O
chefe de Estado angolano defende que é preciso legislação para regular as redes
sociais. O ativista Rafael Marques acusa-o de tentar "controlar
desesperadamente" o último reduto da luta pela liberdade de expressão.
Segundo
o chefe de Estado angolano, é preciso "alterar o atual clima moral que
predomina nas relações sociais, influenciadas pelo impacto das novas
tecnologias de informação e comunicação".
Na
sua mensagem de Ano Novo, José Eduardo dos Santos defendeu que Angola
"deve dispor o mais depressa possível de legislação adequada para orientar
a sociedade e as instituições" no uso das redes sociais, de forma a
"reprovar ou prevenir" práticas "inaceitáveis".
A
intenção foi criticada pelo ativista angolano dos direitos humanos Rafael
Marques, que acusa o Presidente de tentar "controlar
desesperadamente" o último reduto da luta pela liberdade de expressão e
pelo fim dos seus 36 anos de poder. A DW África conversou com o jornalista
sobre o assunto.
DW
África: Um dos dilemas que a maioria dos países enfrenta atualmente é a falta
de legislação que reja as redes sociais. Como Angola pode criar essa legislação
sem que a sociedade se sinta ainda mais censurada?
Rafael
Marques (RM): Primeiro, é preciso ter em atenção que em 2011 a Assembleia
Nacional aprovou, na generalidade, a proposta de Lei de Combate à Criminalidade
no Domínio das Tecnologias de Informação e Comunicação e dos Serviços da
Sociedade de Informação. E por que é que essa lei não entrou logo em vigor e
ainda não foi aprovada na especialidade? Porque o tipo de medidas que procura
introduzir para o controlo da internet são um atentado à liberdade de expressão
e são impraticáveis. Por exemplo, inviabiliza partilhas e proíbe que alguém
publique uma fotografia no Facebook sem autorização da pessoa que esteja na
fotografia. Todas essas medidas têm um objetivo central: os textos não podem
mencionar uma terceira pessoa sem autorização expressa por escrito dessa pessoa.
Essa
proposta de lei exclui os dirigentes, as instituições do Estado e os órgãos de
informação estatais do seu cumprimento. Colocam-se acima da lei. Isso permite
que qualquer pessoa que, por exemplo, publique uma fotografia do Presidente na
internet possa ser processada por isso se o Presidente não gostar. A lei diz
claramente que basta que o ofendido accione a queixa para que um indivíduo
possa ser condenado de dois a oito anos de prisão. Obviamente, com o controlo
da Procuradoria-Geral da República pelo Presidente da República, só ele e a sua
família e os dirigentes do MPLA (Movimento pela Libertação de Angola, no poder)
teriam condições de apresentar queixa contra os cidadãos que os criticam nas
redes sociais. Até porque a lei já é clara: exclui os órgãos de informação do
Estado e as instituições do Estado do seu cumprimento.
DW
África: Este projeto sobrepõe-se a outras leis já existentes, como a Lei de
Imprensa e até a Constituição?
Rafael
Marques (RM): Este projeto viola claramente a Constituição e a Lei de
Imprensa. É uma medida desesperada do Presidente em controlar aquele que é o
último reduto na luta pela liberdade de expressão e, sobretudo, na luta pelo
fim do seu poder de 36 anos. Na internet, de facto, o Presidente é uma figura
extremamente impopular nas redes sociais.
Apesar
de o MPLA ter feito um grande esforço e de ter feito investimentos no sentido
de controlar e de ter muitas páginas no Facebook, tem também grande acesso nas
redes sociais, contratou muitas empresas. E tem aquilo que nós chamamos a
"brigada online", para fazer comentários favoráveis ao regime. Tem
ainda as páginas da comunicação social do Estado na internet.
Mas
não há como ganhar popularidade, nem o próprio MPLA. De modo que se esta
liberdade da internet se transpuser no seio da sociedade, no quotidiano, então
o Presidente terá os seus dias contados. Daí esse desespero, esta obsessão de
tentar controlar as redes sociais e a internet da mesma forma que controla o
Jornal de Angola e outros órgãos de informação do Estado e de uma maneira geral
a imprensa privada que está sob controlo de indivíduos ligados ao poder.
DW
África: O facto de esta proposta de lei não prever procedimento criminal para
casos concretos não abre também espaço para arbitrariedades?
Rafael
Marques (RM): A forma como a própria proposta de lei é apresentada é para
permitir que os órgãos judiciais possam processar qualquer crítico sem
necessidade de recurso a provas ou a grandes tratados de jurisprudência.
Bastará que tenham vontade de condenar alguém.
DW
África: Caso realmente seja limitada a liberdade de expressão nas redes sociais
em Angola, que outras alternativas restariam ao cidadão, que já se queixa de
falta de liberdade de manifestação, direitos previstos pela Constituição?
Rafael
Marques (RM): É aqui que traçamos a grande linha de batalha e dizemos ao
Presidente que será derrotado nessa batalha, porque há um ponto em que a
ditadura não pode avançar mais. Já retirou tudo aos cidadãos, explora-os,
rouba-os, mata-os, ignora o seu dever de servir o povo e ainda quer tirar a
internet. Então, aí diremos ao Presidente: vamos combatê-lo também nas redes
sociais e essa será a batalha definitiva. O Presidente sairá derrotado desse
seu esforço, porque não vai conseguir censurar a internet como quer. Estaremos
aqui para dar-lhe luta. E é assim que defendermos este espaço de liberdade.
Nádia
Issufo – Deutsche Welle 30.12.2015
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