sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O Estado-Maior do Exército dos EUA denuncia a influência dos falcões liberais sobre a Casa Branca



Thierry Meyssan*

Podem os militares influenciar os políticos ou devem contentar-se em obedecer, mesmo quando constatam os erros deles ? Este foi o tema de um célebre artigo do coronel James H. Baker, actual estratega do Pentágono. Este é também o sentido do artigo de Seymour Hersh quanto ao maneira como o Estado-Maior alertou constantemente a Casa Branca a propósito das operações da CIA na Síria, e na Ucrânia. Desde há vários meses, o complexo militar-industrial, o antigo director da DIA, depois o ex-Chefe do Estado-Maior e agora o ex-secretário da Defesa, multiplicam as críticas sobre a política do presidente Obama.

Desde a conferência de Genebra, em junho de 2012, ao Estados Unidos acumulam contradições à vez, quer a propósito da Síria, quer sobre a Ucrânia. Entretanto, o Estado-Maior decidiu lançar fugas de informação quanto à sua posição de maneira a influenciar a Casa Branca.

Contradições e hesitações da Casa Branca

Durante os mandatos de George W. Bush, a Casa Branca queria derrubar a República Árabe Síria e criar uma área de caos na Ucrânia, tal como ela tinha conseguido no Iraque. Tratava-se por um lado da continuação do processo de remodelagem do «Médio Oriente Alargado» e, por outra parte, de cortar as linhas de comunicação terrestre entre o Ocidente por um lado e a Rússia e a China por outro.

Quando Barak Obama lhe sucedeu, foi aconselhado, à vez, por Brent Scowcroft e pelo seu próprio mentor em política, Zbigniew Brzezinski. Os antigos conselheiros de segurança nacional de Jimmy Carter e de Bush pai desconfiavam da teoria “straussiana” do caos. Para eles, o mundo deveria ser organizado segundo o modelo da Paz de Vestfália, quer dizer, em torno de Estados internacionalmente reconhecidos. Tal como Henry Kissinger, eles preconizavam é certo o enfraquecimento dos Estados, de modo a que não pudessem opor-se a hegemonia dos EUA, mas não a sua destruição; por conseguinte utilizavam, de preferência, grupos não-estatais para os seus golpes baixos, mas não entendiam confiar-lhes a gestão de tais territórios.

Quando os falcões liberais, reunidos à volta de Hillary Clinton, de Jeffrey Feltman e de David Petraeus –-um general de salão passado à vida civil---, sabotaram o acordo que a Casa Branca tinha acabado negociar com o Kremlin, e relançaram a guerra na Síria, em julho de 2012, Barack Obama não reagiu. A campanha eleitoral para a presidência nos Estados Unidos estava no auge, e, ele não podia dar-se ao luxo de deixar surgir à luz do dia a desordem que reinava no seio da sua equipa. Estendeu então uma armadilha ao general Petraeus que mandou deter, algemado, no dia seguinte à sua reeleição, depois agradeceu a Hillary Clinton e substituiu-a por John Kerry. Este último seria, de facto, capaz de recolar os cacos com o presidente el-Assad, com o qual mantinha relações de cordialidade. Feltman, quanto a si, estava já na ONU, e parecia delicado demiti-lo de repente.

Seja como fôr, John Kerry deixou-se, de início, persuadir que era demasiado tarde e que a República Árabe Síria não ia durar muito mais. A única coisa que ele podia fazer era evitar ao Presidente el-Assad o fim trágico de Muammar el-Qaddafi, sodomizado à baioneta. A Casa Branca e o Departamento de Estado estavam cegos pelas mentiras da era Bush. Na altura, todos os funcionários foram mobilizados, não mais para analisar e compreender o mundo, mas para, de avanço, justificar os crimes de Washington. Em 2006, o primeiro secretário da embaixada dos E.U. em Damasco, William Roebuck, tinha redigido um relatório que foi tomado à letra: a Síria não era uma república baathista, mas, sim, uma ditadura Alauíta [1]. A Arábia Saudita, o Catar e a Turquia podiam, pois, legitimamente apoiar a maioria sunita da população afim de implantar a «democracia de mercado».

O Presidente Obama permitiu, assim, que a CIA continuasse a sua operação de derrube do regime sírio, sob a cobertura de apoio aos «rebeldes moderados». Grandes tráficos de armas foram organizados, primeiro a partir da Líbia post-Kaddafi, depois da Bulgária de Rossen Plevneliev e Boyko Borissov [2], e mais tarde a partir da Ucrânia post-Yanukovych [3]. Simultaneamente, gabinetes de recrutamento foram abertos em todo o mundo muçulmano para enviar combatentes afim de salvar os sunitas sírios “esmagados pela ditadura Alauíta”.

Azar, terão que admitir, a sério, que a República Árabe da Síria resiste à mais gigantesca coligação da História (114 Estados e 16 organizações internacionais reunidas no seio dos «Amigos da Síria»). Ela consegue isso simplesmente porque nunca foi uma ditadura Alauíta, mas, sim, um regime secular e socialista; os sunitas não são aí massacrados pelo exército, mas, antes pelo contrário, eles constituem a maioria dos soldados que defendem o país face à agressão estrangeira.

