José Goulão – Mundo Cão
Todos
os anos o ano começa assim, com o dia internacional da paz: muita paz, muito
amor, muita esperança, este ano houve até quem desejasse menos terrorismo. Os
governantes e até os que os governam fazem discursos bonitos, prometem que
agora é que vai ser, mais justiça, mais igualdade, mais trabalho pela paz,
enfim uma vida nova e redentora.
Amanhã,
como sabemos, tudo está na mesma, provavelmente um pouco pior. As mesmas
guerras e mais algumas, a via-sacra dos refugiados a fugir do martírio e a
esbarrar nas barreiras e cercas que os esmagam, direitos sociais e humanos dos
cidadãos e das famílias em degradação contínua, as esperanças concretizadas
representando uma ínfima parcela das malfeitorias cometidas.
O
Papa fala, apela, e as suas mensagens entram por um ouvido e saem pelo outro
não apenas dos malvados dos senhores da guerra, sabendo nós muito bem que estes
não são apenas os bandidos armados que combatem pelas suas quintas, pelas suas
regiões, pelo leilão dos bens que a natureza colocou na sua zona de influência,
mas são-no também, e com acrescidas responsabilidades, os generais e chefes
políticos da NATO e outras natos, que hipocritamente fazem da invocação de
defender a arte de matar e a destreza de conquistar.
O
ano novo começou igualzinho ao ano velho porque por muito bem-intencionados que
todos sejamos, incluindo, nestas horas, todos os senhores da guerra, não é
fazendo votos a cada uma de uma dúzia de passas engolidas, mudando de
calendário e de agenda que o mundo se despovoa da cáfila de malfeitores que o
destroem ora governando-o, ora apropriando-se em privado dos bens que são de
todos, ora organizando as pessoas em exércitos e rebanhos ao serviço de
interesses que não dizem respeito a cada individualidade que os compõe, ora
poluindo-o enquanto asseguram que o irão despoluir com resultados que poderão
talvez ser observados a partir de 2050, quem viver verá.
Acreditar
que cada novo ano é capaz de trazer a paz é o mesmo que passar a vida inteira à
espera de um milagre sabendo que milagres não existem, a não ser os que forem
obra de cada um de nós. E se for juntando forças, ideias e convicções, tanto
melhor. Isso não acontecerá num dia em que mudar o ano ou num dia internacional
de qualquer coisa, mas sim quando finalmente existirem as forças e condições
para nos vermos livres dos famosos donos disto tudo. Impossível? Impossíveis
são os milagres: isto podemos tentar. É a escolha entre o milagre e a vida,
entre a espera inútil e a acção capaz de produzir efeitos, até quando menos se
espera.
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