Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
"Não
há nada intrinsecamente democrático no capitalismo...", expressa Ferro
Rodrigues, presidente da Assembleia da República, no prefácio ao livro
"Segurança Social - Defender a Democracia" (Bertrand Editora, 2016).
Aquilo que se conseguiu de "democratização do capitalismo" foi, é e
será resultado de intensas e prolongadas lutas dos trabalhadores e dos povos. Pessoalmente, considero que, de forma contínua, o capitalismo está em choque
com a democracia, mas as lutas dentro do sistema contra as suas injustiças e
perversidades, bem como a afirmação de projetos políticos alternativos,
propiciaram extraordinários avanços às sociedades.
Tudo
isso ficou patente na conquista do direito ao trabalho (trabalho com direitos)
e na construção de sistemas de segurança social públicos, universais e
solidários. É tempo de colocarmos na agenda social e política o lugar e o valor
do trabalho, bem como a defesa, a revitalização e a reforma progressiva da
Segurança Social. Tenhamos presentes as profundas relações entre o direito ao
trabalho e o direito a reformas dignas depois de uma vida a trabalhar. Dê-se
por adquirido um outro pressuposto: as contribuições para a Segurança Social
não são um imposto, são parte da retribuição do trabalho. Nesse sentido, pode
dizer-se que fazem parte do salário. As constantes mudanças na economia
implicam também identificar novas fontes de financiamento para a Segurança Social.
O
Sistema de Segurança Social que temos - essencialmente de repartição - enfrenta
três grandes desafios. Primeiro, em resultado de várias reformas de que foi
alvo, a Segurança Social tem sofrido uma contínua erosão que põe em causa um
rendimento digno para os futuros pensionistas. Se não se inverter este rumo,
caminhamos para um sistema público de repartição cada vez mais residual, ao
mesmo tempo que aumentam oportunidades de negócio para o mercado, sobretudo na
sua configuração financeira. Os produtos de poupança/reforma privados, muitas
vezes complexos e arriscados, tornar-se-ão cada vez mais a
"alternativa". Ora, como essa alternativa só é viável para quem tenha
algum rendimento disponível e isso não acontece com grande parte das famílias
portuguesas, há o perigo de se colocar a maioria dos cidadãos dependente de um
sistema público meramente assistencialista e das redes de apoio familiares
prevalecentes em tempos passados de miséria. Segundo, os grandes problemas
relativos ao rumo do país e à sua matriz de desenvolvimento estão por resolver
e isso condiciona imenso o futuro da Segurança Social. Terceiro, felizmente os
portugueses, como todos os povos, estão conscientes de que é possível viver
mais tempo, com mais saúde e com uma vida digna. Por isso, estão dispostos a
investir nesses objetivos. Mas o capital vê aí uma enorme oportunidade de
negócio e procura cravar-lhe as garras.
Como
é assinalado pela economista Maria Clara Murteira, os desafios do
envelhecimento não podem ser tomados de forma isolada, sem se discutir qual o
modelo de regulação macroeconómico. Poderá dizer-se até que a Segurança Social
é uma das matérias cuja análise nos conduz aos debates mais profundos sobre
temas vitais para o modelo de desenvolvimento.
Proliferam
estudos e propaganda que nos apresentam cenários catastróficos sobre a
Segurança Social. É possível, fundamentadamente, demonstrar - no livro atrás
referido isso está claro - que o sistema que temos não está falido e tem
resistido bem a múltiplas dificuldades que as políticas de
"austeridade" lhe causaram. E pode ter futuro.
Discutir
seriamente a Segurança Social obriga a ter em cima da mesa respostas para:
reduzir o desemprego; travar a emigração; tratar do problema demográfico;
combater a precariedade; valorizar o emprego e os salários; incentivar a
solidariedade intergeracional; atacar as desigualdades e a pobreza.
Haja
debate e propostas propiciadores de mais investimento e crescimento económico,
mas simultaneamente estruturem-se compromissos com vista a um novo padrão de redistribuição
do rendimento, condição inelutável para se garantir aos jovens de hoje uma
velhice em nada pior que a dos seus pais e avós. Não falta riqueza!
*Investigador e professor universitário
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