quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Portugal. PARA QUE NÃO PERCAM AS CASAS



Paula Santos – Expresso, opinião

Nos últimos anos, decorrente da política de empobrecimento e exploração prosseguida por PSD e CDS, inúmeras famílias perderam ou podem ainda vir a perder as suas casas. Inúmeras famílias vivenciaram e vivem situações absolutamente dramáticas, para as quais foram atiradas. É que depois de perderem tudo, o seu emprego, os rendimentos, as condições de vida, ainda lhes tiram a casa.

Milhares e milhares de famílias para resolver o seu problema de habitação foram empurradas para a aquisição de habitação com recurso a crédito. Endividaram-se para a vida.

O desemprego, os cortes nos salários, nas pensões e prestações sociais, o encerramento de milhares de micro, pequenas e médias empresas, em resultado da política imposta pelo governo PSD/CDS conduziu à degradação das condições económicas e sociais de muitas famílias, muitas até situações extremas de falência ou insolvência, em que nem sequer têm condições para assegurar necessidades básicas e mínimas de dignidade. E como se isso não bastasse e não fosse já suficientemente penalizador, procede-se à penhora e execução da hipoteca das suas habitações.

A perda da habitação só contribui para agravar a já difícil situação em que se encontravam.

Entre defender os direitos elementares das famílias e condições de vida dignas e os interesses dos credores, em especial da banca, a legislação em vigor opta pela salvaguarda dos credores e que PSD e CDS impediram que se alterasse na anterior legislatura. Não é justo que assim seja, quando muitas famílias não conseguem cumprir com as responsabilidades que assumiram devido às medidas económicas e sociais impostas por PSD e CDS.

Imensos relatos e denúncias revelam que foi o próprio governo PSD/CDS procedeu a execuções fiscais que conduziram à perda de habitação, para o pagamento de dívidas de montantes bem inferiores ao valor do imóvel, por vezes na ordem dos mil ou dois mil euros, sem sequer procurar uma solução alternativa.

É fundamental que de uma vez por todas se encare este problema de frente e que se altere o quadro legal em vigor, para impedir que as famílias percam as suas casas.

Foi com este objetivo que o PCP avançou com duas iniciativas legislativas que serão debatidas esta semana na Assembleia da República: uma iniciativa propõe a suspensão das penhoras e vendas dos imóveis que sejam habitação própria e permanente no âmbito de processos de execução fiscal e determina-se um regime de impenhorabilidade relativa da habitação própria e permanente, a aprovar em lei especial; e a outra iniciativa fixa as condições desse regime de impenhorabilidade relativa dos imóveis que constituam habitação própria e permanente dos executados.

De entre as propostas apresentadas destaca-se a eliminação da possibilidade de penhora ou execução de hipoteca sobre a habitação quando comprovadamente o agregado familiar não dispõe de rendimentos que permitam garantir a sua subsistência.

É essencial assegurar o direito à habitação e as condições de vida dignas. E tal passa também pela preservação da habitação própria e permanente das famílias, sobretudo quando já não lhes resta mais nada.

O MILAGRE OU A VIDA



José Goulão – Mundo Cão

Todos os anos o ano começa assim, com o dia internacional da paz: muita paz, muito amor, muita esperança, este ano houve até quem desejasse menos terrorismo. Os governantes e até os que os governam fazem discursos bonitos, prometem que agora é que vai ser, mais justiça, mais igualdade, mais trabalho pela paz, enfim uma vida nova e redentora.

Amanhã, como sabemos, tudo está na mesma, provavelmente um pouco pior. As mesmas guerras e mais algumas, a via-sacra dos refugiados a fugir do martírio e a esbarrar nas barreiras e cercas que os esmagam, direitos sociais e humanos dos cidadãos e das famílias em degradação contínua, as esperanças concretizadas representando uma ínfima parcela das malfeitorias cometidas.

O Papa fala, apela, e as suas mensagens entram por um ouvido e saem pelo outro não apenas dos malvados dos senhores da guerra, sabendo nós muito bem que estes não são apenas os bandidos armados que combatem pelas suas quintas, pelas suas regiões, pelo leilão dos bens que a natureza colocou na sua zona de influência, mas são-no também, e com acrescidas responsabilidades, os generais e chefes políticos da NATO e outras natos, que hipocritamente fazem da invocação de defender a arte de matar e a destreza de conquistar.

O ano novo começou igualzinho ao ano velho porque por muito bem-intencionados que todos sejamos, incluindo, nestas horas, todos os senhores da guerra, não é fazendo votos a cada uma de uma dúzia de passas engolidas, mudando de calendário e de agenda que o mundo se despovoa da cáfila de malfeitores que o destroem ora governando-o, ora apropriando-se em privado dos bens que são de todos, ora organizando as pessoas em exércitos e rebanhos ao serviço de interesses que não dizem respeito a cada individualidade que os compõe, ora poluindo-o enquanto asseguram que o irão despoluir com resultados que poderão talvez ser observados a partir de 2050, quem viver verá.

Acreditar que cada novo ano é capaz de trazer a paz é o mesmo que passar a vida inteira à espera de um milagre sabendo que milagres não existem, a não ser os que forem obra de cada um de nós. E se for juntando forças, ideias e convicções, tanto melhor. Isso não acontecerá num dia em que mudar o ano ou num dia internacional de qualquer coisa, mas sim quando finalmente existirem as forças e condições para nos vermos livres dos famosos donos disto tudo. Impossível? Impossíveis são os milagres: isto podemos tentar. É a escolha entre o milagre e a vida, entre a espera inútil e a acção capaz de produzir efeitos, até quando menos se espera.

A Esquerda do futuro: uma sociologia das emergências



A máquina fatal do neoliberalismo continua a produzir medo em larga escala. As esquerdas são a areia que pode emperrar essa engrenagem.

Boaventura de Sousa Santos – Carta Maior

O futuro da esquerda não é mais difícil de prever que qualquer outro fato social. A melhor maneira de o abordar é fazer o que designo por sociologia das emergências. Consiste esta em dar atenção especial a alguns sinais do presente por ver neles tendências ou embriões do que pode vir a ser decisivo no futuro. Neste texto, dou especial atenção a um facto que, por ser incomum, pode sinalizar algo de novo e importante. Refiro-me aos pactos entre diferentes partidos de esquerda.

