Durante
2015, o líder do maior partido da oposição em Moçambique, Afonso Dhlakama,
ameaçou várias vezes que tomaria o poder à força. Segundo o analista Domingos
do Rosário, esse é um discurso que não sairá do papel.
Final
de 2015 foi o último prazo dado pelo líder da Resistência Nacional Moçambicana
(RENAMO) para tomar à força as províncias onde obteve a maioria nas últimas
eleições gerais em Moçambique. Repetidamente Afonso Dhlakama tem ameaçado
fazê-lo, embora nunca cumpra. Em paralelo, os momentos de crispação entre o
maior partido da oposição e o Governo da Frente de Libertação de Moçambique
(FRELIMO) vão acontecendo com subidas de tom.
Sobre
as frequentes ameaças da RENAMO, a DW África ouviu Domingos do Rosário,
cientista político da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo.
DW
África: Estas ameaças não enfraquecem a imagem do líder da RENAMO?
Domingos
do Rosário (DR): Há duas situações que é preciso tomar em conta nesse
discurso de Afonso Dhlakama. Enquanto, por um lado, ele diz que vai tomar o
poder nas províncias em que ganhou as eleições, aliás um discurso que foi
repetido [pelo partido] há bem pouco tempo na última sessão da Assembleia da
República, por outro lado também se via que Dhlakama estava aberto ao diálogo.
Afonso Dhlakama esteve inclusivamente na Beira para reatar um diálogo e depois houve
aquilo que houve . Não acho que ele esteja enfraquecido pelo facto de
não estar a cumprir. Penso que, apesar de estar a ameaçar tomar à força, ele
sabe que não tem o monopólio da violência legítima. É o Estado que o detém. E o
Estado tem muito mais força para repelir qualquer atitude da RENAMO de
tentativa de tomada do poder [pelas armas]. Portanto, esse é um discurso de
ameaça que deve agradar a alguns setores da população mas não vai sair das
palavras.
DW
África: Mas, com isso, Dhlakama corre o risco de perder a face?
DR: Penso
que, na situação em que Moçambique está, Dhlakama não corre nenhum risco de
perder a força tendo em conta a situação de miséria por que a maior parte da
população passa, o descrédito total em relação a um Estado ausente, [que deixa]
a população completamente abandonada.
DW
África: Então, tendo em conta as suas palavras, não aumenta a tensão nem se
arrisca uma escalada de violência em Moçambique.
DR: Se
houver uma escalada de violência em Moçambique não será por causa das ameaças
de Afonso Dhlakama. Esse poderá ser um fator, mas outro é a condição social no
país, onde, arrisco a dizer, 98% da população vive numa situação de
informalidade em relação ao Estado, em que o Estado não toma conta dessa gente.
Não será o facto de Afonso Dhlakama ameaçar tomar o poder à força que vai
originar uma escalada de violência. O custo de vida aumentou, os preços
dispararam aqui na cidade, as condições sociais das pessoas deterioram-se
ultimamente, o Estado perdeu o controlo sobre tudo, as pessoas estão a
sobreviver e, na altura das festas, não têm poder de compra… Então, não será
Afonso Dhlakama que vai agitar o país. Quando essa crise começar a chegar ao
bolso da população, algo que acontecerá daqui a nada, em janeiro ou fevereiro,
aí ninguém vai segurar isto. Não penso que seja o facto de Dhlakama dizer que
vai tomar o poder à força que acelerará isso.
DW
África: Afonso Dhlakama e a RENAMO não estão a esgotar o seu potencial diante
da população, face às ameaças?
DR: Duvido
muito. Penso que a condição social da maior parte dos moçambicanos hoje, que
está a viver completamente fora do controlo do Estado (e o Estado não está a
fazer nada por essa população), é algo mais sintomático do que o prometer ou
não prometer de Afonso Dhlakama.
Nádia
Issufo – Deutsche Welle (30.12.2015)
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