quarta-feira, 23 de março de 2016

O SUICÍDIO EUROPEU FACE À TURQUIA



Thierry Meyssan*

Ao assinar um acordo —diga-se de passagem, ilegal no Direito Internacional— com a Turquia para abrandar o afluxo de migrantes, os dirigentes da União Europeia envolveram-se um pouco mais num pacto com o diabo. Uma grande parte dos 3 mil milhões (bilhões-br) alocados a Ancara servirá para financiar o apoio aos jiadistas e, por conseguinte, a aumentar o número de migrantes que fogem à guerra. Acima de tudo, revogando, nos próximos meses, os vistos com a Turquia, os Europeus instituem a livre circulação entre os campos da Al-Qaida, na Turquia, e Bruxelas. Esmagando assim os povos iraquiano e sírio sob a opressão dos jiadistas, que eles financiam indirectamente, e abandonando o povo turco à ditadura do Presidente Erdoğan, preparam as bases de um vasto enfrentamento do qual virão a ser as vítimas.

«A democracia é como um tramway, subimos para ir aonde queremos e aí chegados descemos» 

Recep Tayyip Erdoğan (1996)

O Conselho Europeu de 17 e 18 de Março de 2016 adoptou um plano visando resolver o problema colocado pelo afluxo maciço de migrantes provindo da Turquia [1]. Os 28 chefes de Estado e de governo submeteram-se a todas as exigências de Ancara.

Nós havíamos já analisado a maneira pela qual os Estados Unidos entendiam utilizar os acontecimentos do Próximo-Oriente para enfraquecer a União Europeia [2]. No início da actual crise dos «refugiados», fomos os primeiros a observar simultaneamente que este evento tinha sido deliberadamente provocado, e os problemas insolúveis que ele ia colocar [3]. Infelizmente, todas as nossas análises acabaram provadas, e as nossas posições foram, depois, amplamente adoptadas pelos nossos detractores de então.

Indo mais longe, interessa-nos avaliar a maneira como a Turquia tomou conta do jogo e a cegueira da União Europeia, que persiste em estar um passo atrás.

O jogo de Recep Tayyip Erdoğan

O presidente Erdoğan não é um homem político como os outros. E, não parece que os Europeus, nem os povos, nem os seus dirigentes, tenham tomado plena consciência disso.

• Primeiro, ele veio da Millî Görüş, um movimento islâmico pan-turquista ligado aos Irmãos Muçulmanos do Egipto e defensor do restabelecimento do Califado [4]. Segundo ele —como, aliás, segundo os seus aliados do Milliyetçi Hareket Partisi (MHP)— os Turcos são os descendentes dos Hunos de Átila, eles próprios filhos do lobo das estepes da Ásia Central, do qual herdariam a resistência e a crueza. Formam uma raça superior chamada a governar o mundo. A sua alma é o Islão.

O presidente Erdoğan é o único chefe de Estado do mundo a reivindicar-se de uma ideologia supremacista étnica, perfeitamente comparável ao arianismo nazista. É, igualmente, o único chefe de Estado no mundo a negar os crimes da sua história, nomeadamente os massacres de não-muçulmanos pelo Sultão Abdulhamid II (os massacres hamidianos de 1894-1895: pelo menos 80. 000 Cristãos mortos e 100.000 Cristãs incorporadas à força nos haréns), depois pelos Jovens Turcos (genocídio dos Arménios, dos Assírios, dos Caldeus, dos Siríacos, dos Gregos pônticos e dos Yazidis de 1915 a 1923: pelo menos 1,2 milhões de mortos); um genocídio que foi executado com a ajuda de oficiais alemães, entre os quais Rudolf Höss, futuro director do campo de Auschwitz [5].

Ao celebrar o 70º aniversário da libertação do pesadelo nazista, o presidente Vladimir Putin sublinhou que «as ideias de supremacia racial e de exclusivismo provocaram a guerra mais sangrenta da História» [6]. Depois, aquando de uma marcha —e sem nomear a Turquia—, ele apelou a todos os Russos para estarem prontos a renovar o sacrifício dos seus avós, se necessário, afim de salvar o princípio da própria igualdade entre os homens.

• Em segundo lugar, o presidente Erdogan, que apenas tem o apoio de um terço da sua população, governa sozinho o país pela força. É impossível saber com precisão o que pensa o povo turco, uma vez que a publicação de qualquer informação pondo em causa a legitimidade do presidente Erdoğan é agora considerada como uma violação da segurança do Estado, e conduz imediatamente à prisão. No entanto, se nos referirmos aos mais recentes estudos publicados, em outubro de 2015, menos de um terço do eleitorado o apoia. O que é nitidamente menos que os nazistas em 1933, que dispunham, então, de 43% dos votos. Esta foi a razão pela qual o presidente Erdoğan só pode ganhar as eleições legislativas após uma grosseira falsificação.

Entre outras: 

- Os média (mídia-br) da oposição foram amordaçados: os grandes jornais quotidianos Hürriyet e Sabah assim como a televisão ATV foram atacadas por homens de mão do partido no poder; foram lançadas investigações visando jornalistas e órgãos de imprensa acusados de apoiar o «terrorismo» ou de ter feito comentários difamatórios contra o Presidente Erdoğan; “sites” web foram bloqueados; prestadores de serviços digitais suprimiram do seu cartaz os canais de televisão da oposição; três dos cinco canais de televisão nacionais, entre os quais a emissora pública, foram nos seus programas claramente partidários do partido no poder; outros canais de televisão nacional, o Bugün TV e Kanalturk, foram fechadas pela polícia. 

- Um estado estrangeiro, a Arábia Saudita, derramou £ 7 mil milhões (bilhões-br) de «donativos» para «convencer» os eleitores a apoiar o presidente Erdoğan (ou seja cerca de 2 mil milhões de euros). 

- 128 sedes políticas do Partido de esquerda (HDP) foram atacadas por sicários do partido do presidente Erdoğan. Inúmeros candidatos e suas equipes foram espancados. Mais de 300 lojas curdas foram saqueadas. Dezenas de candidatos HDP foram presos e colocados em prisão preventiva durante a campanha. 

- Mais de 2. 000 opositores foram mortos durante a campanha eleitoral, quer pelos ataques, quer por causa da repressão governamental visando o PKK. Várias aldeias do sudeste do país foram parcialmente destruídas por tanques do exército.

Desde a sua «eleição», uma cortina de chumbo desceu sobre o país. Tornou-se impossível alguém poder informar-se sobre o estado da Turquia através da sua imprensa nacional. O principal diário da oposição, Zaman, foi colocado sob tutela e limita-se agora a louvar a grandeza do «sultão» Erdoğan. A guerra civil, que lavra já no Leste do país, estende-se, com atentados em Ancara e até Istambul, perante a total indiferença dos Europeus [7].