Os Pactos

A família das esquerdas não tem uma forte tradição de pactos. Alguns ramos desta família têm mais tradição de pactos com a direita do que com outros ramos da família.  Dir-se-ia que as divergências internas na família das esquerdas são parte do seu código genético, tão constantes têm sido ao longo dos últimos duzentos anos. Por razões óbvias, as divergências têm sido mais extensas ou mais notórias em democracia. A polarização vai por vezes ao ponto de um ramo da família não reconhecer sequer que o outro ramo pertence à mesma família. Pelo contrário, em períodos de ditadura têm sido frequentes os entendimentos, ainda que terminem mal termina o período ditatorial.  À luz desta história, merece uma reflexão o facto de em tempos recentes termos vindo assistir a um movimento pactista entre diferentes ramos das esquerdas em países democráticos. A Europa do Sul é um bom exemplo: a unidade em volta do Syriza na Grécia, apesar de todas as vicissitudes e dificuldades; o governo liderado pelo Partido Socialista em Portugal com o apoio do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda no rescaldo das eleições de  4 de Outubro de 2015; alguns governos autonómicos em Espanha, saídos das eleições de 2015  e, no momento em que escrevo, a discussão sobre a possibilidade de um pacto a nível nacional entre o Partido Socialista, o Podemos e outros partidos de esquerda em resultado das eleições legislativas de 6 de dezembro de 2015. Há sinais de que noutros espaços da Europa e na América Latina  possam vir a surgir num futuro próximo pactos semelhantes.  Duas questões se impõem. Porquê este impulso pactista em democracia? Qual a sua sustentabilidade?

A primeira pergunta tem uma resposta plausível. No caso da Europa do Sul, a agressividade da direita no poder nos últimos cinco anos (tanto a nacional, como a que veste a pele das "instituições europeias") foi tão devastadora para os direitos de cidadania e para a credibilidade do regime democrático que as forças de esquerda começam a ficar convencidas de que as novas ditaduras do século XXI vão surgir sob a forma de democracias de baixíssima intensidade. Serão ditaduras que se apresentam como ditamoles ou democraduras: a governabilidade possível ante a iminência do suposto caos nos tempos difíceis que vivemos, o resultado técnico dos imperativos do mercado e da crise que explica tudo sem precisar de ser, ela própria, explicada. O pacto resulta de uma leitura política de que o que está em causa é a sobrevivência de uma democracia digna do nome e de que as divergências sobre o que tal significa têm agora menos premência do que salvar o que a direita ainda não conseguiu destruir.

A segunda pergunta é mais difícil de responder. Como dizia Espinosa, as pessoas (e eu diria, também as sociedades) regem-se por duas emoções fundamentais: o medo e a esperança. O equilíbrio entre elas é complexo mas precisamos das duas para sobreviver. O medo domina quando as expectativas de futuro são negativas ("isto está mau mas o futuro pode ser pior"); por sua vez, a esperança domina quando as expectativas de futuro são positivas ou quando, pelo menos, o inconformismo com a suposta fatalidade das expectativas negativas é amplamente partilhado. Trinta anos depois do assalto global aos direitos dos trabalhadores; da promoção da desigualdade social e do egoísmo como máximas virtudes sociais; do saque sem precedentes dos recursos naturais e da expulsão de populações inteiras do seus territórios e da destruição ambiental que isso significa; do fomentar da guerra e do terrorismo para criar Estados falhados e tornar as sociedades indefesas perante a espoliação; da imposição mais ou menos negociada de tratados de livre comércio totalmente controlados pelos interesses das empresas multinacionais; da supremacia total do capital financeiro sobre o capital produtivo e sobre vida das pessoas e das comunidades – depois de tudo isto, combinado com a defesa hipócrita da democracia liberal, é plausível concluir que o neoliberalismo é uma máquina imensa de produção de expectativas negativas para que as classes populares não saibam as verdadeiras razões do seu sofrimento, se conformem com o pouco que ainda têm e sejam paralisadas pelo pavor de o perder.

O movimento pactista no interior das esquerdas é o produto de um tempo, o nosso, de predomínio absoluto do medo sobre a esperança. Significará isto que os governos saídos dos pactos serão vítimas do seu êxito? O êxito dos governos pactados à esquerda irá traduzir-se na atenuação do medo e no devolver de alguma esperança às classes populares, ao mostrar, por via de uma governação pragmática e inteligente, que o direito a ter direitos é uma conquista civilizacional irreversível. Será que, no momento em que voltar a luzir a esperança, as divergências voltarão à superfície e os pactos serão deitados para o lixo? Se tal acontecer, isso será fatal para as classes populares, que rapidamente voltarão ao silenciado desalento perante um fatalismo cruel, tão violento para as grandes maiorias quanto benévolo para as pequeníssimas minorias. Mas será também fatal para as esquerdas no seu conjunto, porque ficará demonstrado durante algumas décadas que as esquerdas são boas para remendar o passado mas não para construir o futuro. Para que tal não aconteça, dois tipos de medidas têm de ser levadas a cabo durante a vigência dos pactos. Duas medidas que não se impõem pela urgência da governação corrente e que, por isso, têm de resultar de vontade política bem determinada. Chamo às duas medidas: Constituição e hegemonia.

