicas familiares.

"Um quinto dos agregados teve de cortar em bens alimentares e em climatização por causa dos gastos com a saúde. Um quarto viu-se obrigado a abdicar do conforto no lar e de obras ou mobiliário".

A carência de cuidados médicos por falta de dinheiro tem repercussões também no trabalho, que se refletiram em 35 milhões de dias de trabalho perdidos.

Entre os tratamentos que ficaram por fazer em 2014, os oftalmológicos ocupam o lugar cimeiro com 28%.

A estomatologia surge como uma das área que custou mais dinheiro aos portugueses, sendo que 64% destes gastaram 564 euros e foram contraídos 1.398 euros de empréstimo.

AL // CC - Lusa

Portugal. O PAPEL DE CAVACO



Pedro Adão e Silva* – TSF, opinião

"Pelos vistos, fomos enganados e o próximo Governo vai ter de lidar com problemas nos bancos. "Estranha" e "insólita" esta preocupação de última hora. Será que a mesma foi transmitida, também, a Pedro Passos Coelho (e não, note-se, ao primeiro-ministro em gestão)?"

Nas últimas semanas, o Presidente tem estado a desempenhar o seu papel, não tanto o que lhe está consagrado constitucionalmente, mas aquele que definiu para si próprio na encenação em curso. A carta entregue na segunda-feira ao secretário-geral do PS (e não, note-se, a António Costa) tem um conjunto de questões razoáveis, mas também de resposta fácil e uma surpreendente.

O que espanta não é tanto que Cavaco Silva (e não, note-se, o Presidente da República) tenha "dúvidas quanto à estabilidade e à durabilidade de um governo minoritário do Partido Socialista, no horizonte temporal da legislatura" ou que procure garantias quanto ao cumprimento do Orçamento 2016; o que é inusitado é que tenha indigitado Pedro Passos Coelho (e não, note-se, o Presidente do PSD) sem colocar o mesmo tipo de condicionantes. Tanto mais que não se percebe de que forma a solução minoritária PSD/CDS iria garantir a estabilidade ao longo da legislatura - o que, naturalmente, não poderia deixar de contribuir para enervar os sacrossantos mercados.

A carta de Cavaco Silva serve, por isso, no médio prazo, para memória futura e, no curto, para fragilizar politicamente o próximo primeiro-ministro (que lindo contributo dá, portanto, o Presidente - ou será Cavaco Silva? - para acalmar os mercados e defender a imagem externa do país!).

Onde a carta surpreende mesmo - como, aliás, registou com perspicácia Marcelo Rebelo de Sousa - é na preocupação revelada com a "estabilidade do sistema financeiro". Se bem me recordo, as últimas referências ao tema da parte de responsáveis institucionais foram para enfatizar que tudo era um mar de rosas no sistema financeiro, a saída limpa tinha sido um sucesso, a resolução do caso BES não teria custos para o contribuinte e, há um par de meses, o Estado até lucrava com o empréstimo ao fundo de resolução. Pelos vistos, fomos enganados e o próximo Governo vai ter de lidar com problemas nos bancos. "Estranha" e "insólita" esta preocupação de última hora. Será que a mesma foi transmitida, também, a Pedro Passos Coelho (e não, note-se, ao primeiro-ministro em gestão)?

* Politólogo e comentador do Bloco Central TSF

Portugal. ANTÓNIO COSTA INDIGITADO PRIMEIRO-MINISTRO



Depois de ter sido recebido por Cavaco Silva pelo segundo dia consecutivo, o Presidente da República indigitou o secretário-geral do PS como primeiro-ministro. Costa voltará ainda hoje a Belém para informar Cavaco dos nomes do novo Governo.

Nota oficial da Presidência confirma que Cavaco Silva, ouvidos os partidos com assento parlamentar, decidiu indicar António Costa para primeiro-ministro.

Ainda hoje António Costa voltará a Belém para entregar o elenco governativo ao Presidente.

O texto da Presidência da República, na íntegra:

"As informações recolhidas nas reuniões com os parceiros sociais e instituições da sociedade civil confirmaram que a continuação em funções do XX Governo Constitucional, limitado à prática dos atos necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos, não corresponderia ao interesse nacional.