Erdoğan governa quase só, rodeado por um grupo restrito, no qual se inclui o Primeiro-ministro Ahmet Davutoglu. Ele declarou publicamente, durante a campanha eleitoral, que não respeitava mais a Constituição e que, agora, todos os poderes lhe estavam entregues.

A 14 de março de 2016, o presidente Erdogan declarou que face aos Curdos: «A democracia, a liberdade e o estado de direito não têm mais o menor valor». Ele anunciou sua intenção de alargar a definição legal de «terroristas» para incluir todos os que são «inimigos dos Turcos» —quer dizer os Turcos e não-Turcos que se opõem ao seu supremacismo—.

Por metade de mil milhões de euros, Recep Tayyip Erdoğan, fez construir para si próprio, o maior palácio jamais ocupado por um chefe de Estado na história mundial. O «palácio branco», em referência à cor do seu partido, o AKP. Ele estende-se por 200. 000 metros quadrados e compreende todo o tipo de serviços, entre os quais “bunkers” de segurança ultra-modernos ligados a satélites.

• Terceiro, o presidente Erdoğan utiliza os poderes que anti-constitucionalmente se atribuiu para transformar o Estado turco em padrinho do jiadismo internacional. Em Dezembro de 2015, a polícia e a Justiça turcas conseguiram estabelecer os laços pessoais de Erdoğan e do seu filho Bilal com Yasin al-Qadi, o banqueiro global da Al-Qaida. Ele despediu, pois, os policias e os magistrados que tinham ousado «pôr em causa os superiores interesses da Turquia» (sic), enquanto Yasin al-Qadi e o Estado colocavam um processo judicial ao quotidiano de esquerdaBirGün por ter reproduzido o meu editorial, «Al-Qaida, eterna reserva da Otan».

Em Fevereiro último, a Federação da Rússia entregava um relatório de Inteligência ao Conselho de Segurança da ONU atestando o apoio do Estado turco ao jiadismo internacional, em violação de inúmeras resoluções [8]. Eu publiquei um estudo aprofundado sobre estas acusações, imediatamente censurado na Turquia [9].

A resposta da União Europeia

A União Europeia tinha enviado uma delegação para vigiar as eleições legislativas em novembro de 2015. Ela adiou longamente a publicação do seu relatório, depois resolveu-se a publicar sobre isso uma curta versão, adocicada.

Em pânico pelas respostas das suas populações reagindo duramente à entrada maciça de migrantes —e, para os Alemães, à abolição do salário mínimo que daí resultou—, os 28 Chefes de Estado e de Governo da União finalizaram com a Turquia um procedimento para que ela resolva os seus problemas. O Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, declarou, de imediato, que a solução escolhida viola o direito internacional, mas, mesmo supondo, a propósito, que as coisas possam ser melhoradas, nem é este o principal problema.

A União comprometeu-se a 

- pagar 3 mil milhões de Euros anuais à Turquia para a ajudar a fazer face às suas obrigações, mas sem qualquer mecanismo de verificação da utilização destes fundos;

- pôr fim aos vistos exigidos aos Turcos para entrar na União [10] —o deve ser feito em alguns meses, ou até semanas— ; 

- acelerar as negociações de adesão da Turquia à União —o que, pelo contrário, será muito mais demorado e aleatório—.

Por outras palavras, cegos pela recente derrota eleitoral de Angela Merkel [11], os dirigentes Europeus contentaram-se em encontrar uma solução provisória para abrandar o fluxo dos migrantes, sem procurar resolver a origem do problema e sem ter em conta a infiltração de jiadistas neste fluxo.

O precedente de Munique

Nos anos 30, as elites europeias e norte-americanas consideravam que a URSS, devido ao seu modelo, ameaçava os seus interesses de classe. Eles apoiavam pois, colectivamente, o projecto nazi de colonização da Europa Oriental e de destruição dos povos eslavos. Apesar dos repetidos apelos de Moscovo para a criação de uma vasta aliança contra o nazismo, os dirigentes europeus aceitaram todas as reivindicações do chanceler Hitler, incluindo a anexação das regiões povoadas pelos Sudetas. Foi o Acordo de Munique (1938), conduzindo a URSS a adoptar o salve-se quem puder e a concluir o Pacto germano-soviético—1939—(Molotov-Ribbentrop- ndT). Só muito tardiamente é que certos dirigentes europeus, depois norte-americanos, perceberam o erro e decidiram aliar-se com Moscovo contra os nazis.

Diante de nossos olhos repetem-se os mesmos erros. As elites europeias consideram a República da Síria como um inimigo, seja porque defendem o ponto de vista colonial de Israel, seja porque esperam recolonizar, eles mesmos, o Levante apropriar-se das suas gigantescas reservas de gás ainda inexplorado. Elas apoiaram, pois, a operação secreta norte-americana de «mudança do regime» e fingiram acreditar na fábula da «Primavera Árabe». Após cinco anos de guerra por procuração, constatando que o presidente Bashar el-Assad ainda está lá, embora tivessem mil vezes anunciado a sua demissão, os Europeus decidiram financiar pelo montante de 3 mil milhões de euros anuais o apoio turco anual aos jiadistas. O que, segundo a sua lógica, deveria permitir a sua vitória e, portanto pôr um fim às migrações. Eles não tardarão a perceber [12], mas já muito tarde, que ao abolirem os vistos para os cidadãos turcos, autorizaram a livre-circulação entre os campos da Al-Qaida na Turquia e Bruxelas [13].

A comparação com o final dos anos 30 é tanto mais parecida quando na altura do Acordo de Munique o Reich nazista já havia anexado a Áustria, sem provocar reação notável de outros Estados europeus. Ora, hoje em dia, a Turquia ocupa já o Nordeste de um Estado-Membro da União Europeia, Chipre, e uma faixa de alguns quilómetros de profundidade na Síria, que administra através de um walli (prefeito) nomeado para este efeito. Não apenas a U.E. aceita isso, como pela sua atitude, ela encoraja Ancara a prosseguir as suas anexações com total desprezo pelo Direito internacional. A lógica comum ao chanceler Hitler e ao presidente Erdoğan é baseada na unificação da «raça» e na purificação da população. O primeiro queria unir as populações de «raça alemã» e purificá-las de elementos «estrangeiros» (Judeus e Roma), o segundo quer unir as populações de «raça turca» e purificá-las de elementos «estrangeiros» (os Curdos e Cristãos).

Em 1938, acreditavam na boa fé do chanceler Hitler, hoje em dia na do presidente Erdoğan.