Constituição e Hegemonia

A Constituição é o conjunto de reformas constitucionais ou infraconstitucionais que reestruturam o sistema político e as instituições de maneira a prepará-los para possíveis embates com a ditamole e o projecto de democracia de baixíssima intensidade que ela traz consigo. Consoante os países, as reformas serão diferentes, como serão diferentes os mecanismos utilizados. Se nalguns casos é possível reformar a Constituição com base nos parlamentos, noutros será necessário convocar Assembleias Constituintes originárias, dado que os parlamentos seriam o obstáculo maior a qualquer reforma constitucional. Pode também acontecer que, num certo contexto, a "reforma" mais importante seja a defesa activa da Constituição existente mediante uma renovada pedagogia constitucional em todas as áreas de governação. Mas haverá algo comum a todas as reformas: tornar o sistema eleitoral mais representativo e mais transparente; reforçar a democracia representativa com a democracia participativa. Os mais influentes teóricos liberais da democracia representativa reconheceram (e recomendaram) a coexistência ambígua entre duas ideias (contraditórias) que garantem a estabilidade democrática: por um lado, a crença dos cidadãos na sua capacidade e competência para intervir e participar activamente na política; por outro, um exercício passivo dessa competência e dessa capacidade mediante a confiança nas elites governantes. Em tempos recentes, e como mostram os protestos que abalaram muitos países a partir de 2011, a confiança nas elites tem vindo a deteriorar-se sem que, no entanto, o sistema político (pelo seu desenho ou pela sua prática) permita aos cidadãos recuperar a sua capacidade e competência para intervir activamente na vida política. Sistemas eleitorais enviesados, partidocracia, corrupção, crises financeiras manipuladas – eis algumas das razões para a dupla crise de representação ("não nos representam") e de participação ("não merece a pena votar, são todos iguais e nenhum cumpre o que promete"). As reformas constitucionais visarão um duplo objectivo: tornar a democracia representativa mais representativa; complementar a democracia representativa com a democracia participativa. De tais reformas resultará que a formação da agenda política e o controlo do desempenho das políticas públicas deixam de ser um monopólio dos partidos e passam a ser partilhados pelos partidos e por cidadãos independentes organizados democraticamente para o efeito.

O segundo conjunto de reformas é o que designo por hegemonia. Hegemonia é o conjunto de ideias sobre a sociedade e interpretações do mundo e da vida que, por serem altamente partilhadas, inclusivamente pelos grupos sociais que são prejudicados por elas, permitem que as elites políticas, ao apelarem para tais ideias e interpretações, governem mais por consenso do que por coerção, mesmo quando governam contra os interesses objetivos de grupos sociais maioritários. A ideia de que os pobres são pobres por culpa própria é hegemónica quando é defendida, não apenas pelos ricos, mas também pelos pobres e pelas classes populares em geral. Nesse caso são, por exemplo, menores os custos políticos das medidas que visam eliminar ou restringir drasticamente o rendimento social de inserção. A luta pela hegemonia das ideias de sociedade que sustentam o pacto entre as esquerdas é fundamental para a sobrevivência e consistência desse pacto. Essa luta trava-se na educação formal e na promoção da educação popular, nos mídia, no apoio aos mídia alternativos, na investigação científica, na transformação curricular das universidades, nas redes sociais, na actividade cultural, nas organizações e movimentos sociais, na opinião pública e na opinião publicada. Através dela, constroem-se novos sentidos e critérios de avaliação da vida social e da ação política ( a imoralidade do privilégio, da concentração da riqueza e da discriminação racial e sexual; a promoção da solidariedade, dos bens comuns e da diversidade cultural social e económica; a defesa da soberania e da coerência das alianças políticas; a proteção da natureza) que tornam mais difícil a contra-reforma dos ramos reacionários da direita, os primeiros a irromper num momento de fragilidade do pacto. Para que esta luta tenha êxito é preciso impulsionar políticas que, a olho nu, são menos urgentes e menos compensadoras. Se tal não ocorrer, a esperança não sobreviverá ao medo.

As aprendizagens globais

Se algo se pode afirmar com alguma certeza sobre as dificuldades por que estão a passar as forças progressistas na América Latina é que elas assentam no facto de os seus governos não terem enfrentado nem a questão da Constituição nem a questão da hegemonia. No caso do Brasil, este facto é particularmente dramático. Ele explica em parte que os enormes avanços sociais dos governos da era Lula sejam agora tão facilmente reduzidos a meros expedientes populistas e oportunistas, inclusivamente por parte daqueles que deles beneficiaram. Explica também que os muitos erros que cometeram ( foram muitos, a começar pela desistência da reforma política e da regulação dos mídia, e alguns erros deixam feridas abertas em grupos sociais importantes, tão diversos quanto os camponeses sem terra nem reforma agrária, os jovens negros vítimas do racismo, os povos indígenas ilegalmente expulsos dos seus territórios ancestrais, povos indígenas e quilombolas com reservas homologadas mas engavetadas, militarização das periferias das grandes cidades, populações rurais envenenadas por agrotóxicos, etc) não sejam considerados erros, passem em claro e até sejam convertidos em virtudes políticas ou, pelo menos, sejam aceites como consequências inevitáveis de uma governação realista e desenvolvimentista. As tarefas incumpridas da Constituição e da hegemonia explicam ainda que a condenação da tentação capitalista por parte dos governos de esquerda se centre na corrupção e, portanto, na imoralidade e na ilegalidade do capitalismo e não na injustiça sistemática de um sistema de dominação que se pode realizar em perfeito cumprimento da legalidade e da moralidade capitalistas.

A análise das consequências da não resolução das questões da Constituição e da hegemonia é relevante para prever e prevenir o que se pode passar nas próximas décadas, não só na América Latina, como também na Europa e noutras regiões do mundo. Entre as esquerdas latino-americanas e da Europa do Sul tem havido nos últimos vinte anos canais de comunicação importantes que estão ainda por analisar em todas as suas dimensões. Desde o inicio do orçamento participativo em Porto Alegre (1989), várias organizações de esquerda na Europa, Canadá e India (são estas as de que tenho conhecimento) começaram a dar muita atenção às inovações políticas que emergiam no campo das esquerdas em vários países da América Latina. A partir do final da década de 1990, com a intensificação das lutas sociais, a subida ao poder de governos progressistas e as lutas por Assembleias Constituintes, sobretudo no Equador e na Bolívia, tornou-se claro que uma profunda renovação da esquerda estava em curso e da qual havia muito que aprender. Os traços principais dessa renovação eram os seguintes: a democracia participativa articulada com a democracia representativa, uma articulação de que ambas saiam fortalecidas; o intenso protagonismo de movimentos sociais de que o Forum Social Mundial de 2001 foi uma mostra eloquente; uma nova relação entre partidos e movimentos sociais; a entrada saliente na vida política de grupos sociais até então considerados residuais, nomeadamente camponeses sem terra, povos indígenas e povos afro-descendentes; a celebração da diversidade cultural, o reconhecimento do carácter plurinacional dos países e o propósito de enfrentar as insidiosas heranças coloniais sempre presentes. Este elenco é suficiente para evidenciar o quanto as duas lutas a que me tenho estado a referir (a Constituição e a hegemonia) estavam presentes neste vasto movimento que parecia refundar para sempre o pensamento e a prática de esquerda, não só na América Latina, como em todo o mundo.

