segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Moçambique. “NÃO SERÁ AFONSO DHLAKAMA QUE VAI AGITAR O PAÍS”



Durante 2015, o líder do maior partido da oposição em Moçambique, Afonso Dhlakama, ameaçou várias vezes que tomaria o poder à força. Segundo o analista Domingos do Rosário, esse é um discurso que não sairá do papel.

Final de 2015 foi o último prazo dado pelo líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) para tomar à força as províncias onde obteve a maioria nas últimas eleições gerais em Moçambique. Repetidamente Afonso Dhlakama tem ameaçado fazê-lo, embora nunca cumpra. Em paralelo, os momentos de crispação entre o maior partido da oposição e o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) vão acontecendo com subidas de tom.

Sobre as frequentes ameaças da RENAMO, a DW África ouviu Domingos do Rosário, cientista político da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo.

DW África: Estas ameaças não enfraquecem a imagem do líder da RENAMO?

Domingos do Rosário (DR): Há duas situações que é preciso tomar em conta nesse discurso de Afonso Dhlakama. Enquanto, por um lado, ele diz que vai tomar o poder nas províncias em que ganhou as eleições, aliás um discurso que foi repetido [pelo partido] há bem pouco tempo na última sessão da Assembleia da República, por outro lado também se via que Dhlakama estava aberto ao diálogo. Afonso Dhlakama esteve inclusivamente na Beira para reatar um diálogo e depois houve aquilo que houve . Não acho que ele esteja enfraquecido pelo facto de não estar a cumprir. Penso que, apesar de estar a ameaçar tomar à força, ele sabe que não tem o monopólio da violência legítima. É o Estado que o detém. E o Estado tem muito mais força para repelir qualquer atitude da RENAMO de tentativa de tomada do poder [pelas armas]. Portanto, esse é um discurso de ameaça que deve agradar a alguns setores da população mas não vai sair das palavras.

DW África: Mas, com isso, Dhlakama corre o risco de perder a face?

DR: Penso que, na situação em que Moçambique está, Dhlakama não corre nenhum risco de perder a força tendo em conta a situação de miséria por que a maior parte da população passa, o descrédito total em relação a um Estado ausente, [que deixa] a população completamente abandonada.

DW África: Então, tendo em conta as suas palavras, não aumenta a tensão nem se arrisca uma escalada de violência em Moçambique.

DR: Se houver uma escalada de violência em Moçambique não será por causa das ameaças de Afonso Dhlakama. Esse poderá ser um fator, mas outro é a condição social no país, onde, arrisco a dizer, 98% da população vive numa situação de informalidade em relação ao Estado, em que o Estado não toma conta dessa gente. Não será o facto de Afonso Dhlakama ameaçar tomar o poder à força que vai originar uma escalada de violência. O custo de vida aumentou, os preços dispararam aqui na cidade, as condições sociais das pessoas deterioram-se ultimamente, o Estado perdeu o controlo sobre tudo, as pessoas estão a sobreviver e, na altura das festas, não têm poder de compra… Então, não será Afonso Dhlakama que vai agitar o país. Quando essa crise começar a chegar ao bolso da população, algo que acontecerá daqui a nada, em janeiro ou fevereiro, aí ninguém vai segurar isto. Não penso que seja o facto de Dhlakama dizer que vai tomar o poder à força que acelerará isso.

DW África: Afonso Dhlakama e a RENAMO não estão a esgotar o seu potencial diante da população, face às ameaças?

DR: Duvido muito. Penso que a condição social da maior parte dos moçambicanos hoje, que está a viver completamente fora do controlo do Estado (e o Estado não está a fazer nada por essa população), é algo mais sintomático do que o prometer ou não prometer de Afonso Dhlakama.

Nádia Issufo – Deutsche Welle (30.12.2015)

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