Quando os “neocons”, em torno de Victoria Nuland, conseguiram derrubar o regime em Kiev numa golpada de biliões de dólares, em fevereiro de 2014, o presidente Obama viu nisso o resultado merecido de longos anos de esforços. Ele não mediu, de imediato, as consequências desta operação. No seguimento, ele viu-se face a um dilema: ou, deixar o país sem um governo, como um buraco escancarado entre a U. Europeia e a Rússia, ou colocar no poder os soldadinhos da CIA, os nazis e alguns islamitas. Ele escolheu a segunda opção, pensando que os seus serviços encontrariam entre esses mercenários indivíduos capazes de se darem à respeitabilidade. A sequência dos eventos mostrou que isso não aconteceu. Em última análise, enquanto o regime de Viktor Yanukovich, era corrupto, é certo –-mas não mais que os da Moldávia, da Bulgária ou da Geórgia, para não citar senão estes---, o poder actual de Kiev encarna tudo aquilo contra o qual Franklin D. Roosevelt se bateu.

O que pretendem os militares dos E.U.

Enquanto a Casa Branca e o Kremlin acabam de concluir um segundo acordo para a paz no Próximo-Oriente, o jornalista Seymour Hersh publicou, na London Review of Books, uma longa investigação sobre a forma como a Joint Chiefs of Staff (Junta de Chefes de Estado-Maior- ndT) norte-americana, sob a presidência do general Martin Dempsey, resistiu ás ilusões de Barack Obama [4]. Segundo ele, os militares tentaram manter o contacto com os seus homólogos russos, apesar da gestão política da crise ucraniana. Eles terão entregue informações cruciais a alguns dos seus aliados, esperando assim que estes a dessem aos Sírios, mas abstendo-se de qualquer ajuda directa a Damasco. Seymour Hersh deplora que hoje em dia as coisas sejam diferentes depois que o general Joseph Dunford assumiu a presidência da Junta de Estado-Maior.

Nesse artigo, ele afirma que a política da Casa Branca jamais variou em relação a quatro pontos, todos mais absurdos uns que os outros segundo os militares : 

- a insistência quanto à saída do presidente el-Assad ;
- a impossibilidade de criar uma coligação anti-Daesh com a Rússia ;
- a assunção que a Turquia é um aliado estável na guerra contra o terrorismo;
- e a assunção que existiriam realmente forças de oposição moderada aptas para um apoio por parte dos EU.

Recordemos que o secretário da Defesa, Chuck Hagel, foi demitido em fevereiro de 2014 por ter questionado esta política [5]. Ele foi substituído por Ashton Carter, um alto funcionário —antigo colaborador de Condoleezza Rice— conhecido pelo seu faro para os negócios [6].

Em seguida, em outubro de 2014, a Rand Corporation, principal “think tank” do complexo militar-industrial, tomou oficialmente posição em favor do presidente el-Assad. Ela sublinhou que a sua derrota seria irremediavelmente seguida de uma tomada de poder pelos jiadistas, enquanto a sua vitória permitiria estabilizar a região [7].

Em Agosto de 2015, foi a vez do general Michel T. Flynn, antigo director da Defense Intelligence Agency-(DIA)-(Agência de Inteligência da Defesa- ndT), revelar à Al-Jazeera os seus esforços para pôr em alerta a Casa Branca sobre as operações planificadas pela CIA, e aliados de Washington, com os jiadistas. Comentava, na altura, um dos seus relatórios recentemente desclassificados [8] anunciando a criação do Daesh [9].

Finalmente, em Dezembro de 2015, o antigo secretario da Defesa, Chuck Hagel, declarava que a posição da Casa Branca sobre a Síria descredibilizava o presidente Obama [10].

Como os militares tentaram ajudar a Síria

Segundo Hersh, em 2013, o Estado-Maior norte-americano teria dado a conhecer aos seus homólogos sírios as quatro exigências de Washington para mudar de política : 

- a Síria deveria impedir o Hezbolla de atacar Israel ;
- ela deveria retomar as negociações com Israel para acertar a questão do Golã ;
- ela deveria aceitar a presença de conselheiros militares russos ;
- finalmente, ela deveria comprometer-se a proceder a novas eleições no final da guerra autorizando uma larga franja da oposição a participar nas mesmas.

O que surpreende na leitura destas quatro condições, é tanto a completa ausência de conhecimento da política do Próximo-Oriente que têm os militares norte-americanos, como a sua vontade de impôr condições que não são e não serão, portanto, de imediato aceites por Damasco. A menos que se trate de dar sugestões ao presidente el-Assad para que ele consiga fazer evoluir o seu homólogo norte-americano.

- Em primeiro lugar, o Hezbolla é uma rede de resistência à ocupação israelita que foi criada no Líbano em resposta à invasão de 1982. Inicialmente ele não era enquadrado pelos Guardas Revolucionários Iranianos, mesmo se muito deve ao Basidji, mas pelo Exército Árabe Sírio. Ele só se virou para o Irão (Irã-br) depois da retirada do Exército Sírio do Líbano, em 2005. E, ainda, durante a guerra israelo-libanesa de 2006, o ministro da Defesa sírio estava secretamente presente na linha frente para verificar a transferência de material. Actualmente, o Hezbolla xiita e o Exército Árabe Sírio, laico, lutam juntos, tanto no Líbano como na Síria, contra os jiadistas que Israel apoia, ao mesmo tempo a nível aéreo e em matéria de assistência médica.