A crise financeira e política, sobretudo a partir de 2011, e o movimento dos indignados foram os detonadores de novas emergências políticas de esquerda na Europa do Sul em que as lições da América Latina estavam bem presentes, sobretudo a nova relação partido-movimento, a nova articulação entre democracia representativa e democracia participativa, a reforma constitucional e, no caso da Espanha, a questão da plurinacionalidade. O partido espanhol Podemos representa melhor do que qualquer outro esta aprendizagem, ainda que os seus dirigentes tenham estado desde a primeira hora bem conscientes das diferenças substanciais entre o contexto político e geopolítico europeu e o latino-americano.

O modo como essas aprendizagens se vão plasmar no novo ciclo político que está a emergir na Europa do Sul é, por agora, uma incógnita. mas desde já é possível especular o seguinte. Se é verdade que as esquerdas europeias aprenderam com as muitas inovações das esquerdas latino-americanas, não é menos verdade (e trágico) que estas se "esqueceram" das suas próprias inovações e que, de uma ou de outra forma, caíram nas armadilhas da velha política onde as forças de direita facilmente mostram a sua superioridade  dada a longa experiência histórica acumulada.

Se as linhas de comunicação se mantêm nos dias de hoje, e sempre salvaguardando a diferenças dos contextos,  talvez seja  tempo de as esquerdas latino-americanas aprenderem com as inovações que estão a emergir entre as esquerdas da Europa do Sul. Entre elas saliento as seguintes: manter viva a democracia participativa dentro dos próprios partidos de esquerda como condição prévia à sua adoção no sistema politico nacional em articulação com a democracia representativa; pactos entre forças de esquerda (não necessariamente apenas partidos) e nunca com forças de direita; pactos pragmáticos não clientelistas (não se discutem pessoas ou postos de governo mas políticas e medidas de governação), nem de rendição (articulando linhas  vermelhas que não podem ser ultrapassadas com a noção de prioridades, ou, como se dizia dantes, distinguindo as lutas primárias das secundárias); insistência na reforma constitucional para blindar os direitos sociais e tornar o sistema político mais transparente, mais próximo e mais dependente de decisões cidadãs sem ter de esperar por eleições de quatro em quatro anos (reforço do referendum); e, no caso espanhol, tratar democraticamente a questão da plurinacionalidade.

A máquina fatal do neoliberalismo continua a produzir medo em larga escala e, sempre que falta matéria prima, ceifa a esperança que pode encontrar nos recessos mais recônditos da vida política, social das classes populares, tritura-a, processa-a e transforma-a em medo do medo.  As esquerdas  são a areia que pode emperrar essa engrenagem majestática de modo a abrir as brechas por onde a sociologia das emergências fará o seu trabalho de formular e amplificar as tendências, os "ainda não", que apontam para  um futuro digno para as grandes maiorias.  Para isso, é preciso que as esquerdas saibam ter medo sem  ter medo do medo. Saibam furtar rebentos de esperança à trituração neoliberal e plantá-los em terrenos férteis onde cada vez mais cidadãos sintam que podem viver bem,  protegidos, tanto do inferno do caos iminente, como do paraíso das sirenes do consumo obsessivo.  Para que isto aconteça, a condição mínima é que as esquerdas permaneçam firmes nas duas lutas fundamentais, a Constituição e a hegemonia.

Créditos da foto: wikimedia commons

A nova estratégia de negociação comercial do imperialismo



Prabhat Patnaik [*]

OMC tem sido uma arma importante utilizada pelos países avançados a fim de reverter as estruturas que os regimes dirigistas do terceiro mundo, postos em vigor após a descolonização, erigiram para alcançar um certo grau de auto-suficiência. O acordo TRIPS por exemplo, que fortalece o controle total das corporações multinacionais sobre a tecnologia, foi pressionado através da OMC. Mas o mundo capitalista avançado recentemente descobriu uma arma ainda mais forte, a qual consiste em acordos comerciais regionais (ACRs) ou bilaterais como a Parceria Transpacífico ( TPP , na sigla em inglês).

Para eles, a vantagem dos ACRs é que, ao invés de negociações globais multilaterais onde têm de enfrentar um vasto número de países, os quais além disso formam grupos para aumentar a resistência contra esta ou aquela proposta, a pressão pode ser aplicada mais eficazmente e de uma maneira mais concentrada contra o limitado número de países que tipicamente estão envolvidos nas ACRs. Ao invés de negociações envolvendo 162 ministros do Comércio, que foi o número em Nairobi, as ACRs implicam negociações com apenas uma dúzia ou ainda menos. O terceiro mundo, em suma, é fragmentado e as ACRs são negociadas separadamente com estes fragmentos, o que torna muito mais fácil exercer a hegemonia dos países avançados. Portanto, o imperialismo está a comutar dos acordos comerciais multilaterais para acordos comerciais regionais. E nos fóruns multilaterais que continuam a existir está a comutar da procura de acordos grandiosos para a negociação apenas de questões específicas.

Na reunião ministerial de Nairobi, que acaba de terminar, ele abandonou oficialmente o projecto de erigir qualquer grandioso dispositivo de comércio multilateral, acordado globalmente. Ao invés disso, o que aconteceria doravante são negociações para ACRs onde pode facilmente amedrontar o pequeno número de países do terceiro mundo envolvidos, assim como negociações no interior da OMC sobre questões particulares, em que podem ser arrancadas dos países do terceiro mundo sem qualquer espaço para um exigente quid pro quo posterior em alguma outra esfera.

O abandono da Agenda de Desenvolvimento de Doha ( DDA ) , que prometia conciliar as aspirações de desenvolvimento do terceiro mundo num novo esquema de comércio global, está alinhado com esta mudança de estratégia. Não que tenha sido alcançado qualquer progresso real significativo na agenda Doha, mas pelo menos constituiu uma baliza em negociações OMC. Toda rodada de discussões sob a OMC reafirmava o compromisso para com a agenda Doha, mas Nairobi rompeu novo terreno. Sua declaração ministerial é bastante franca ao admitir que "... muitos membros reafirmam a Agenda de Desenvolvimento de Doha... Outros Membros não reafirmam os mandatos de Doha pois acreditam que são necessárias novas abordagens para alcançar resultados significativos em negociações multilaterais...".