Thierry Meyssan* - Tradução - Alva - Voltaire.net

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008)

[2] “A cegueira da União Europeia face à estratégia militar dos Estados Unidos”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 27 de Abril de 2015.
[3] “A falsa «crise dos refugiados»”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 7 de Setembro de 2015.
[4] “Em direção ao fim do sistema Erdoğan”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Junho de 2015.
[5] « La Turquie d’aujourd’hui poursuit le génocide arménien », par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 26 avril 2015.
[7] « L’Union européenne a abandonné ceux qui se battent pour défendre les libertés en Turquie », par Can Dündar, Le Monde (France) , Réseau Voltaire, 18 mars 2016.
[8] “Relatório da inteligência russa sobre a atual assistência da Turquia ao Daesh”, Tradução Marisa Choguill, Rede Voltaire, 19 de Fevereiro de 2016.
[9] “Como a Turquia apoia os jiadistas”, Thierry Meyssan, Tradução Alva,Rede Voltaire, 22 de Fevereiro de 2016.
[10] “Roadmap towards a visa-free regime with Turkey”, Voltaire Network, 16 March 2016.
[11] „Alternative für Deutschland nimmt kein Blatt vor den Mund“, von Ian Blohm, Übersetzung Horst Frohlich, Strategic Culture Foundation(Russland) , Voltaire Netzwerk, 12. März 2016.
[12] « Lettre ouverte aux Européens coincés derrière le rideau de fer israélo-US », par Hassan Hamadé, Réseau Voltaire, 21 mai 2014.
[13] “Israeli general says al Qaeda’s Syria fighters set up in Turkey”, Dan Williams, Reuters, January 29, 2014.

A EUROPA PAGA POR SEUS GOVERNANTES



Haverá luto e lágrimas, após atentados brutais em Bruxelas. Mas quem se lembrará do papel jogado pelos países europeus, nas guerras que alimentam o ISIS?

Patrick Cockburn – Outras Palavras - Tradução: Vinícius Gomes Melo

A captura, [na semana passada,] de Salah Abdeslam, que as autoridades acreditavam ter sido o último planejador do massacres de Paris que sobrevivia, significa que a mídia está, novamente, focando sua atenção na ameaça de ataques terroristas praticados pelo Estado Islâmico (ISIS). Pergunta-se como o homem mais procurado da Europa foi capaz de enganar a polícia por tanto tempo, apesar de ele continuar vivendo em sua casa no distrito de Molenbeek, em Bruxelas. Os canais de televisão e os jornais levantam questões sobre as chances de o ISIS realizar uma nova atrocidade com o objetivo de dominar os noticiários, mostrando que seus combatentes ainda estão soltos por aí. [Esta hipótese concretizou-se ontem, na capital da Bélgica, com três explosões que mataram 34 pessoas e feriram mais de 120].

A repercussão dos eventos em Bruxelas está de acordo com a que ocorreu após os ataques de janeiro (Charlie Hebdo) e novembro em Paris, e dos assassinatos nas praias da Tunísia, todos perpetrados pelo ISIS no ano passado. Durante vários dias, há uma cobertura vasta: a imprensa utiliza seu tempo e espaço muito além do que seria necessário para relatar e desenvolver a história. Porém, o foco de sua cobertura muda, de maneira abrupta, para qualquer outra coisa, como se o ISIS se tornasse notícia de ontem. O movimento é tratado como se tivesse deixado de existir, ou então perdido sua capacidade de afetar nossas vidas.

Na verdade, não que o ISIS tenha deixado de matar pessoas em grande escala desde a carnificina em Paris, no último 13 de novembro. Ele só não o fazia na Europa. Estive em Bagdá em 28 de fevereiro, quando dois homens-bomba do Estado Islâmico, utilizando motocicletas, explodiram-se em um mercado de celulares a céu aberto, matando 73 pessoas e ferindo mais de cem, em Sadr City. No mesmo dia, dezenas de combatentes do ISIS montados em pick-ups com armamento pesado instalado na traseira, atacaram postos avançados da polícia e do exército em Abu Ghraib, lar da famosa prisão, no subúrbio da capital iraquiana. Antes, ocorrera um ataque inicial liderado por pelo menos quatro homens-bombas, um deles lançando seu veículo carregado de explosivos contra um quartel militar. O tiroteio durou várias horas, ao redor de um silo de grãos em chamas.

Fora dali, o mundo quase não se deu conta desses acontecimentos sangrentos, pois eles parecem fazer parte da ordem natural de como funcionam as coisas no Iraque e na Síria. Mas o número total de iraquianos mortos por esses dois ataques – e ainda um outro duplo ataque suicida em uma mesquita xiita no distrito de Shuala, apenas quatro dias antes – é quase o mesmo número dos que morreram em Paris nas mãos do ISIS, no final do ano passado.

Na mente dos cidadãos do “Velho Continente”, nunca existiu uma conexão entre as guerras no Iraque e na Síria e os ataques terroristas contra europeus. Isso acontece, em parte, por Bagdá e Damasco serem lugares exóticos e perigosos, onde as imagens de pós-bombardeio, desde a invasão dos EUA em 2003, parecem ser a norma. Mas existe uma razão ainda mais pérfida para os europeus não serem capaz de conectar a ameaça a sua própria segurança com as guerras no Oriente Médio. Separar os dois fatos serve aos interesses dos líderes políticos no Ocidente, pois isso impede que a opinião pública enxergue que suas políticas desastrosas no Iraque, Afeganistão, Líbia, entre outros, criaram as condições para o surgimento do ISIS e gangues terroristas, tais quais aquela a que Salah Abdeslam pertenceu.

A profusão de lutos oficiais que geralmente vêm após essas atrocidades, como a marcha de 40 governantes mundiais pelas ruas de Paris, após os ataques ao Charlie Hebdo, ajuda a neutralizar qualquer pensamento de que os erros políticos destes mesmos líderes possam ter, de certa maneira, alguma responsabilidade pelos atentados. Manifestações de ruas são normalmente lideradas por gente sem poder, que quer protestar e desafiar algum tipo de autoridade. Mas nesse caso, servem apenas como show de publicidade, com o objetivo de desviar a atenção sobre a própria incapacidade dos governantes em agir para acabar com as guerras no Oriente Médio – onde tiveram participação ativa para provocá-las.

Um aspecto estranho nestes conflitos é que os líderes ocidentais nunca tiveram qualquer prejuízo político por seus papéis em iniciar ou executar políticas que fizeram eclodir a violência. O ISIS é um poder em ascensão na Líbia, algo que nunca teria acontecido se o primeiro-ministro britânico David Cameron e o presidente francês Nicolas Sarkozy não tivessem ajudado a destruir o Estado líbio ao destituir o Kaddafi em 2011. A Al Qaeda está se expandindo no Iêmen, onde os líderes ocidentais deram passe livre para a Arábia Saudita lançar uma campanha de bombardeio que destruiu o país.

Após o massacre em Paris, no ano passado, houve uma torrente de solidariedade à França e quase nenhuma crítica às políticas francesas na Síria e na Líbia – exatamente as que favoreceram o ISIS e outros movimentos salafistas-jihadistas desde 2011.