Tal situação prolongar-se-ia por tempo indefinido, dada a impossibilidade, ditada pela Constituição, de proceder, até ao mês de abril do próximo ano, à dissolução da Assembleia da República e à convocação de eleições legislativas.

O Presidente da República tomou devida nota da resposta do secretário-geral do Partido Socialista às dúvidas suscitadas pelos documentos subscritos com o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista "Os Verdes" quanto à estabilidade e durabilidade de um governo minoritário do partido Socialista, no horizonte temporal da legislatura.

Assim, o Presidente da República decidiu, ouvidos os partidos com representação parlamentar, indicar o Dr. António Costa para Primeiro-Ministro."

Ricardo Oliveira Duarte – TSF – Foto Manuel de Almeida/Lusa

Portugal. CAVACABOU-SE



Mariana Mortágua – Jornal de Notícias, opinião

O país conhece bem Cavaco Silva. O homem que nunca se engana e raramente tem dúvidas é, talvez, e embora tudo tenha feito para o negar, um dos maiores responsáveis pelo trágico percurso da economia portuguesa. A ele se deve o arranque do modelo de privatizações e desregulamentação do setor financeiro, que veio a dar origem ao progressivo endividamento privado. A primeira parceria público-privada, da Lusoponte, foi invenção de um seu ministro, depois transformado em administrador da mesma. E isto sem falar do deslumbramento europeu, pelo qual se entregou de mão beijada qualquer tentativa de política industrial até aí existente.

Quem foi estudante nos anos 90, lembrar-se-á da repressão ao movimento gerado pela introdução da elitista PGA (Prova Geral de Acesso). Quem esteve na Ponte 25 de Abril, em 1994, tem memória da violência da resposta aos protestos. Aos outros que vieram mais tarde, como eu, e que não se deixaram levar pela imagem hipócrita do "não político", fica a ideia de um homem mal habituado à democracia, e por demais comprometido com conhecidos banksters (sim, falo do BPN).

O percurso político de Cavaco explica por que lhe é tão difícil aceitar a democracia. Passos e Portas não seriam, idealmente, os seus interlocutores preferidos, é certo, mas é da sobrevivência do projeto da direita que falamos. O que interessa a este presidente da República não é a Constituição, ou a estabilidade do país, é a continuação de uma governação que não ponha em causa os interesses das elites que sempre protegeu e que sempre o protegeram; uma governação que não ponha em causa a estratégia da austeridade como um instrumento para eternização do seu sonho de direita: autoridade, compressão de direitos laborais, campo aberto aos negócios.

Não podia, por isso, haver pior fim para a longa carreira política do presidente da República - cuja voz se levantou mais vezes para defender o Tratado Orçamental do que a Constituição da República Portuguesa - do que ser ele próprio o mestre de cerimónias do enterro da austeridade. Estou no entanto certa de que é isso que fará. Não por convicção, mas por ausência de alternativas (constitucionais, já agora).

Cavaco sabe hoje, como sabia no início deste processo, qual será o desfecho do impasse. A lista de exigências que fez a António Costa não passa de um airoso recuo face ao inevitável. Será a última decisão de Cavaco, não sei se o maior, mas certamente o mais longo engano da vida política portuguesa.

*Deputada do BE

NOVOS DONOS AINDA NÃO PAGARAM TUDO MAS JÁ ESTÃO A VENDER A TAP



Tanto quanto é do conhecimento de trabalhadores da TAP os novos donos da empresa ainda não procederam ao pagamento da totalidade dos valores acordados com a Parpública/governo, mas já querem vender património da TAP. Negociatas à Passos-Portas é no que dá. Vão vender a empresa à peça? A ser verdade dá que pensar. Mas vender património à peça dá muito lucro. É provável que seja o que está a acontecer. (PG)

TAP vende terrenos junto ao aeroporto

A TAP colocou à venda os terrenos do chamado "reduto TAP", que envolvem a sede, escritórios e oficinas da companhia junto ao aeroporto da Portela.

Após a conclusão da privatização do grupo TAP, os novos acionistas - David Neeleman e Humberto Pedrosa - arrancam, agora, com medidas de reestruturação da empresa, por forma a reduzir o passivo e racionalizar os ativos do grupo. Para já, está em marcha a venda dos terrenos que a TAP detém junto ao aeroporto. Ao que o JN/Dinheiro Vivo apurou, os contactos para a alienação destes terrenos já começaram. A TAP não comenta. Na lista de interessados estará a francesa Vinci, dona da ANA, que é o candidato mais natural à aquisição.