O governo dos EUA mantém a posição legal de que se a DDA não for reafirmada, como tem sido em toda reunião ministerial até Nairobi, então está morta. Outros países podem contestar esta opinião, mas o facto é que a DDA não foi reafirmada em Nairobi. E a razão é que o mais poderoso país capitalista quer explicitamente que ela morra.

Os países africanos tinham um interesse particular na reafirmação da DDA e é irónico que o encontro ministerial da OMC efectuado pela primeira vez sobre o solo africano tenha visto as preocupações da África serem tratadas com desprezo. E, também ironicamente, os Estados Unidos foram capazes de deitar a pique a DDA e amuralhar todas as questões levantadas por países do terceiro mundo, induzindo um punhado de países importantes destes últimos a concordarem com a minuta da Declaração a qual foi então imposta sobre os restantes. Dentre este punhado de países infelizmente estava a Índia, a qual anteriormente fizera declarações vigorosas.

Não é sequer que a Índia tenha obtido algumas concessões para si própria enquanto descartava os países pobres do terceiro mundo. Em matérias de preocupação vital para si própria, a Índia retornou de Nairobi de mãos vazias. Uma destas matérias era a aquisição pública (public procurement) de cereais para o actual sistema de distribuição pública ( PDS ). Sobre esta questão a OMC foi o palco de um drama bizarro. A aquisição pública de cereais a preços que excedessem uma reconhecida referência da OMC fixada vários anos atrás (desde o tempo em que havia muita inflação) é contada como um "subsídio distorcedor do mercado". E se a magnitude de tais subsídios distorcedores do mercado dados à agricultura excederem aproximadamente 10 por cento do valor da produção na agricultura (o qual neste preciso momento é o caso na Índia), então supõe-se que o país em causa está a violar as "normas" da OMC.

Por outro lado, os países capitalistas avançados dão enormes subsídios aos seus agricultores – mas estes não são considerados de todo como "distorcedores do mercado". Os Estados Unidos por exemplo dão sistematicamente subsídios na forma de apoio em dinheiro (cash support) aos agricultores que chegam em média a 40 a 50 por cento do seu valor de produção a cada ano. E em alguns anos o subsídio dado excedeu mesmo o valor da produção(desde então o rácio entre os dois flutua muito). Contudo, tal subsidiação maciça não viola as "normas" da OMC.

Ainda por cima, entre os países avançados a magnitude dos subsídios em relação ao valor da produção agrícola dada pelos EUA está na zona inferior. A Europa e o Japão deram em média subsídios ainda mais altos do que os EUA. Mas nada disto franze as sobrancelhas da OMC, ao passo que os subsídios paupérrimos em relação ao valor da produção proporcionados por países como a Índia – e também a um grupo de agricultores que são muito mais pobres do que aqueles nos países do mundo capitalista avançado e em apoio a um sistema de distribuição pública sem o qual um vastíssimo número de pessoas enfrentaria a fome absoluta – atrai a ira daquela organização.

ESPADA DE DÂMOCLES

A bizarrice desta lógica – e o absurdo absoluto de qualquer esquema que seja baseado na mesma – tem-na impedido de ser realmente imposta (se fosse, então países como a Índia tornar-se-iam passíveis de acção punitiva). Na reunião ministerial de Bali a matéria foi adiada e a países como a Índia foi permitido por ora continuarem a sua prática de adquirir cereais a determinados preços fixos sob uma "Cláusula de Paz" (uma cláusula que impede pressionar questões até um ponto de conflito). Supunha-se que Nairobi viesse a ser o fórum onde a OMC finalmente acederia à razão e, ao invés de medidas pára-arranca como a "Cláusula de Paz", permitiria oficialmente a países como a Índia executarem operações de aquisição pelo governo nos mercados de cereais para alimentar o sistema de distribuição público. Mas nada disto aconteceu. A matéria ainda foi deixada pendurada como uma espada de Dâmocles sobre países como a Índia.

Na verdade, a analogia da espada de Dâmocles é bastante adequada. Na reunião ministerial de Singapura, os países avançados introduziram todo um novo conjunto de questões na agenda da OMC, incluindo facilitar a entrada de investimento estrangeiro, assim como anteriormente já haviam introduzido a questão dos direitos de propriedade intelectual. Dentro do terceiro mundo houve resistência à introdução destas novas questões. E a partir de agora, mesmo na declaração de Nairobi a OMC é constrangida a dizer: "Qualquer decisão de lançar negociações multilateralmente sobre tais questões (ex., as questões relativas a Singapura) precisariam ser acordadas por todos os Membros". Mas com assuntos de importância vital para os países do terceiro mundo (como a distribuição pública de cereais) deixadas pendentes, torna-se mais fácil para os países avançados persuadi-los a aceitar a introdução de novos pontos na agenda e até mesmo fazê-los com soçobrem sobre tais questões. Por outras palavras, os países avançados podem impor "condicionalidades" aos do terceiro mundo até mesmo quanto à continuação da própria "Cláusula da Paz". Ao não rematar a questão da aquisição pública, mantendo-a como uma espada de Dâmocles sobre os países do terceiro mundo de modo a que possam ser aterrorizados até à submissão sobre outros pontos, é portanto um estratagema útil para os países avançados.

CENÁRIO "CARAS VENÇO EU, COROAS PERDES TU" 


O que Nairobi alcançou para o terceiro mundo é desprezível: mesmo as restrições a subsídios à exportação de produtos agrícolas anunciadas em Nairobi, as quais são trombeteadas como impedimento do dumping de tais produtos pelos países avançados, pouco significam (uma vez que não tocam na questão do crédito para a exportação de tais produtos). Mas o que Nairobi extraiu para os países avançados como "concessões" do terceiro mundo (as quais não foram dadas voluntariamente) é substancial. Ao livrarem-se da DDA, ao manterem países até agora protegidos pela "Cláusula da Paz" sob tensão e ao adoptarem uma nova abordagem pela qual a OMC doravante ficaria interessada com questões particulares ao invés de tratar de uma nova arquitectura global, os países avançados obtiveram para si próprios uma situação "Caras venço eu, Coroas perdes tu". Onde lhes fosse adequado tentariam a rota da OMC e se fossem contrariados tentariam a rota dos ACRs.