Vale a pena citar o que disse Fabrice Balanche, cartógrafo francês e especialista na Síria que trabalha agora para o Instituto de Washington para Política no Oriente Médio, sobre visão equivocada na França – apesar de esta também se aplicar a outros países. Respondendo a Aron Lund, do Centro Carneggie de Doação para a Paz Internacional, ele escreveu: “Para a imprensa, a guerra síria só pode ser vista como continuação das revoluções na Tunísia e no Egito, à época em que a Primavera Árabe despertava entusiasmo. Os jornalistas não compreenderam, ou não quiseram compreender, as sutilezas sectárias na Síria. Fui censurado por diversas vezes [ao tentar explicá-las]”.

“Os intelectuais sírios na oposição, muitos deles exilados por décadas, tinham um discurso similar ao da oposição iraquiana durante a invasão dos EUA, em 2003. Alguns deles confundiram, de maneira idealista, suas próprias esperanças em uma sociedade não-sectária com a realidade. Ms outros – como a Irmandade Muçulmana – tentaram ofuscar essa realidade a fim de ganharem o apoio de países ocidentais.”

“Em 2011-12, sofremos uma espécie de McCarthismo intelectual na questão síria: se você dissesse que Assad não iria cair em três meses, suspeitavam que estivesse sendo pago pelo regime sírio. E quando o ministro das Relações Exteriores da França tomou o lado da oposição síria, tornou-se de mal gosto contradizer seus comunicados oficiais”.

Ao tomar o lado das oposições na Síria e na Líbia, além de destruir ambos os países, a França e o Reino Unido abriram a porta para o Estado Islâmico. Deveriam também ser considerados culpados pela ascensão do ISIS e pelo terrorismo na Europa. Ao se recusarem a admitir isso, ou ao menos aprender com seus erros, os europeus ocidentais fizeram muito pouco para ajudar no “fim das hostilidades” na Síria. Surpreendentemente bem sucedido, ele é uma conquista quase apenas dos EUA e da Rússia.

A França e o Reino Unido mantiveram-se próximos da Arábia Saudita e das monarquias absolutas do Golfo Pérsico, em relação à política externa para com a Síria. Perguntei o porquê a um ex-diplomata envolvido nas negociações. Ele respondeu seco: “Dinheiro. Eles queriam os contratos com os sauditas”. Após a captura de Salah Abdeslam, há uma certa discussão sobre as falhas da segurança que permitiram que ele evitasse a prisão por tanto tempo. Mas isso é pouco relevante: os ataques terroristas irão continuar enquanto o ISIS tiver poder. Novamente, uma cobertura midiática caolha está permitindo que os governos ocidentais deixem de serem responsabilizados por uma falha ainda pior de segurança: suas políticas desastrosas.

PM eleito de Cabo Verde diz que situação da TACV é "muito pior do que se vislumbrava"



O primeiro-ministro eleito de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, disse hoje que a situação da companhia de aviação cabo-verdiana é muito pior do que se vislumbrava e prometeu rapidez na ação para salvar a empresa.

O Movimento para a Democracia (MpD) indicou hoje formalmente ao Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, o nome do seu presidente, Ulisses Correia e Silva, para o cargo de primeiro-ministro de Cabo Verde, depois de domingo o partido ter ganho as eleições legislativas com maioria absoluta.

À saída da audiência com o chefe de Estado, Ulisses Correia e Silva disse aos jornalistas que ainda não começou as reuniões para a transferência de pastas com o atual Governo, mas adiantou já ter algumas ideias sobre os assuntos mais complicados que o esperam.

"A situação da companhia [Transportes Aéreos de Cabo Verde] é muito pior do que vislumbramos sem colocar a lupa. Agora vamos ter que colocar a lupa e ter toda a informação para podermos agir com rapidez e salvar a empresa", disse Ulisses Correia e Silva.
O líder do MpD disse ainda que, depois de tomar posse, irá pedir auditorias externas às áreas da governação onde estas se revelarem necessárias.

A TACV atravessa uma situação financeira complicada, com o acumular de dívidas, que levou ao arresto na Holanda, em fevereiro, de um dos aviões da companhia.

Ulisses Correia e Silva disse ainda que já está a trabalhar na constituição da equipa governamental, mas que ainda não fez qualquer convite para pastas ministeriais, e reafirmou a sua intenção de ter um governo com no máximo 12 ministros.

"Queremos um governo que seja eficiente, bem coordenado politicamente, quanto menor o número melhor para a coordenação política e depois há poupanças que se conseguem, porque se reduz toda a administração ligada ao cargo político", disse.

"Estamos a procurar soluções que permitam que a governação seja politicamente forte, que possa liderar para a execução do programa e seja extremamente eficiente a dar respostas", acrescentou.

Ulisses Correia e Silva não estabeleceu prazos para a entrega do elenco governamental ao Presidente da República, adiantando que os prazos legais preveem que os deputados tomem posse ao 20.º dia após a publicação dos resultados eleitorais e que depois haverá 15 dias para apresentação da moção de confiança ao novo governo.

"Dentro desse intervalo haverá a apresentação do elenco governamental e a tomada de posse", disse.

O Movimento para a Democracia (MpD) foi o último partido a ser recebido pelo Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, que durante a manhã manteve também audiências com o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) e com a União Cabo-Verdiana Independente e Democrática (UCID).

A líder do PAICV, Janira Hopffer Almada, transmitiu a Jorge Carlos Fonseca que o "partido respeita escrupulosamente a vontade do povo cabo-verdiano" e que "naturalmente o partido maioritário deve indicar a proposta para primeiro-ministro".

Sobre o seu futuro, a líder do PAICV reafirmou a sua intenção de fazer uma "oposição construtiva" e prometeu uma ação fiscalizadora do cumprimento do programa apresentado pelo MpD ao eleitorado.

Questionada sobre se equaciona colocar o lugar à disposição após a derrota eleitoral de domingo, Janira Hopffer Almada considerou que é essa é "uma questão que não se coloca".

"Continuarei a exercer as minhas funções como presidente do PAICV enquanto o partido entender que sou útil", disse.

No mesmo sentido, o líder da UCID disse ao Presidente da República não ter qualquer objeção à indigitação de Ulisses Correia e Silva para primeiro-ministro.

"O povo decidiu de forma muito clara e a UCID só pode esperar que se cumpra aquilo que a Constituição da República diz. Não temos nenhuma objeção a que o presidente do MpD e líder do partido que venceu as eleições, com uma diferença enorme em relação aos outros, possa ser indigitado como primeiro-ministro", disse.

CFF // EL - Lusa

Instabilidade política na Guiné-Bissau está a travar acordos com doadores -- Governo



A instabilidade política na Guiné-Bissau está a travar acordos com oito dos 16 doadores que há um ano prometeram apoios de 1.400 milhões de euros ao país, disse hoje o ministro da Economia e Finanças guineense, Geraldo Martins.

"A principal razão" para não haver acordos com metade dos parceiros "tem a ver com a instabilidade política", referiu o governante numa conferência de imprensa para fazer o balanço do encontro de doadores, realizado há um ano, em Bruxelas.

Os 1.400 milhões de euros estão previstos para projetos a realizar até 2020.