- De 1995 (Wye River) a 2000 (Genebra), o presidente norte-americano Bill Clinton organizou negociações entre Israel e a Síria. No fim, ficou tudo acordado de forma equitativa, quando ao mesmo tempo a delegação israelita fazia batota escutando as conversas telefónicas entre os presidentes dos E.U. e da Síria [11]. A paz teria podido, e deveria ter sido assinada, se o Primeiro-ministro israelita Ehud Barack não tivesse recuado no último momento, tal como o atesta o presidente Clinton nas suas memórias [12]. Bashar el-Assad retomou, por sua própria iniciativa, negociações indirectas, desta vez, via Turquia. Mas, ele interrompeu-as quando Israel violou grosseiramente o direito internacional abordando, em águas internacionais, a «Flotilha da Liberdade». A Síria quis sempre retomar e concluir estas negociações, é a parte israelita, e só ela, que o recusa.

- Em relação às relações militares entre Damasco e Moscovo, elas remontam ao período soviético e foram mais ou menos interrompidas na época de Boris Yeltsin. Em 2005, Bashar el-Assad dirigiu-se à Rússia para renegociar a dívida contraída com a URSS. Ele ofereceu, então, ao Kremlin 30 km de costa para a ampliação do porto militar de Tartus, mas os Russos, cujo exército estava em plena reorganização, não se interessaram. Antes da Conferência de Genebra (Junho de 2012), o conselheiro de segurança nacional Hassan Tourekmani propôs aos russos colocar «Chapkas azuis» em solo sírio para estabilizar o país. O Kremlin, observando a actuação da CIA e o afluxo de jiadistas de todo o mundo muçulmano, só um pouco mais tarde compreendeu que esta guerra não era mais que um ensaio antes de vir a ser lançada para o Cáucaso. Vladimir Putin declarou a Síria como «assunto interno da Rússia» e assumiu o compromisso de aí colocar o seu exército. Se nada se passou em 2013 e 2014 não foi porque a Rússia tivesse mudado de opinião, mas, porque ela teve que preparar as suas forças, nomeadamente aprontando o desenvolvimento de novas armas.

- Finalmente, a República Árabe da Síria procedeu, em maio de 2014, a uma eleição presidencial qualificada de justa e democrática por todas as embaixadas em Damasco. Foram os Europeus que, em violação da Convenção de Viena, impediram centenas de milhares de refugiados de nelas participar. E, foram sempre eles que convenceram os vários grupos da oposição a não apresentar candidatos. Bashar el-Assad, que ganhou o escrutínio por larga margem, está pronto a colocar o seu mandato em jogo, com antecedência, no final da guerra. Por uma simples votação da Assembleia a República poderá aceitar as candidaturas de Sírios exilados, excepto daqueles que colaboraram com os Irmãos Muçulmanos ou com as suas organizações armadas (al-Qaida, Daesh, etc.).

Os militares dos E.U. não querem ser tomados por neo-conservadores

Precisamente antes de deixar as suas funções, o general Martin Dempsey havia feito nomear o coronel James H. Baker como director do Office of Net Assessment, quer dizer do gabinete encarregado da previsão e da estratégia no Pentágono [13]. Ora, Baker tem a fama de ser ao mesmo tempo correcto, racional e razoável, totalmente ao contrário dos straussianos. Muito embora Seymour Hersh não o cite no seu artigo, crê-se perceber a sua marca na posição do Estado-Maior do exército dos EUA.

Seja como fôr, o artigo de Seymour Hersh atesta a vontade do Estado-Maior dos E.U. de se diferenciar, ao mesmo tempo, tanto da Casa Branca como dos falcões liberais, como o general David Petraeus e John Allen; uma maneira como qualquer outra de salientar que, no contexto actual, o presidente Obama não tem nenhuma razão para prosseguir nas ambiguidades ás quais ele se forçou nestes três últimos anos.

A reter :
- Nos últimos meses, a Rand Corporation (principal “think-tank” do complexo industrial militar), o antigo director da Agência de Inteligência da Defesa (DIA), Michael T. Flynn, o ex-presidente da Junta Chefes de Estado-Maior (JCS- ndT), Martin Dempsey, e o antigo secretário de Defesa, Chuck Hagel, têm questionado as contradições e hesitações da Casa Branca.
- A Inteligência militar dos E.U. contesta a política herdada da era Bush, de confrontação com a Rússia. Ela exige uma colaboração na Síria e na Ucrânia, assim como uma retoma de contrôlo de aliados que são supostos ser a Turquia, a Arábia Saudita e o Catar
- Para os oficiais superiores dos E.U. (1) é preciso apoiar o presidente el-Assad que deve sair vencedor e permanecer no poder; (2) é preciso agir com a Rússia contra o Exército Islâmico(Daesh); (3) é preciso punir a Turquia que não se comporta como um aliado, mas, sim, como um inimigo; (4) Finalmente, é preciso parar de imaginar que existiriam rebeldes sírios moderados e de se esconder atrás desta fantasia para deixar a CIA apoiar estes terroristas.

Thierry Meyssan* - Voltaire.net - Tradução Alva

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

Foto: O antigo director da Defense Intelligence Agency (DIA), Michael T. Flynn, e o antigo presidente da Junta de Chefes de Estado-Maior (JCS), Martin Dempsey, e as suas esposas. Depois de ter cumprido em silêncio, eles não poupam mais suas críticas quanto à influência dos falcões liberais sobre a Casa Branca. Segundo eles, Washington deve agir como um parceiro fiável de Moscovo (Moscou-br) em lugar de multiplicar os golpes sujos na Síria, e na Ucrânia.