Mesmo o Financial Times, que não pode ser acusado de "viés progressista", teve de escrever sobre Nairobi: "Numa vitória para os EUA e a UE, que pressionavam por um novo caminho para a OMC, ministros do Comércio dos 162 países membros reunidos sábado em Nairobi deixaram de "reafirmar" o Doha Round, pela primeira vez desde que foi lançado em meio as grandes fanfarras em 2001. Eles também abriram a porta à discussão de novas questões na OMC, tais como economia digital e investimento" (itálicos acrescentados).

O cenário "Caras venço eu, coroas perdes tu" estender-se-á mesmo a instituições supra-nacionais de domínio corporativo global, as quais o imperialismo amolda com entusiasmo a fim de transcender os Estados-nação e anular a intervenção democrática dos povos. Se tais instituições puderem ser erguidas sob a OMC, tais como o Trade Policy Review Mechanism (TRPM), então isso será óptimo para o imperialismo. Mas se não o puderem fazer, então pode ser tentada a rota da ACRs a fim de dar nascimento a tais instituições, como está a acontecer sob o TPP.

Ver também: 

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2015/1227_pd/imperialism's-new-trade-negotiating-strategy . Tradução de JF.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

A democracia em declínio e os tambores da guerra



Desarmados pelas finanças, governos veem-se impotentes, desgastam-se com rapidez, são derrotados. Espalha-se uma tentação: e se saída estiver no ódio ao outro e nas armas?

Immanuel Wallerstein – Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho - Imagem: Alex Cherry

Foi um mau ano para os partidos no poder que enfrentaram eleições. Eles vêm sofrendo derrotas completas ou ao menos relativas. O foco tem se voltado para as eleições em que os chamados partidos de direita saem-se melhor — às vezes, muito melhor — que partidos no poder considerados de esquerda. Exemplos notáveis são Argentina, Venezuela e Dinamarca. Talvez possa-se acrescentar os Estados Unidos.

Menos comentada tem sido a situação opostas: partidos no poder que são “de direita” perdendo para forças de esquerda ou, ao menos, reduzindo seu percentual e número de cadeiras em plano nacional e ou local. Isso é verdade, de distintas maneiras, no Canadá, Austrália, Espanha, Portugal, Holanda, Itália e Índia.

O problema talvez não sejam os programas implementados pelos partidos, mas o fato de que os partidos no poder estão sendo culpados pela má situação das economias. Uma reação que vimos em quase todo lugar é o populismo xenófobo, de direita. Outra reação é demandar mais — e não menos — medidas do Estado de bem-estar social, conhecidas como “anti-austeridade”. Claro, é possível ser xenófobo e anti-austeridade ao mesmo tempo.

Mas quando um partido chega ao poder e precisa governar, espera-se que faça diferença na vida de quem o elegeu. E se não consegue fazê-lo, pode enfrentar reação severa nas eleições futuras, muitas vezes num breve prazo de tempo. É o que o primeiro ministro Modi, da Índia, aprendeu quando, menos de um ano depois de uma eleição nacional arrebatadora, seu partido teve mau desempenho nas eleições provinciais de Nova Deli e Bihar, onde acabara de vencer.

Não penso que essa volatilidade vá acabar tão cedo. A razão é bastante simples. Os mantras neoliberais de crescimento e competitividade não são capazes de reduzir significativamente os níveis de desemprego. Como resultado, podem forçar a transferência de riqueza dos estratos mais baixos para os mais ricos. Isso é muito visível e é o que leva à denúncia dos programas de austeridade.

A reação xenófoba responde a uma necessidade psíquica, mas não leva à elevação do nível de emprego, e portanto também não ao aumento da renda real. Os eleitores podem então retirar esses partidos do poder, como podem aqueles que lutam por objetivos de esquerda, como a elevação dos impostos pagos pelos muito ricos. Por sua vez, os governos – de esquerda, centro ou direita – têm menos dinheiro para as medidas de proteção social.
A combinação desses elementos não é muito negativa apenas para aqueles que se encontram na base da pirâmide de renda. Significa também o chamado declínio da classe média – ou seja, a queda de muitas famílias para as fileiras dos estratos mais baixos. Note-se, porém, que o modelo de eleições parlamentares disputadas basicamente por dois partidos mainstream é baseado na existência de um estrato de classe média numericamente grande, pronto para deslocar seus votos leve e calmamente entre dois partidos de centro, bastante semelhantes. Sem esse modelo funcionando, o sistema político torna-se imprevisível, tal como estamos vendo agora.

Acabo de descrever a cena intra-Estados. Mas há também a cena inter-Estados – o poder global relativo dos diferentes Estados. Assim como deve-se olhar para os níveis reais de emprego dentro de cada Estado, as taxas de câmbio entre as moedas são a chave para avaliar o poder entre Estados. O dólar mantém-se no topo, principalmente porque não há nenhuma boa alternativa no curto prazo. Contudo, a moeda norte-americana não é estável, e está também sujeito a mudanças súbitas e voláteis, assim como a um declínio relativo, no longo prazo.

Taxas de câmbio caóticas significam que resta uma última solução, extremamente perigosa, para reforçar o poder relativo entre Estados: a guerra. A guerra é ao mesmo tempo intimidadora e remuneradora no curto prazo, ainda que seja devastadora humanamente e leve à exaustão, no longo prazo. De modo que, quando os Estados Unidos debatem como perseguir seus interesses na Síria ou no Afeganistão, é muito forte a pressão para ampliar o envolvimento militar, ao invés de reduzi-lo.

Não é, em suma, um cenário bonito. A questão, para os partidos políticos, é que não é um bom tempo para realizar eleições. Alguns partidos no poder estão começando a julgar que não deveriam realizá-las, ou ao menos evitar eleições que sejam, ainda que marginalmente, competitivas.

Embalagens suspeitas junto à chancelaria alemã foram falso alarme



As autoridades alemãs investigaram quatro caixas encontradas esta manhã perto do gabinete de Angela Merkel.