O "reduto TAP" faz parte do património da companhia aérea deste 1989, quando um decreto-lei assinado por Cavaco Silva, à data primeiro-ministro, e promulgado por Mário Soares, presidente da República, desanexou estes 22,45 hectares do domínio público aeroportuário.

A Parpública dava conta, no final do primeiro semestre de 2014 - quando detinha a totalidade do capital da companhia aérea -, que esta área estava avaliada em 146 milhões de euros, valores líquidos.

Ao que foi possível apurar, a administração da transportadora já iniciou as primeiras reuniões para tentar fechar o negócio da venda dos terrenos e que, a concretizar-se, poderá obrigar a uma mudança da sede da TAP. Em causa não estará, no entanto, o incumprimento de um dos deveres dos novos acionistas, que é o de manter a sede da empresa em Lisboa.

A Vinci, que detém a concessão da gestora aeroportuária ANA durante 50 anos, poderá estar na lista de interessados nesta fatia de terrenos. Ao que o JN/Dinheiro Vivo apurou, a dona da gestora aeroportuária nacional ter-se-á já reunido com a TAP para abordar o tema.

O espaço interessa à Vinci, diz fonte contactada pelo JN/Dinheiro Vivo, por duas razões: primeiro, porque a sua aquisição permitirá uma extensão do aeroporto da Portela. "A compra dos terrenos pela ANA evita a construção de um novo aeroporto por mais alguns anos", lembrou fonte contactada, admitindo que "dá para pelo menos oito aeronaves, mas se se optar por um parqueamento diagonal, como acontece no aeroporto Sá Carneiro, o espaço poderá ser ainda mais rentabilizado".

Além de estar a olhar para esta necessidade de aumentar o espaço e a vida útil do aeroporto, a empresa francesa tem ainda outra motivação para querer os terrenos: evitar ter no meio do seu território investimentos de outras origens.

Os novos donos da TAP vão injetar 338 milhões de euros na companhia. As dívidas da transportadora chegam aos 750 milhões de euros.

Ana Margarida Pinheiro e Sílvia Oliveira – Jornal de Notícias

Portugal. "VEM CÁ, AGORA, POR FAVOR, FORMA GOVERNO"



Bom dia, este é o seu Expresso Curto 

Pedro Santos Guerreiro - Expresso

“Vem cá, agora, por favor, forma Governo”

O palácio onde António Costa quer entrar não é bem este mas é ao de Belém que volta hoje, quando soarem as 11 da manhã, para se reunir de novo com Cavaco Silva. De novo e talvez de velho, porque, para o líder do PS, estamos só a cumprir calendário para a sua indigitação como primeiro-ministro.

A primeira a chegar a esta conversa foi uma carta, enviada ontem por Costa em resposta a seis condições colocadas pelo Presidente da República sobre os acordos (a que Cavaco chama de documentos) entre os partidos da esquerda. As seis questões estão listadas aqui e são analisadas aqui.

Se o objetivo de Cavaco era prologar o suspanse, não se encontra na imprensa de hoje quem veja nas suas condições a ameaça de não entregar o poder a Costa. Já ontem o Bernardo Ferrão dizia que Cavaco “quis deixar avisos para memória futura” e as colunas de opinião (que em regra dão hoje uma tareia de meia noite a Cavaco) assumem maioritariamente que o Presidente está a empatar. “Cavacabou-se”, escreve Mariana Mortágua no JN.

“O que seria normal era que os três partidos formassem Governo”, disse Miguel Sousa Tavares na SIC, mas a situação está longe de ser normal. Até Maria Luis Albuquerque, que ontem foi ao Eurogrupo acalmar os ânimos sobre as contas públicas deste ano, disse à saída que não faz ideia se lá voltará. No PSD, já está tudo a pensar o dia seguinte.

Para Morais Sarmento, o dia seguinte deve ser construtivo: “Deve o PSD ficar para a vida preso a esse ressentimento, ainda que isso custe Portugal? Não, como é evidente, sempre que o país estiver primeiro, [por exemplo] numa questão como a do Novo Banco”, disse na Rádio Renascença. Ao seu lado estava Vitalino Canas: “Uma indigitação é chamar alguém: ‘Vem cá, agora, por favor, forma Governo ou cria as condições ou faz os esforços necessários para formar Governo”.