Notas
[1] “Influencing the SARG in the end of 2006”, William Roebuck, Cable from the State Department, Wikileaks.
[2] « Mise à jour d’une nouvelle filière de trafic d’armes pour les jihadistes», par Valentin Vasilescu, Traduction Avic, Réseau Voltaire, 24 décembre 2015.
[3] « Le Qatar et l’Ukraine viennent de fournir des Pechora-2D à Daesh », par Andrey Fomin, Oriental Review (Russie), Réseau Voltaire, 22 novembre 2015. “Como o Catar preparou o bombardeio de um acampamento do Exército Sírio”, Andrey Fomin, Tradução Alva, Oriental Review (Rússia),Rede Voltaire, 13 de Dezembro de 2015.
[4] “Military to Military. US intelligence sharing in the Syrian war” («De Militares para Militares. Partilha de Inteligência Americana na Guerra da Síria»- ndT), Seymour M. Hersh, London Review of Books, Vol. 38, No. 1, January 7, 2016.
[5] “Obama, ainda tem uma política militar?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria), Rede Voltaire, 1 de Dezembro de 2014.
[6] “Ash Carter rodeia-se de uma equipa da SDB Advisors”, Tradução Alva,Rede Voltaire, 28 de Dezembro de 2014.
[7Alternative Futures for Syria. Regional Implications and Challenges for the United States («Alternativas Futuras para a Síria. Implicações Regionais e Desafios para os Estados Unidos»- ndT), Andrew M. Liepman, Brian Nichiporuk, Jason Killmeyer, Rand Corporation, October 22, 2014.
[8Declassified Report on jihadists in Iraq and Syria, Defense Intelligence Agency, (documento desclassificado, em inglês), 12 agosto de 2012.
[9] « Le renseignement militaire états-unien et la Syrie », par W. Patrick Lang, Centre français de recherche sur le renseignement (CF2R), Réseau Voltaire, 21 décembre 2015.
[10] “Hagel: The White House tried to destroy me” («C. Hagel : A Casa Branca tentou destruir-me»- ndT), Dan de Luce, Foreign Policy, December 18, 2015.
[11] Cursed Victory: A History of Israel and the Occupied Territories(«Vitória amaldiçoada : a história de Israel e os territórios ocupados»- ndT), Ahron Bregman, Penguin, 2014 (Tradução disponível unicamente em alemão).
[12] My Life, Bill Clinton, Knopf Publishing Group, 2004.
[13] “Ashton Carter nomeia o novo estratega do Pentágono”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 23 de Maio de 2015.

QUEM COMERCIALIZA O PETRÓLEO ROUBADO PELO DAESH?



No seguimento das provas fornecidas pelo Estado-maior russo atestando a implicação do Estado turco na comercialização de petróleo roubado pelo Daesh [1], as autoridades maltesas iniciaram uma investigação sobre os barcos do grupo BMZ, de Necmettin Bilal Erdoğan, que arvoram todos o pavilhão maltês.

Parece que esses navios (Mecid Aslanov, Begim Aslanova, Poeta Qabil, Armada Brisa e Shovket Alekperova) foram todos comprados a uma das numerosas filiais maltesas da Palmali Sipping & Agency JSC, cuja sede está localizada em Istambul (Turquia).

Ora, num artigo da Rede Voltaire, datado de Junho de 2014, e numa crónica de Mikhail Leontiev para o Primeiro canal de televisão russo, de Novembro de 2015, Thierry Meyssan afirmava que o proprietário desta empresa, o bilionário turco-azeri Mubariz Mansimov-Gurbanoğlu (foto), organizara a colocação no mercado do petróleo roubado pelo Daesh [2]; uma responsabilidade, que ele teria mantido até à votação, em fevereiro de 2015, pelo Conselho de Segurança, da Resolução 2199 proibindo o comércio com organizações terroristas, depois transferida para a família Erdoğan [3].

No mesmo artigo, Thierry Meyssan acusava explicitamente a Exxon-Mobil de comprar esse petróleo a Mubariz Mansimov-Gurbanoğlu e de o escoar ; uma segunda imputação até ao momento não retomada pelos média(mídia-br) internacionais. Além disso, em várias ocasiões, ele acusou a companhia transnacional Exxon-Mobil de ser um dos principais apoios, financeiro e militar, do Daesh [4].

As autoridades maltesas buscam, pois, saber se Mubariz Mansimov-Gurbanoğlu parou realmente de trabalhar com o Daesh, ou se ele, simplesmente, repartiu o negócio com a família Erdoğan.

Ainda de acordo com Thierry Meyssan, o Mecid Aslanov(agora propriedade de Necmettin Bilal Erdoğan) descarregou petróleo roubado pelo Daesh, em Fos-sur-Mer (França), em Novembro de 2015, o que invalidaria as declarações públicas do presidente François Hollande contra a organização terrorista [5]. Ele declarou também que não só a França, mas Chipre, Israel, Itália e a Ucrânia utilizam actualmente petróleo roubado pelo Daesh.

“Maltese ships owned by Turkish president’s son being implicated in ISIS oil trade”(«Navios Malteses detidos pelo filho do presidente Turco estão implicados no comércio de petróleo do DAESH»- ndT), David Lindsay,Malta Independent, December 13, 2015.