A polícia alemã diz que nada foi encontrado nas caixas descobertas na manhã desta quarta-feira.

A zona em volta da chancelaria tinha sido isolada. As imagens mostravam quatro caixas amarelas, dos serviços postais, na área vedada pela polícia.

Um porta-voz da polícia federal alemã tinha avançado à agência Reuters que as caixas estavam a ser investigadas. A polícia diz agora que foi falso alarme.

TSF com Reuters

Era só o que faltava: Kim Jong-Un tem a Bomba de H



Ricardo Costa - Expresso

A terra tremeu na Coreia da Norte esta madrugada, por volta da 1h30. Segundo os especialistas internacionais registou-se um terremoto artificial, de magnitude 5,1, a norte de Kilju, o local onde a Coreia do Norte tem as suas principais instalações nucleares.

Duas horas depois chegou a confirmação, num anúncio feito a dois dias de mais um aniversário do seu grande líder, em que a televisão oficial de Pyongang afirmou sem margem para dúvidas: “Convertemo-nos num Estado nuclear que tem a Bomba H”.

Convém lembrar que em dezembro, o líder dinástico norte-coreano, Kim Jong-Un, já tinha garantido que a Coreia Do Norte tinha a bomba de Hidrogénio, mas que, na altura, as afirmações não foram levadas muito a sério pelas principais potências internacionais, incluindo os vizinhos e amigos chineses.

Para quem pense que isto tem pouco a ver com o resto do mundo, aconselho estas pequenas contas:

a) Uma bomba de hidrogénio (ou Bomba H) é uma bomba termonuclear incrivelmente superior (até 4000 vezes) à bomba de Hisroshima e a tudo o que já foi usado em qualquer guerra.

b) A Coreia do Norte está a tentar construir uma ogiva que consiga ser colocada no míssil balístico Taepedong-2, que tem um alcance potencial de 6700 km, atingindo o Alasca, o Canadá ou a Costa Leste dos EUA

O Conselho de Segurança da ONU reúne hoje de emergência, depois de uma chuva de críticas, a começar pelos vizinhos da Coreia do Sul, pelo Japão e pelos EUA. Ao que se sabe, Pequim nem sequer foi informada dos testes que violam todos os tratados internacionais para a não-proliferação de armas nucleares.

Para quem começou o ano com uma escalada diplomática brutal entre as duas maiores potências do Médio Oriente e ainda estava a perceber até onde é que o regime sunita da Arábia Saudita e os xiitas do Irão esticavam a corda, tem aqui uma nova frente para se entreter, com o regime mais fechado e imprevisível do mundo a dois passos de ter uma Bomba H instalada num míssil balístico de longo alcance.

Ao pé disto, as outras notícias ficam muito pequeninas, mas vamos a elas.

OUTRAS NOTÍCIAS


Ontem foi noite de mais uma ronda de debates presidenciais – nunca houve tanta fartura deste género televisivo –, uma vez mais sem K.O. técnicos ou factos de grande relevo, mas ainda assim com algumas frases e momentos a destacar.

No frente a frente entre Edgar Silva e Marcelo, o candidato oficial do PCP disse esta frase que fica no ouvido: “O País não precisa de um Cavaco Silva a cores”. Isto para acusar o candidato que aparece destacado nas sondagens de estar aesconder os seus verdadeiros apoios, no PSD e CDS. É claro que Marcelo repetiu, para desespero de uma parte do seu eleitorado, que não é o candidato da direita…

A jornada televisiva foi intensa, com um Marisa vs. Henrique Neto, o paladino da anticorrupção Paulo Morais a enfrentar Sampaio da Nóvoa, Tino de Rans a dar uma entrevista à RTP e os dois últimos a fazerem um debate a trêscom Jorge Sequeira…

Digamos que a programação televisiva parecia uma noite de Champions, daquelas em que o comando nunca está quieto e chegamos sempre atrasados aos golos, com a pequena diferença de não haver lances memoráveis a recordar…

Mais inesperadas são as declarações do líder do PSD Algarve ao Expresso, que decidiu convidar José Sócrates para uma conferência no sábado. Luís Gomes, que também é presidente da Câmara de Vila Real de Santo António afirma que sempre teve uma boa relação com o ex-primeiro-ministro e que "é inaceitável prender alguém para depois investigar".

Sábado, já sabe, pode assistir no Algarve a um evento onde Sócrates estará ao lado do autarca para denunciar o estado da Justiça e no cartaz que divulga o evento pode ler-se: “Luís Gomes convida José Sócrates” (!). O PSD reuniu ontem a Comissão Permanente e ainda prepara a resposta, mas vários dos seus membros contactados não disfarçavam o incómodo.

O regresso dos feriados, agora com dois religiosos a regressar (tal como estava acertado com a Santa Sé) a par de dois civis, estão a fazer as delícias online e a provocar enorme discussão. Os textos sobre pontes e maneiras inteligentes (ou espertas) de marcar férias estão a ser muito lidos. Como este:sorria, este é um ano cheio de feriados e pontes.

Os dois cadetes da Escola de Fuzileiros que estiveram desaparecidos 40 horas num exercício de orientação apareceram sãos e salvos.

Ontem, um barco da Transtejo encalhou ao fazer a travessia durante a tarde, mas tudo acabou em bem com os passageiros a serem transferidos em segurança até ao seu destino, depois de umas horas de susto e um grande atraso.

Na frente internacional, grande destaque para as lágrimas de Obama durante o anúncio de medidas para controlar a venda e uso de armas, num processo administrativo que contorna o Congresso dos EUA e que vai agitar a política americana.

O Presidente norte-americano anunciou quatro ações executivas para endurecer o controlo da compra e venda de armas, contornando a oposição do Congresso norte-americano. “Não estamos aqui para discutir o último massacre, mas para tentar evitar o próximo”, afirmou Obama, que se emocionou em imagens que se tornaram rapidamente virais.
Esta manhã o Charlie Hebdo está nas bancas com a edição de aniversário do terrível ataque de há um ano à sua redação. A edição assinala o massacre ocorrido em janeiro de 2015, num atentado que abalou o mundo. “O assassino ainda está à solta”, lê-se na capa, acompanhada da imagem de um deus armado e ensanguentado.