OUTRAS NOTÍCIAS

Pouco passava das sete da manhã quando se soube ter sidoencontrado o que será um cinto de bombas num caixote de lixo em Paris (notícia do Expresso aqui). O The Guardian conta que a rua foi selada e, segundo a CNN, as autoridades vão agora confirmar se o objeto tem de facto explosivos. Em Bruxelas, mantém-se o estado de alerta – e a ansiedade, relata o mesmo The Guardian.

Os Estados Unidos emitiram um alerta global a viajantes, pedindo-lhes que estejam vigilantes tendo em conta a ameaça real de ataques em diversas regiões. A Rússia já bombardeou 472 alvos do Daesh, em dois dias.

“É inevitável repor o controlo de fronteiras, mesmo que isso contrarie o sonho europeu”, considera Miguel Sousa Tavares. À medida que a vigilância aperta, o Daesh, o autoproclamado Estado Islâmico, adapta-se. Segundo o El Pais, os terroristas estão a trocar o Facebook pela rede social Telegram para comunicarem.

Será hoje publicada a execução orçamental do último mês e espera-se que o secretário de Estado Paulo Núncio explique a trapalhada da sobretaxa de IRS. O bastonário dos contabilistas acusou ontem o Governo de mentir intencionalmente sobre a matéria, por ter dito até às eleições que o Estado devolveria um terço do imposto e afinal devolver… zero.

Os juízes queixam-se de falta de pessoal mas podem acabar por ter assessores de imprensa. Segundo o DN, o Conselho Superior da Magistratura quer que os juízes passem a ter de explicar processos mais mediáticos. Já há um "Plano de Comunicação" em curso.

Fisco obriga contribuintes a rever faturas do IRS que já foram validadas, revela o Negócios em manchete. Em causa estão contribuintes que tenham faturas de empresas que tenham mudado os seus códigos de classificação de atividade económica (CAE), sendo que muitas foram notificadas nesse sentido pelo Fisco ao longo do ano, por terem faturas fora da sua atividade. Se estes contribuintes não voltarem ao Portal das Finanças para rever faturas, arriscam-se a perder os benefícios fiscais associados.

A Segurança Social tem um novo portal eletrónico, conta o Correio da Manhã.

A Gateway comprometeu-se a manter a TAP em Lisboa - mas não no mesmo local. Segundo o Jornal de Notícias, a transportadora aérea quer vender os terrenos à volta do aeroporto de Lisboa onde tem sede, escritórios e oficinas. São medidas para reestruturar a empresa e diminuir o passivo, segundo o diário, que diz que os franceses da Vinci, que donos da Ana, são os compradores naturais.

Pequenas e não lucrativas. Segundo dados do Banco de Portugal, antecipados pelo Económico, nove em cada dez empresas portuguesas empregam menos de dez trabalhadores e faturam menos de dois milhões de euros por ano. Em média, a rendibilidade líquida destas empresas foi negativa no ano passado: -3% do seu volume de negócios.

Grandes e lucrativas: Sonae, Portucel, Semapa, Altri, Corticeira Amorim e Jerónimo Martins já anunciaram o pagamento de dividendos extraordinários. Como explica o Negócios, é uma corrida anormal para distribuir lucros antes que acabe o ano. Ou antes que o governo Costa aumente impostos?...

O título do dia, sobre a fusão entre a Pfizer e a Allergané do Económico e do Público: “Fabricante do Viagra compra dona do Botox”. Nos Estados Unidos, o Vox diz que a operação é uma forma monumental de pagar menos impostos.

O peso da economia paralela em Angola é de 60% do total. EmMoçambique, a descida do preço do petróleo está complicar os investimentos na exploração do gás natural, avança o Financial Times.

A Universidade Nova de Lisboa é a 45ª melhor do mundoentre as que têm menos de 50 anos. Ainda assim, desceu este ano nove lugares na lista “QS Top Under 50”.