Voltaire.net - Tradução Alva

Notas
[1] « La Russie expose les preuves du trafic de pétrole de Daesh via la Turquie », par Valentin Vasilescu, Traduction Avic, Réseau Voltaire, 3 décembre 2015.
[2] “Jihadismo e indústria petrolífera”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria), Rede Voltaire, 23 de Junho de 2014. « Аналитическая программа "Однако" с Михаилом Леонтьевым », Михаи́л Лео́нтьев ,1tv (Россия), Сеть Вольтер, 30 ноября 2015.
[3] “O papel da família Erdoğan no seio do Daesh”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 3 de Agosto de 2015.
[4] « Exxon-Mobil, fournisseur officiel de l’Empire » («Exxon-Mobil, fornecedora oficial do Império». ndT), par Arthur Lepic, Réseau Voltaire, 26 août 2004.
[5] “As operações militares que se preparam na Síria e arredores”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 14 de Dezembro de 2015.

Plenitude nas ruínas: fotos revelam tragédia armênia e 'vazio' na Turquia pós-genocídio



Patrícia Dichtchekenian - São Paulo – Opera Mundi

Brasileiro Stepan Norair Chahinian lança livro em que compila imagens que trazem as reminiscências do passado e a reivindicação do presente. O brasileiro e descendente de armênios Stepan Norair Chahinian precisou passar uma temporada na Armênia e na Síria antes de enfrentar o que seria um destino inexorável e fundamental em sua jornada para conhecer a trajetória de seus familiares: a Turquia.

Os encontros e desencontros, acasos dignos de um roteiro de um drama de Ingmar Bergman e as longas conversas com as pedras que compõem as ruínas armênias no atual território turco renderam o livro “O Poder do Vazio” (Ed. Aras), fruto de idas e vindas entre 2012 e 2015 ao país.

Com quase 150 fotos, a compilação teve lançamento mundial em Istambul, não por coincidência no dia 24 de abril deste ano, data em que os armênios recordaram o centenário do genocídio realizado pelos turcos que resultou na morte de 1,5 milhões de pessoas.

“A maioria dos espaços armênios hoje está vazio na Turquia. Fui atrás dos espaços que outrora eram habitados. Só que dentro de todo esse vazio - uma igreja vazia, uma escola vazia, uma casa vazia, eu senti muita energia”, conta Norair em entrevista a Opera Mundi.  “Tive muito contato com as pedras: de encostar nelas, trocar a energia, fechar os olhos e tentar entender o que aconteceu ali, tentar ouvir os gritos de desespero, os choros, as rezas”.

De fato, as fotografias de Norair – que se alternam entre uma Rolleiflex do seu avô e uma moderna Nikon D700 – retratam as várias margens e camadas das montanhas da Anatolia, que escondem uma história perdida e negligenciada pela nação. E, por trás de cada casa destruída e em meio às ruínas dos monastérios e das escolas, há uma espécie de resistência invisível, de positividade no vazio que, do passado, se faz presente.

“Eu criei mesmo uma relação de amizade com essas pedras. Elas me deram muita força. Parecem vazias, mas são poderosas e têm muita informação para quem quiser ouvi-las. É uma relação que eu desenvolvi com o espaço. No fim, não está vazio, mas cheio de detalhes. E é preciso estar atento a eles”, sintetiza o paulistano de 36 anos.

Acasos e coincidências

Para além de Istambul, grande parte da viagem de Chahinian se concentrou na porção sudeste da Turquia, também região considerada pelos sobreviventes do genocídio como “Armênia Ocidental”, devido à forte presença de uma comunidade armênia que floresceu no local (embora seja distante de onde se formou propriamente o atual Estado armênio).

Nesses arredores, mais precisamente na cidade de Urfa, o arquiteto apaixonado por fotografia teve uma das suas experiências mais surpreendentes. Certo dia, ele se hospedou em um hotel que sabia pertencer à família Der Bedrossian, de sua avó materna Anahid. Entretanto, o que não esperava é que, dentro do quarto em que se alojou, descobriu, por acaso, uma mensagem na parede assinada por Bedros, irmão de seu bisavô, que a escreveu em armênio em meio às perseguições turcas

“Escrevi isso em 1922 na casa de Nishan, onde fiquei 25 dias. Agora me vou, adeus amigos. Aquele que ler Bedros que se lembre de mim. Yan”, escrevera seu tio-bisavô nas inscrições na pedra. Dos 35 membros da família, apenas Bedros e o bisavô do fotógrafo, Haroutiun, 

Norair sempre se arrepia quando conta essa história e a capa do livro, não por acaso, estampa a imagem da pedra lapidada às pressas por Bedros. Por muito tempo, a casa de sua família em Urfa ficou sob cuidados de famílias turcas.

“Quando visitei, uma senhora turca que cuidava de lá me disse que sempre soube que era uma casa de armênios e que só armênios sabiam construir lares daquele jeito. Ela tinha encontrado a mensagem na pedra, mas preferiu deixar como estava pois, segundo ela, esperava que um dia os familiares aparecessem”, conta.

Outra coincidência de Norair ao longo de sua jornada ocorreu quando ele conheceu, em uma das idas à Turquia em abril de 2014, os irmãos Vazken e Hagop Giragosyan, de 80 e 86 anos. Durante anos, eles viveram em Kessab, cidade de maioria armênia na Síria. Como no início do ano passado tropas sírias haviam ocupado a região e expulsado de lá seus habitantes, os irmãos foram deslocados até Vakifli, último vilarejo 100% armênio na Turquia.