O que até agora chegou à Guiné-Bissau "são sobretudo apoios de ajuda orçamental", a saber, 10,5 milhões de euros do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), 1,7 milhões de euros de Timor-Leste e verbas relativas a programas de apoio portugueses.

Quanto aos principais projetos, os parceiros "estão à espera de ver mais claramente o que vai acontecer no país: se haverá ou não programa de Governo", referiu o titular da Economia e Finanças.

"Teremos que ser nós, guineenses, a resolver este problema. Temos instituições que funcionam, temos que resolver isto na base do diálogo", acrescentou Geraldo Martins.

Se as disputas sobre lugares no parlamento forem resolvidas de forma a garantir que o programa do Governo eleito em 2014 (e apresentado no encontro de doadores) continua em vigor, "isto é fácil".

"Basta tudo normalizar para irmos a um ritmo muito mais rápido", referiu.

Geraldo Martins pretende que até ao fim do ano sejam estabelecidos acordos com todos os doadores.

O Presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, e o PAIGC, partido no Governo, estão em confronto político desde o verão de 2015, num diferendo que extravasou para o Parlamento e o tem impedido de funcionar.

Valores prometidos para o período 2016-2020 (em milhões de euros)

Fonte: Ministério da Economia e Finanças da Guiné-Bissau

(*) doações em dólares (câmbio dólar/euro: 0,895)

Parceiros bilaterais
Brasil: 13,43 * - Portugal: 40,00 - Timor-Leste: 1,70 * - Grã-Bretanha: 2,24 *

Parceiros multilaterais
Banco de Investimento e Desenvolvimento da CEDEAO (BIDC): 17,90 * - Banco Africano de Desenvolvimento (BAD): 169,00 - Banco Oeste-Africano de Desenvolvimento (BOAD): 300,00 - Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO): 53,70 * - União Europeia (UE): 160,00 - Banco Europeu de Investimento (BEI): 50,00 - Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA): 27,75 * - Fundo Global: 46,54 * - União Económica e Monetária Oeste-Africana União Económica e Monetária da África Ocidental: 8,95 * - Organização das Nações Unidas (ONU): 266,71 *
Missão Integrada da ONU (UNIOGBIS): 18,80 * - Banco Mundial: 223,75 *
Total: 1.400,45

Parceiros com os quais já há acordos assinados
Portugal - Timor-Leste - Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) - Banco Oeste-Africano de Desenvolvimento (BOAD) - Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) - União Económica e Monetária Oeste-Africana - União Económica e Monetária da África Ocidental - Missão Integrada da ONU (UNIOGBIS) - Banco Mundial

LFO // EL - Lusa

Teodoro Obiang já apresentou candidatura às presidenciais da Guiné Equatorial



O presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, já apresentou a sua candidatura às eleições presidenciais do próximo dia 24 de abril, concorrendo pelo Partido Democrático da Guiné Equatorial.

De acordo com a informação que está na página oficial do Governo da Guiné Equatorial, a apresentação da candidatura do atual Presidente às próximas presidenciais foi feita na terça-feira junto da Junta Eleitoral Nacional.

A página oficial na Internet do Governo deste país africano que entrou para a Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa há quase dois anos, mas que ainda não tem tradução em português, explica tambem que a candidatura foi entregue "respeitando todos os requisitos exigidos pela Lei Reguladora das Eleições Presidenciais".

Lusa

Angola. A SAÚDE DOS MORTOS



Reginaldo Silva – Rede Angola, opinião

Dentro de cerca de duas semanas, Angola vai completar 14 anos sem a ensurdecedora presença no seu quotidiano da destruidora guerra das armas, que teve a particularidade de ser essencialmente fratricida, sem se pretender passar ao lado de todo o protagonismo que os estrangeiros tiveram nela e dos vários lados das barricadas que se confrontaram.

Na vida política angolana 14 é um numero mágico, já que, oficialmente, ele corresponde ao tempo de guerra que os nossos valentes nacionalistas dos diferentes movimentos levaram a cabo contra o colonialismo português, tendo como referências o ano 1961 e a data da proclamação da Dipanda em Novembro de 75.

Em abono da verdade o período da guerra anti-colonial em Angola não ultrapassou os 13 anos, pelo que nesta altura e desta paz definitiva em que continuamos a acreditar, já temos mais um ano do que aquele que foi preciso para resolver o problema da ocupação estrangeira.

Com esta comparação pretende-se, antes de mais, chamar a atenção para a gestão do tempo que está a passar rapidamente, como sempre aliás, sendo certo que as pessoas querem ver resultados palpáveis a médio prazo, que tem como limite os cinco anos.

A longo prazo costuma dizer-se que já estaremos todos mortos, pelo que em política os compromissos/promessas eleitorais têm de ser sempre assumidos a médio prazo para mobilizar as pessoas a votarem em nós.

Serve esta comparação para dizer claramente que a guerra como factor condicionante deveria desaparecer definitivamente a partir deste 4 de Abril de 2016 do discurso político para justificar a permanência de alguns problemas sociais mais básicos com a dimensão trágica que alguns deles têm estado a exibir através de performance assustadora.

Sabemos, contudo, que este repto muito dificilmente será aceite como positivo e bem intencionado por quem de direito, que, como também sabemos, volta e meia ainda recorre ao colonialismo para, mais de 40 anos depois dos portugueses se terem ido embora daqui a toque de caixa, explicar a gravidade das gritantes assimetrias sociais e regionais em que o país continua mergulhado.

O nosso maior receio é que agora da parte deste discurso ainda venhamos a ouvir qualquer coisa parecida com o estabelecimento de uma correlação entre todo o período de guerra pós-independência e o tempo necessário para se retirar este factor do mapa, quando se estiver a falar das causas, que actualmente podem explicar os nossos tão decepcionantes índices de desenvolvimento humano.

Assim sendo, iria ser necessário esperar bem sentados cerca de três décadas até ouvirmos o “disco governamental” a tocar um música bem diferente.

Admitindo a remota possibilidade deste desafio vir a ser aceite, passaríamos a ter o discurso político oficial, a partir deste 14º aniversário dos Acordos de Paz, a procurar explicar as causas das actuais e mais dramáticas consequências sociais apenas tendo em devida e profunda conta o binómio consistência das políticas públicas versus recursos financeiros e humanos disponíveis.

Quanto a nós, estamos a falar de um país que tem recursos financeiros muito acima da média africana ao sul do Sahara, é aqui que está fundamentalmente o nó-górdio dos nossos “desconseguimentos”. Este binómio tem efectivamente que ser mais consistente, pois ele para já tem revelado demasiadas fragilidades, como todos os resultados do seu funcionamento têm vindo a demonstrar.

Consideramos assim já ser perfeitamente dispensável o recurso à “variável guerra” que apenas vai servindo para contra-atacar os adversários políticos e intimidar os críticos de uma forma geral.

A estes últimos podemos ainda juntar os detractores, por ser esta a designação de arremesso que os poderes estabelecidos gostam muito de usar quando estão a atravessar uma conjuntura mais complicada, que é o que se está a passar neste momento entre nós.