O Vaticano não gostou da caricatura e o jornal oficial Osservatore Romano já criticou a opção do jornal satírico.

Nos jornais económicos, destaque para o facto de o fisco ter retido € 486 milhões em reembolsos de IVA em 2015 (machete do DE) e para o Aeroporto do Montijo estar cada vez a ganhar mais força (título do Negócios)

Os desportivos dão grande destaque à transferência do Suk, que sai do Setúbal para jogar a segunda volta do campeonato no F.C Porto

Isto, em dia jogos da I Liga. O Benfica recebe o Marítimo às 19h, o Sporting vai a Setúbal às 20h15 e à mesma hora o F.C. Porto recebe os vizinhos do Rio Ave.

Além de serem jogos à quarta-feira, coisa pouco habitual em Portugal, anda grande tensão entre treinadores, como pode ser visto nas frases escolhidas para o próximo subcapítulo deste Expresso Curto.

FRASES


“Lopetegui? Amanhã posso estar no lugar dele”. Jorge Jesus, ainda na ressaca do Sporting-Porto

“Concordo com tudo o que Jorge Jesus disse”. Julen Lopetegui, em reação a Jesus

“Pelos vistos há dois treinadores obcecados com o Benfica”.Rui Vitória, em reação em cadeia a Jesus e Lopetegui

Nota: logo à noite esta novela verbal prossegue…

O QUE EU ANDO A LER


Nesta altura devia estar a divulgar alguma aposta editorial de 2016 ou, quanto muito, a dizer o que de melhor nos trouxe 2015. Mas o que acabei de ler foi, na verdade, um dos grandesacontecimentos editoriais de 2014 e que, em bom rigor, já era um acontecimento editorial de 1965…

Confusos? É o que acontece quando o leitor (neste caso, eu) chega atrasado a um livro como Stoner, de John Williams. O que fez deste magnífico romance publicado nos anos 60 um grande acontecimento editorial do séc. XXI foi o seu curioso renascer literário, num acaso que deu ao livro uma segunda vida mais que merecida.

Perdido no esquecimento, foi traduzido para francês por vontade de uma escritora/tradutora e seguiram-se várias reedições noutras línguas. Num processo inesperado, foi escolhido pelos leitores da cadeia de livrarias britânica Waterstones como livro do ano! E então, um livro americano publicado em 1965 fez um estranho comeback até ao país de origem, com enorme sucesso e uma chuva de críticas calorosas, daquelas que ficam bem em qualquer badana ou campanha publicitária. Alguns exemplos:

“O melhor romance americano de que nunca ouvimos falar”, para a New Yorker

“É uma coisa mais rara do que um grande romance – é o romance perfeito, tão bem contado, tão bem escrito, tão comovente que nos corta a respiração”, segundo o New York Times

“Não percebo como é que um romance tão bom passou tanto tempo desprecebido”, na opinião de Ian McEwan

Já vimos que a história que envolve o sucesso do livro é boa. Mas, então, e o livro? Depois das citações acima, não vou gastar muitas palavras. É muito bom, irrepreensivelmente escrito (e muito bem traduzido), enxuto e comovente.

Stoner não é feito de grandes personagens, mas das misérias e glórias do dia a dia de um professor universitário, nascido numa família de lavradores e entregue à literatura numa inesperada paixão universitária, que há de marcar toda a sua vida, entre alguns colegas, poucos amigos, a mulher, a filha, idas e vindas familiares e pouco mais. Com isto, e apenas isto, John Williams escreve um grande livro.

Está na altura de desejar bom dia e de lembrar que vá passando os olhos pelo Expresso Online. Se o fizer através do Facebook será, a partir de hoje, num literal esfregar de olhos.

É que o Expresso chega hoje aos Instant Articles do Facebook. E o que é isso? Bem, não é um pássaro, não é um avião, mas é a maneira mais rápida de ler os nossos artigos em mobile (ou seja, no telemóvel), caso seja nosso amigo no Facebook. É só fazer like aqui. Depois, é como se dizia nas velhas Páginas Amarelas, é ir pelos seus dedos. Mas em versão rápida… são artigos instantâneos (mas que demoraram algum tempo a serem escritos...).

Com um pouco de mais calma, às 18h trazemos mais uma edição do Expresso Diário, com notícias, analise e opinião em primeira mão. E tudo bem arrumado. Amanhã de manhã, oNicolau Santos regressa ao Expresso Curto a poucas horas de David Bowie lançar novo disco. Bom dia.

Gabinete de Angela Merkel isolado devido a pacote suspeito



A informação está a ser avançada pela Reuters

O gabinete da chanceler alemã Angela Merkel foi esta menhã selado e isolado devido à presença de um pacote suspeito.

Segundo a Reuters, que cita o porta-voz da polícia federal alemã, "um pacote suspeito está a ser investigado”.

Uma testemunha no local diz ter visto quatro caixas amarelas na zona de acesso vedado.
A suspeita terá surgido durante a monotorização de rotina que ocorre a qualquer envelope ou pacote que tem como destinatário a Chancelaria, tendo sido detetadas anomalias "que precisam de ser esclarecidas".

O mesmo porta-voz assegurou que, apesar do alerme, o Conselho de Ministros agendado para hoje deve realizar-se dentro da normalidade. 

Notícias ao Minuto

Conselho de Segurança da ONU convoca reunião de emergência sobre Coreia do Norte



O Conselho de Segurança das Nações Unidas convocou uma reunião de emergência para hoje, depois de a Coreia do Norte ter anunciado a realização, bem-sucedida, de um teste de uma bomba de hidrogénio.

A reunião à porta fechada entre os 15 países membros foi convocada pelos Estados Unidos e pelo Japão, indicou a porta-voz da missão norte-americana na ONU, Hagar Chemali.

A Coreia do Norte afirmou ter testado hoje, pela primeira vez, uma bomba de hidrogénio, uma reivindicação que ainda não foi confirmada.

Pyongyang já tinha realizado três testes nucleares, em 2006, 2009 e 2013, o que lhe valeu sanções da ONU.

Várias resoluções da ONU proíbem Pyongyang de realizar atividades nucleares ou ligadas à tecnologia de mísseis balísticos.

ISG // JPF - Lusa


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