Contudo, nas conversas com os irmãos, o arquiteto paulistano descobriu que, entre os anos de 1950 e 1960, Hagop havia sido fotógrafo em Kessab. Por dever do ofício, ele viajava com freqüência a Alepo, onde visitava uma loja de materiais fotográficos de Avedis, o avô de Norair que, décadas depois, presenteou o neto com a sua Rolleiflex e com a sua paixão por fotografia.

Projetos pela Turquia

“O grande público que eu quero atingir é justamente o turco, que não conhece essa história e que começou tudo isso”, afirma Norair. Segundo o paulistano, pouco após o lançamento do livro, ele foi preso pelas autoridades turcas e, em seguida, deportado.

“Eu tive muitos momentos emocionantes na Turquia, mas por mais que eu tenha encontrado histórias fascinantes, para cada bom encontro eu tinha que passar por dez pessoas em quem eu não confiava. O processo na Turquia de contato com as pessoas era sempre muito tenso. Tinha medo de encontrar um fascista que me mataria na hora se eu falasse que era armênio”, conta.

Apesar da detenção, Norair entrou recentemente no país do presidente Recep Erdogan mais uma vez para participar de um festival de fotografias de guerra e de direitos humanos. Ele também não descarta futuras visitas, sobretudo para manter vivo o legado de seu principal guia espiritual nesta jornada: Sarkis Seropian.

Responsável por passar as coordenadas e indicar as melhores fontes para Norair em sua visita à “Armênia Histórica”, Sarkis era editor de Agos, jornal armênio difundido em Istambul e escrito também em turco e inglês. A publicação foi fundada em 1996 pelo jornalista Hrant Dink, que foi assassinado na saída da sede do veículo em 2007, por denunciar o negacionismo das autoridades turcas em relação ao genocídio armênio.

"Sarkis faleceu 10 dias antes de o livro ficar pronto. Eu fui visitá-lo no hospital quando fiquei sabendo que ele estava doente. Acredito que ele passou o bastão para mim: ele sempre me dizia que o trabalho que eu estava fazendo era o que ele sempre queria fazer, mas estava muito velho para isso. 'Que bom que você apareceu', ele me disse certa vez - 'e eu vou te ajudar'".

Na foto: Cenários de antigos lares armênios em territórios turcos: ausência /  Stepan Norair Chahinian

Serviço
'O Poder do Vazio - Conversando com pedras na Armênia Histórica'
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Leia mais em Opera Mundi

EXCLUSÃO SOCIAL. UM MAPA DAS PESSOAS AMEAÇADAS PELA POBREZA NA EUROPA



A estratégia Europa 2020 da União Europeia para o desenvolvimento tem como objetivo, entre outros, salvar da pobreza até 2020 pelo menos 20 milhões de pessoas ameaçadas pela exclusão social. No momento em que a estratégia foi lançada, em 2009, 117 milhões de europeus estavam em risco de pobreza.

Este mapa mostra a percentagem de cidadãos europeus ameaçados em 2013 em diferentes regiões da Europa. As regiões a azul são aquelas em que o número de pessoas ameaçadas pela pobreza está em conformidade com os objetivos previstos pela estratégia Europe 2020. Quanto mais escura for a cor, menos elevado é o risco. As regiões a vermelho são as que ainda estão longe de atingir os objetivos. Quanto mais escura for a cor, mais os habitantes correm o risco de exclusão social. O vermelho escuro indica uma percentagem igual ou superior a 29%. As zonas onde a tendência é positiva são contíguas e cobrem praticamente a Europa central e do norte (à exceção notável das ilhas britânicas). A situação é mais difícil na Europa oriental e mediterrânea, ainda que em Itália e em Espanha existam diferenças regionais muito acentuadas.

Este mapa baseia-se nos dados do Eurostat ed e foi publicado no passado mês de maio pelo BBSR, o Bundesinstitut für Bau-, Stadt- und Raumforschung, uma instituição alemã que realiza estudos geográficos e urbanísticos.

VoxEurop – 24 de Julho 2015 - integrado nos 10 artigos mais lidos em 2015

França. A LONGA HISTÓRIA DE UM MASSACRE ESQUECIDO



Há 50 anos, cerca de 100 a 200 argelinos que se manifestavam pacificamente em Paris foram assassinados pelas forças policiais. Ocultado durante muito tempo pelo poder, este 17 de outubro de 1961 integra progressivamente a memória coletiva.


Durante as décadas de 1970 e 1980, a lembrança de 17 de outubro de 1961 esteve envolta numa espessa mortalha. Quem se lembra ainda daquele dia de outono em que homens, mulheres e crianças que se manifestavam em família, desarmados, nas ruas de Paris, foram mortos à coronhada pela polícia, lançados vivos ao Sena, enforcados em árvores?