A recente crise dos hospitais de Luanda, que prossegue dentro de momentos, estava mais do que anunciada e sempre foi latente na crónica falta de recursos financeiros e humanos que o sector público da saúde tem conhecido.

A construção de novas unidades hospitalares públicas no país, algumas delas de grande porte, não foi acompanhada de um idêntico investimento no desenvolvimento do capital humano.

Pelo que se sabe, o Ministério da Saúde está há mais de 5 anos sem a competente autorização para abrir concursos públicos visando admissão de novo pessoal, que é cada vez mais urgente e em parte também explica o agravamento do défice na quantidade/qualidade da prestação dos cuidados de saúde às populações mais carentes, que continuam a ocupar folgadamente a “pole-position” na hora de se inventariarem as percentagens que caracterizam a nossa estratificação social.

A este respeito, e contrariando todas as estimativas mais optimistas sobre a evolução do estado da pobreza em Angola que se fazem a nível oficial, os Bispos da CEAST constaram que está a “aumentar assustadoramente o fosso entre os cada vez mais pobres e os poucos que se apoderam das riquezas nacionais, riquezas muitas vezes adquiridas de forma desonesta e fraudulenta”.

Assiste-se, segundo apontaram recentemente, “à falta de critério no uso dos fundos públicos, gastos exorbitantes, importação de coisas supérfluas que não aproveitam às populações”.

A situação agravou-se, certamente, desde que o Mr.Brent se começou a afundar nos mercados internacionais, com esta prolongada queda do seu preço, da qual muito dificilmente algum dia se irá recuperar se estivermos a pensar num regresso à fasquia acima dos cem dólares por barril, que durante alguns anos fez as delícias das “nossas vacas gordas”.

Sem este regresso, só mesmo com um aumento exponencial da produção se poderia compensar a brutal quebra das receitas, o que a médio prazo também não se nos afigura exequível.

No meio de todas as dificuldades reais e artificiais, aparentes e efectivas que se conhecem, o Estado tem de saber priorizar.

A saúde e anexos, pelas suas consequências mais dramáticas, é o  sector que mais tem de mobilizar as atenções do poder público na hora da alocação das verbas, de pouco adiantando as campanhas supletivas de solidariedade pontuais, se elas não encontrarem uma base sólida, que não esteja sujeita a flutuações tão expressivas e recorrentes.

Pelos vistos é isto que não está a acontecer nos montantes considerados indispensáveis para garantir a sustentabilidade da estrutura hospitalar.

Depois de uma certa idade, todos estamos de acordo em partilhar a ideia segundo a qual quando há saúde, tudo o resto é lucro.

Não temos muitas dificuldades em transportar esta ideia para o estado de qualquer nação que se preze e para as preocupações de qualquer poder político que queira governar com a necessária estabilidade e, sobretudo, sem andar permanentemente atrás do prejuízo.

O problema é que em Angola, passe o eventual exagero da avaliação, podemos estar já a ouvir falar mais da “saúde dos mortos”, do que do bem-estar dos vivos, o que quer dizer que hoje já vamos tendo mais notícias dos necrotérios e dos cemitérios do que dos hospitais e centros médicos.

É neste âmbito que vamos encontrar os Bispos a comunicarem a todo o país que  “nos últimos tempos, e de forma dramática, aumentou o índice de mortalidade de crianças e adultos, vítimas de doenças como o paludismo, diarreia e febre amarela”.

Isto deve-se, segundo eles, “principalmente, ao descuido da Saúde Pública e preventiva, falta de saneamento básico, falta de higiene pública e privada, falta de água, acumulação de lixo…”

ESTUDANTES ANGOLANOS EM CUBA CLAMAM POR AJUDA



Denunciam atrasos salariais e 10 podem ser expulsos por agradir um colega que foi roubar nos seus quartos.

Alvaro Ludgero Andrade – Voz da América

Os estudantes angolanos em Cuba estão há cerca de oito meses sem receber as suas bolsas do Governo de Luanda de forma regular, o que tem levado a que muitos vivam em situação de penúria total.

Nos últimos dois meses, receberam apenas cerca de 25 por cento da dívida e temem pelo seu futuro.

Enquanto isso, 10 estudantes de uma universidade em Havana correm o risco de serem expulsos de Cuba, em virtude do seu envolvimento numa briga quando apanharam um ladrão no seu apartamento.

Uma delegação desses estudantes angolanos apresentam amanhã ao embaixador em Havana a sua situação depois de terem recebido na segunda-feira, 21, a ordem de expulsão da reitoria da universidade de Cujae, em Havana.

Os estudantes angolanos e um são-tomense terão agredido um estudante cubano apanhado a roubar nos seus quartos, “o que vinha acontecido com regularidade”, como disse à VOA um estudante em Havana que pediu o anonimato com mede de represálias.

Apesar das queixas apresentadas junto da reitoria e do responsável da embaixada angolana pelos estudantes, não houve qualquer resposta.

“Temos contado tudo o que temos sofrido aqui durante muito tempo ao responsável pelos estudantes na Embaixada de Angola aqui em Havana, mas ele guardou todas as informações e só ontem, dia 22, ele informou o embaixador do ocorrido”, contou a mesma fonte que duvida que o chefe da representação diplomática de Luanda resolva o problema.

“É que estamos há oito meses sem receber a bolsa, num total de quatro mil dólares e só em Janeiro e Fevereiro pagarão duas tranches de 500 dólares cada”, revelou o estudante que ainda acusou as “autoridades de estarem a seguir-nos e a espiar tudo o que dizemos”.

A VOA tentou falar com o responsável pelos estudantes junto da Embaixada de Angola em Havana, mas não foi possível.

Terceiro ataque a autocarro da Nagi fere dois tripulantes no centro de Moçambique



Dois novos ataques separados de homens armados a um autocarro da companhia Nagi Investiment feriram hoje dois passageiros em Mombe, no troço Save-Muxúnguè, sujeito a escoltas obrigatórias do exército, disseram à Lusa testemunhas.

Os incidentes ocorreram no princípio da manhã, a 25 quilómetros de Muxúnguè, junto a um posto administrativo de Chibabava, Sofala, centro de Moçambique. O autocarro lotado foi atingido por balas, disparadas numa curta distância, e imobilizado, contou uma testemunha.

"Passamos 30 metros duma subunidade das forças de defesa e segurança e deparamos com os tiros que imobilizaram a nossa viatura. Foram quase sete tiros, uns tiros atingiram os dois tripulantes e os outros tiros atingiram os tanques de combustível e as rodas. Tivemos que parar uma hora e meia à espera da troca de pneu e vedação dos tanques", explicou a testemunha, que seguia no autocarro.