Parece um paradoxo, mas é literal: Viver debaixo da ponte dentro de casa. Eis uma reportagem da Renascença, com texto de João Carlos Malta e fotografia de Joana Bougard, sobre o que parece insólito. Casas debaixo da Ponte 25 de Abril, em Lisboa, e quem lá mora. Falta silêncio, sobram objetos voadores.

Um marinheiro russo encalhou um navio cargueiro de sete mil toneladas a toda a velocidade. Estava bêbado.

O rei da Suécia quer acabar com as banheiras. Para poupar água. (Esther Greenwood, do romance de “The Bell Jar”, não gostaria disso. Já lá vamos).

Um adolescente demorou cinco segundos a resolver o cubo mágico. É um novo recorde mundial.

FRASES

“O Presidente da República já não é dono da realidade que julgou ter criado”, Fernando Sobral, no Negócios.

“O presidente quis parar o relógio”. Miguel Guedes no JN.

“Falta uma sétima [condição] para dar estabilidade ao próximo governo: substituir rapidamente o Presidente.” Sérgio Figueiredo,no DN.

“O modelo de um Presidente no altar, distante, higiénico e protocolar, está esgotado”, António Almeida Henriques, no CM.

“Pelos vistos, os compromissos europeus da República em torno de aborrecimentos como o défice e a dívida são hoje obstáculos dóceis”, ironiza Francisco Mendes da Silva, no Económico, referindo-se ao programa do PS.

“As emoções são contagiosas”, diz o psicólogo Vítor Coelho, no DN.

O QUE EU ANDO A LER

“Era um verão estranho, sufocante, o verão em que eletrocutaram os Rosenberg, e eu não sabia o que estava a fazer em Nova Iorque.”Assim começa “The Bell Jar”, de Sylvia Plath, que teria feito 80 anos há semana e meia se não tivesse morrido – se não se tivesse suicidado – aos 30, um mês depois de publicar este romance, o único de uma obra que inclui poesia, contos e um diário publicado depois da sua morte. Em Portugal, “A Campânula de Vidro” foi editado pela Assírio & Alvim em 2002, a edição está esgotada.

É um livro maravilhosamente escrito, sobre uma rapariga, Esther Greenwood, que se vê em Nova Iorque a estagiar numa revista, que lhe dá acesso a uma vida faustosa que na verdade a enfada, pela superficialidade do que deslumbra (todas as) outras estagiárias. A narrativa subsequente permite comparar a personagem Esther com a autora Sylvia, até pela depressão de ambas. Era em banhos de imersão que Esther se salvava das tristezas, dos nervos, das ausências das paixões, num ritual de que saía “pura como um bebé”. E mais não conto, só recomendo. É um livro murro-nos-queixos com a suavidade de beijos. (Ted Hughes, marido de Sylvia Plath, haveria de escrever-lhe um poema, conhecido há poucos anos, chamado “Última Carta”/“Last Letter”).

Recomendo também “O Retorno”, romance de Dulce Maria Cardoso, editado em 2011 pela Tinta da China, que já vai na nona edição. No próximo sábado, conversarei com a escritora sobre este livro, depois de uma leitura encenada pela atriz e encenadora Mónica Calle. É às 17 horas, na Galeria Av. da Índia, ao Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa. O Debate insere-se no projeto “Retornar – Traços de Memória”, uma iniciativa da EGEAC pelos 40 anos do chamado retorno das ex-colónias portuguesas.

O romance conta, pela voz de um adolescente, a chegada dos que foram chamados de retornados a um país que os recebeu com as pedras na boca e os braços fechados. A escrita é veloz, a leitura é vívida e violenta. E quem quer saber como foi, pelo espelho ou pela fotografia, encontra em “O Retorno” mais do que a memória dos que estavam quis guardar. O preconceito perdura. O livro perdurará. O começo é em Luanda, véspera de viagem na ponte aérea de 1975:

“Mas na metrópole há cerejas. Cerejas grandes e luzidias que as raparigas põem nas orelhas a fazer de brincos. Raparigas bonitas como só as da metrópole podem ser. As raparigas daqui não sabem como são as cerejas, dizem que são como as pitangas. Ainda que sejam, nunca as vi com brincos de pitangas a rirem-se umas com as outras como as raparigas de metrópole fazem nas fotografias”.

Foi há quarenta anos. Amanhã é 25 de novembro. Talvez haja governo.

Até amanhã. Até já. Tenha um dia bom.

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