“Depois do século XIX, esta foi uma das raras vezes em que a polícia atirou contra operários, em Paris”, afirma o historiador Benjamin Stora. Nas semanas seguintes, dezenas de cadáveres de argelinos com rostos tumefactos foram retirados do Sena. Benjamin Stora supõe que a repressão fez uma centena de mortos, o historiador inglês Jim House pensa que, “no mínimo”, os mortos foram 120 ou 130, Jean-Luc Einaudi, autor de La Bataille de Paris [A Batalha de Paris], diz que foram mais de 150. Nesse dia, os “franceses muçulmanos da Argélia”, convocados pela federação de França da FLN, manifestaram-se contra o recolher obrigatório que lhes tinha sido imposto pelo diretor da polícia de Paris, Maurice Papon. Habitualmente confinados aos bairros de lata dos subúrbios, mais de 20 mil homens, mulheres e crianças desfilaram, então, pacificamente pelas ruas do Quartier Latin, pelas grandes avenidas e próximo dos Campos Elísios.

A violência da polícia foi inaudita: os agentes esperaram-nos nas saídas do metro e nas ruas para os espancarem e insultarem. “Aos mais fracos, aos que já estavam cheios de sangue, batiam-lhe até à morte, eu vi”, contou Saad Ouazen em 1997. Apesar de não terem oposto a mínima resistência, dezenas de manifestantes foram mortos a tiro, outros foram afogados no Sena. Ao todo, mais de onze mil argelinos foram presos e levados para o Palácio dos desportos e para o estádio Pierre-de-Coubertin. Mantidos durante vários dias em condições de higiene assustadoras, foram violentamente espancados pela polícia, que lhes chamava “porcos árabes” e “ratos”. No Palácio dos desportos, os detidos, aterrorizados, nem sequer ousavam ir à casa de banho, porque a maioria dos que ali iam era morta. Na manhã do dia seguinte, a polícia contava oficialmente três mortos – dois argelinos e um francês da metrópole. A mentira instala-se. O silêncio depressa a cobre. Perdurará por mais de 20 anos.

Uma campanha de dissimulação

Esta longa ausência, nas consciências, do massacre de 17 de outubro não surpreende Benjamin Stora. “Nessa altura havia [em França] um imenso desconhecimento daquilo a que chamamos o indígena ou o imigrante, ou seja, o outro. Quando se tem esta perceção do mundo, como é que alguém se interessa pelos imigrantes que vivem nos bairros de lata da região parisiense? Os argelinos eram os “invisíveis” da sociedade francesa. A esta indiferença de opinião junta-se, nos meses que se seguiram ao 17 de outubro, uma campanha de dissimulação lavada a cabo pelos poderes públicos. Os relatos que põem em causa a versão oficial são censurados. A amnistia que acompanha a independência da Argélia, em 1962, sela, depois, o silêncio da sociedade francesa: todas as queixas foram arquivadas. Apesar do silêncio, a memória do 17 de outubro sobrevive aqui e ali, fragmentada, explosiva, subterrânea. Continua viva, evidentemente, entre os imigrantes argelinos da região parisiense. “Esses homens conversavam entre si, mas a maior parte deles não transmitiu essa recordação dos acontecimentos aos seus filhos. Na década de 1980, sabem que os seus filhos ficarão em França e têm medo de lhes comprometer o futuro contando-lhe a violência policial a que foram submetidos”, explica o historiador inglês Jim House. Foi necessária a chegada à idade adulta desta segunda geração de imigração argelina para agitar profundamente a paisagem da memória. Estes jovens frequentaram a escola da República, são eleitores e cidadãos franceses, mas intuem que os preconceitos e os olhares desconfiados de  que são vítimas estão ligados à guerra da Argélia. Pouco a pouco, a memória desperta: na década de 1980, Jean-Luc Einaudi inicia um imenso trabalho de investigação. Quando o seu livro sai, no ano do trigésimo aniversário do 17 de outubro, provoca choque: La Bataille de Paris [A Batalha de Paris], que descreve hora a hora o desenrolar dos acontecimentos e o silêncio que se lhe seguiu, gera o debate sobre a repressão contra os argelinos.

O Estado nunca reconheceu o massacre

Com este livro e alguns outros, a memória do 17 de outubro de 1961 começa a entrar no espaço público. Dois documentários vêm, depois, alimentar a recordação do 17 de outubro: Le Silence du Fleuve [O Silêncio do Rio], de Agnès Denis e Mehdi Lallaoui, em 1991, e Une Journée Portée Disparue [Um Dia Perdido], de Philip Brooks e Alan Hayling. No entanto, as autoridades da época mantiveram a versão oficial. Depois dos historiadores e dos militantes da memória, é a justiça que entra em cena: durante o processo do antigo responsável de Vichy, em 1997, em Bordéus, os juízes debruçam-se longamente sobre o 17 de outubro de 1961. Confrontado com Jean-Luc Einaudi, o ex-diretor da polícia acaba por admitir “quinze ou vinte mortos” durante esse “infeliz dia”, mas atribui-os a ajustes de contas entre os argelinos.