Lusa

MOÇAMBIQUE VIVE UMA “GUERRA ESCONDIDA” - investigador



Moçambique vive uma "guerra escondida" entre as forças governamentais e o braço armado da Renamo, principal partido de oposição, escamoteada pela generalidade da comunicação social, e que justifica uma mediação internacional, considerou hoje o investigador moçambicano Luís de Brito.

Brito utilizou o conceito de "guerra escondida" para descrever a natureza dos confrontos entre as forças de defesa e segurança e o braço armado da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), principal partido da oposição, quando apresentava o tema "Um ano de governação: impasse político", durante a "2.ª Conferência Economia e Governação: Desafios e Propostas - Análise do primeiro ano da governação de Filipe Jacinto Nyusi", coorganizada pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), Centro de Integridade Pública (CIP) e Observatório do Meio Rural (OMR).

"Hoje há uma guerra escondida, é localizada (no centro do país), escamoteada através de muita desinformação, quem não conhece o país, não faz ideia de que há guerra", frisou o académico.

Lusa

Modelo de crescimento económico de Moçambique não é sustentável -- investigadores



O crescimento económico de Moçambique não é sustentável nem combate as desigualdades sociais, porque assenta na poupança externa e está muito exposto à volatilidade da economia mundial, defenderam hoje dois investigadores moçambicanos.

O modelo de crescimento da economia moçambicana foi hoje tema de debate na "2.ª Conferência Economia e Governação: Desafios e Propostas - Análise do primeiro ano da governação de Filipe Jacinto Nyusi", realizada em Maputo.

"Nós crescemos rapidamente, mas com a poupança dos outros, a regra de ouro é o recurso à poupança interna, mas o que se verifica é que esta tem um papel de coadjuvante daquela", considerou o economista e diretor do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), António Francisco.

Lusa

DEPOIS DA OCUPAÇÃO INDONÉSIA É A AUSTRÁLIA QUE OCUPA E ROUBA TIMOR-LESTE



Já vem da há tempos atrás a luta de Timor-Leste para sentar à mesa de negociações a Austrália com a abordagem à ocupação ilegal, segundo as leis internacionais, do Mar de Timor. Reconhecidamente a Austrália ocupa parte do Mar de Timor ilegalmente com o intuito de se apoderar de substancial espaço dos campos petrolíferos de Timor-Leste, campos com jazidas de petróleo e gás que está ilegalmente a explorar. Em linguagem normal e popular chama-se a isto um roubo.

No último ano Timor-Leste vem pressionando com maior acuidade a Austrália para que reconheça o facto e negoceie com Timor-Leste o limite da fronteira marítima de acordo com as leis internacionais. É evidente que a Austrália terá de recuar muitas milhas. É evidente que a Austrália não terá mais a possibilidade de roubar o petróleo e o gás de Timor-Leste. Por esse motivo a Austrália procura ganhar tempo, procura explorar ilegalmente as jazidas de petróleo e gás que não lhe pertencem. Nessa perpetiva de ganhar tempo nega a sentar-se à mesa das negociações, mais tarde sentar-se-à e voltará a procurar ganhar tempo. A Austrália procurará esgotar o mais possível o tempo que considere necessário para também esgotar as jazidas que ocupa e explora ilegalmente e contra a vontade dos timorenses.

Foi ontem que aqui trouxemos ao Página Global a notícia da Lusa que nos dava conhecimento de uma mega manifestação em Díli, capital de Timor-Leste. Num país com uma população ínfima reuniram-se muitos milhares de timorenses junto da embaixada australiana - Milhares protestam em Díli contra Austrália por causa de fronteiras marítimas - em protesto pela posição da Austrália em se recusar a sentar-se à mesa de negociações, reconhecer a ilegalidade que está a cometer e recuar na linha de fronteira que o Direito Internacional estabelece.

Inseridos na legítima luta contra a ocupação australiana do Mar de Timor pela Austrália, a organização de veteranos da luta de libertação timorense, a ACBN, participante na manifestação de protesto e no processo de luta pela libertação do Mar de Timor ilegitimamente ocupado emitiu uma carta aberta ao primeiro-ministro australiano que incluiremos a seguir. Carta aberta que foi lida durante a mega manifestação junto à embaixada da Austrália em Díli e entregue ao embaixador, representante em Timor-Leste do governo australiano chefiado por Malcolm Bligh Turnbull, primeiro-ministro da Austrália.

Quer o destino dos timorenses que após 24 anos de ocupação indonésia ainda tenham de suportar a ocupação australiana do Mar Timor com o intuito puro e duro de roubar o que  de todo pertence aos timorenses. Já que a Austrália tem a posição que se conhece  também compete à comunidade internacional fazer-se ouvir e apontar à Austrália o cumprimento do Direito Internacional, o recuo para a linha da sua fronteira marítima, e a indemnização devida aos timorenses pelo debulho de anos de exploração indevida das jazidas supra citadas.

Redação PG / MM

CARTA ABERTA AO PRIMEIRO-MINISTRO DA AUSTRÁLIA SENHOR MALCOLM BLIGH TURNBULL

C/CONHECIMENTO

S. E. SECRETÁRIO-GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, SENHOR BAN KI-MOON

 TODOS OS DIGNOS ESTADOS MEMBROS DAS NAÇÕES UNIDAS

TODA A DIGNA COMUNIDADE INTERNACIONAL DE BOA VONTADE

Díli, Timor-Leste, 22 de Março de 2016

Assunto: Resolução da Delimitação Definitiva das Fronteiras Marítimas entre TimorLeste e a Austrália à luz do Direito Internacional e da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

Respeitosos cumprimentos.

A Associação dos Combatentes da Brigada Negra (ACBN) do qual é Presidente Honorário S. E. Kay Rala Xanana Gusmão, Negociador Principal do Estado timorense nas negociações com o Estado australiano, para a resolução definitiva da delimitação das fronteiras marítimas entre os dois países, vem por este meio expor e solicitar a Vossa Excelência o seguinte:

I. Na década de 40, durante a II Guerra Mundial, os aliados ocidentais, ao declararem guerra ao Japão, começaram a utilizar a ilha de Timor para deter o avanço japonês em direcção à Austrália. O exército japonês invadiu Timor a 20 de Fevereiro de 1942, atacando a força aliada estacionada na ilha (referimo-nos a Timor Ocidental e TimorLeste), constituída por militares da Austrália, da Holanda e do Reino Unido.

Em Timor-Leste, naquele tempo território Português (Portugal de Salazar na altura assumira uma postura neutral), a invasão japonesa foi violenta e, mesmo combatendo com coragem e determinação, a maior parte das forças aliadas renderam-se, sobrando apenas comandos australianos auxiliados por timorenses que lutavam através de movimentos de guerrilha no território de Timor-Leste, apoiados a partir de Darwin.

As tropas japonesas sofreram baixas significativas mas conseguiram obter a vitória militar e as tropas australianas restantes foram evacuadas em 10 de Fevereiro de 1943. Contudo, mesmo depois da saída das tropas australianas muitos timorenses continuaram a resistir, e dezenas de milhares de timorenses morreram devido à ocupação japonesa.