Pela primeira vez, o poder faz um gesto: o primeiro-ministro, Lionel Jospin, abre os arquivos. Baseando-se unicamente no registo de entrada do instituto médico-legal – a maior parte dos arquivos da polícia e da brigada fluvial desapareceram misteriosamente –, conclui, em 1998, que houve pelo menos 32 mortos. Dois anos mais tarde, Maurice Papon decide processar Jean-Luc Einaudi por difamação. Desta vez, Papon admite que houve 30 mortos, mas o tribunal não lhe dá razão: prestando homenagem ao caráter “sério, pertinente e completo” do trabalho de Jean-Luc Einaudi, os juízes concluem que “alguns membros das forças da ordem, relativamente numerosos, agiram com violência extrema, sob o império de uma vontade de represálias”. A versão oficial do 17 de outubro está agora desfeita. Chegou o tempo da comemoração. Por altura do 40º aniversário, em 2001, o presidente do município de Paris, Bertrand Delanoë, colocou na ponte Saint-Michel uma placa “em memória dos muitos argelinos mortos durante a sangrenta repressão da manifestação pacífica de 17 de outubro de 1961”. Na região parisiense, cerca de 20 placas lembram, agora, à memória coletiva, esses dias de outono. O quebra-cabeças da memória coletiva acabou por se refazer mas, para muitos, ainda falta uma peça: o reconhecimento do Estado. [O site Mediapart, lançou, com esse intuito, a 12 de outubro, um apelo ao reconhecimento oficial da tragédia de 17 de outubro de 1961, em Paris

Le Monde, Paris, em VoxEurop - Na foto: "Aqui afogaram os argelinos". Quarteirão Conti, em Paris, alguns dias após o massacre de 17 de outubro de 1961. - Jean Texier

2016, O ANO DA SAÍDA LIMPA



Rosário Gamboa* – Jornal de Notícias, opinião

O que queremos de "novo" neste ano que começa? Vale a pena sonhar, ou a "realidade" de que nos falava o presidente da República será sempre mais forte que as ideias?

A história é feita de convulsões entre a realidade - como conjuntura dominante - e as ideias que procuram transformá-la, segundo uma dialética complexa, que longe de qualquer ordem moral nem sempre se processa pelo caminho dos valores que dão corpo aos ideais iluministas fundadores da Europa democrática dos direitos humanos.

Mas há conquistas indiscutíveis. Há, acima de tudo, uma população mais letrada, informada e consciente dos direitos a que deve aspirar, que sabe que a realidade, ainda que violenta e sem razão moral, não é algo transcendente que fatalmente tenhamos de aceitar, mas uma construção humana.

O horizonte da política, no seu veio mais simples e puro, ancora aqui. São as nossas decisões e escolhas que fazem o futuro e, por isso, não nos podemos delas demitir.

Desejo, assim, que 2016 seja o ano da saída limpa. Não porque os problemas deixaram de existir - a dívida, o desemprego, a regulação transnacional com suas regras e atores... Mas porque os enfrentamos com determinação, e conhecimento; porque fomos capazes de construir propostas novas com sentido, mobilizadoras da vontade coletiva; propostas claras que não atirem para debaixo do tapete o lixo inconveniente.

Estamos cansados de sermos afastados das verdadeiras decisões; de percebermos que por detrás duma solução bem anunciada se encontrava encoberto um mar de detritos. Estamos cansados de gente cansada que, a pretexto de uma má gestão, se demite de assistir a um doente, a um aluno, relegando para o domínio sombrio do "não tenho culpa" a consciência ética e crítica que fazem a vida pessoal e pública.

Será limpa a saída de 2016, se o reino obscuro da "realidade" for desembaciado em nome do direito de todos a uma informação criteriosa que mobilize a escolha. Se as regras de distribuição de um Orçamento do Estado parco forem feitas com transparência, sem reforços e subterfúgios ocultos e as apostas nele inseridas conduzam a um caminho desejado de reformas, discutido e maioritariamente partilhado.

*Presidente do Instituto Politécnico do Porto

NO ANO PASSADO



Já repararam como é bom dizer "o ano passado"? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem...Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse "tudo" se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraodinária sensação de alívio, como só se poderiam sentir as almas desencarnadas. Mas no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente, no último dia do ano passado deparei com um despacho da Associeted Press em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do Ano Novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte:

"Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados".

Ótimo! O meu ímpeto, modesto mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a Polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos...

Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado.

Morri? Não. Ressuscitei. Que isto da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenômeno de morte e ressurreição - morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova.

Mario Quintana, em Pensador

O QUE SE PASSA NO PÁGINA GLOBAL? NADA, TEMOS ESTADO NA SORNA E NA FESTA!



Os leitores habituais do Página Global já deram pela escassez e falta de pontualidade das nossas habituais publicações quotidiana, alguns mails que recebemos são prova disso e do interesse e estima que nos guardam. A todos esses(as) amigos(as) agradecemos imenso as suas presenças traduzidas nas suas visitas, assim como a amizade que nos revelam.

O que se passa? - perguntam.

Respondemos: Nada de especial, só que temos estado e ainda estamos na sorna, aproveitando este período de festas natalícias e de inicio de ano novo. Este período de sorna está a acabar, tudo voltará ao normal durante a próxima semana, a partir de segunda-feira (4).

Também é verdade que os autores que constituem o Página Global têm escasseado na matéria que habitualmente produzem para publicação. Certamente devido às chamadas "festas". Sosseguem, tudo voltará ao normal em breve. Além disso podemos sempre utilizar umas quantas prosas de opinião e de notícias compiladas, como habitualmente fazemos. Isso em vez do "vazio" destes últimos dias.

Aproveitando esta oportunudade e espaço mais que propício, em nome do coletivo PG, desejamos que 2016 seja um ano com menos dificuldades de sobrevivência +para todos os nossos amigos, nos países da lusofonia e no mundo. Antevemos que não será um ano muito melhor mas mesmo assim expressamos o que desejamos para todos.

Muito agradecidos pelo vosso interesse, as vossas visitas, atenções e amizade que nos dedicam.

Tenham muita saúde e sejam o mais felizes possível.

MM / PG

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