O povo de Timor-Leste pela sua participação e apoio às acções de Guerrilha da Austrália, estratégica para reter os japoneses na ilha e impedir a entrada das tropas japonesas na Austrália, sofreu brutalidades de toda a ordem. Milhares de mulheres e crianças pereceram, e foram vítimas das mais bárbaras atrocidades!

Apesar destes actos de registo, o Governo da Austrália, desde 1975 a 1999, renegou estes factos históricos, exclusivamente devido aos seus interesses económicos, tendo contribuído para consolidar a ocupação ilegal da Indonésia em Timor-Leste, espezinhando os valores humanos e de dignidade humana e, acima de tudo, violando os direitos de um povo à sua auto-determinação e independência nacional, transgredindo de forma vergonhosa os princípios universais inscritos na Carta das Nações Unidas, da qual é membro!

II. O martirizado povo de Timor-Leste, sozinho, e contando apenas com a solidariedade dos povos, incluindo a solidariedade honrosa manifestada pelo sábio povo Australiano após décadas de uma denodada Resistência, mudou o cenário político mundial e desvalorizou o esquema estratégico regional e global das grandes potencias na manutenção de interesses com prejuízo para o direito dos povos pobres e pequenos.

Felizmente, e graças à determinação do nosso povo e da solidariedade internacional, a situação alterou-se radicalmente e a Comunidade Internacional das Nações e Povos viram-se na obrigação de realizar o REFERENDO de 1999.

III. No âmbito do Referendo em Timor-Leste, o Representante Especial do SecretárioGeral da ONU para Timor-Leste foi o responsável máximo pela implementação de todo o processo de consulta popular. O Chefe da UNAMET foi o britânico Ian Martin. A ONU estabeleceu a missão das Nações Unidas em Timor-Leste para conduzir o referendo de 1999, reconhecendo a autodeterminação de Timor-Leste.

O Conselho de Segurança da ONU autorizou a força internacional em Timor-Leste (INTERFET), sob o comando de um australiano, o General Peter Cosgrove, recentemente condecorado em Timor-Leste, para ser a força reguladora, e garantir a estabilidade e a paz em caso de violência após a consulta popular. Em 30 de Agosto de 1999, a maioria esmagadora dos timorenses (78,5%) rejeitou o estatuto de autonomia especial na Indonésia, abrindo o caminho para a independência plena, que foi proclamada, o que permitiu a Timor-Leste tornar-se a partir de 2002 membro da Nações Unidas de pleno direito.

Os apoios, quer morais e humanitários, bem como financeiros, providenciados pelo Governo Australiano ao povo de Timor-Leste não são e nunca poderão ser justificação para varrer as suas barbaridades contra o povo de Timor-Leste e o seu desrespeito pelos valores e princípios internacionais, porquanto, na nossa perspectiva, esta regra aplica-se e tem validade para todos os povos e nações civilizadas que subscreveram a Carta Universal dos Direitos do Homem e dizem saber respeitar a convivência humana e o respeito mútuo entre os povos!

O Governo da Austrália não pode e nunca deverá fundamentar-se nos seus apoios ao Povo de Timor-Leste durante o período da administração transitória da ONU em Timor Leste para vangloriar-se dos seus valores de dignidade e de boa vizinhança, porquanto, de forma hipócrita, fugindo à sua responsabilidade perante o direito internacional, ignorando o que está estipulado na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, os governos australianos, aproveitando-se da fraqueza e da dependência conjuntural de Timor-Leste, com total ausência de moral, a partir dos acordos de exploração petrolífera rubricados, têm retirado do povo de Timor-Leste riquezas que pertenciam e pertencem ao povo timorense.

Portanto, contrariamente ao que pretenderam mostrar, nunca foram actos de filantropia e de solidariedade, mas sim a representação de uma acção contrária aos valores que o Povo Australiano nutre e manifesta perante os sofrimentos do Povo de Timor-Leste!

IV. Somos agora um Estado membro das Nações Unidas, mas, a nossa independência não é plena, porque não temos soberania em relação ao nosso mar e seus recursos. Mas, como decerto Vossa Excelência concordará, todos nós, Timor-Leste e Austrália, temos direitos e deveres, e acreditamos que a Austrália pode ter um papel importante e ser um aliado estratégico nesta zona geográfica dos países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).

Em termos históricos e geográficos, o problema relacionado com os recursos petrolíferos no mar de Timor, entre o Sul da ilha de Timor e o Norte da Austrália, teve início nos anos 60 quando a Austrália começou a negociar a delimitação das suas fronteiras marítimas com os seus países vizinhos, era ainda Timor-Leste uma colónia portuguesa.

Em 11 de Dezembro de 1989 a Austrália e a Indonésia assinaram o Tratado do Timor Gap (Timor Gap Treaty). O acordo rubricado ignorou totalmente os interesses legítimos de Timor-Leste, pois havia o reconhecimento «de facto» da anexação por parte da Indonésia como 27ª Província, e também porque Portugal preferiu aguardar a resolução da «Questão de Timor», como já supracitado.

Desde o referendo, em 1999, até 2002, em que Timor-Leste esteve sob administração da UNTAET (United Nations Transitional Administration in East Timor), as negociações continuaram, desta vez entre a UNTAET e a Austrália, e deram lugar ao Tratado do Mar de Timor (Timor Sea Treat), que tinha como objectivo manter as explorações no Timor Gap, que tinham iniciado com o Timor Gap Treaty. Neste novo tratado, praticamente não houve alterações, para além da chamada Zona de Cooperação passar a chamar-se JPDA (Joint Petroleum Development Area).

Os sucessivos governos da Austrália têm reivindicado a delimitação das fronteiras para a definição da Zona Económica Exclusiva baseada na significação de Plataforma Continental (até aos 200 metros de profundidade) e nunca abdicaram deste ponto de vista porque a Austrália tem nesta zona do mar uma Plataforma Continental muito larga. Contudo, e é aqui que o governo da Austrália perde totalmente a razão, TimorLeste tem fundamento legal para recusar essa tese porque a argumentação da Austrália basear-se na Plataforma Continental não é aceite pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS).

Efectivamente, como ressalta Almeida Costa (2006), um conceituado especialista do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, «esta pretensão vai contra as normas da versão mais moderna da Lei Internacional do Mar a qual determina que cada País tem direito a delimitar como zona económica exclusiva 188 milhas náuticas a partir do limite exterior do seu mar territorial (12 milhas da costa) independentemente da Plataforma», ou seja, estas normas implicam que a Zona Económica Exclusiva pode ir até às 200 milhas da linha de costa tomada como base para a definição do Mar Territorial.

Ora, de acordo com a (mais) recente Lei Internacional do Mar, quando não houver 400 milhas a separar dois Países, a fronteira deve ser definida com base na linha equidistante de ambos os Países. Este é precisamente o caso entre a Austrália e TimorLeste, pois, a distância entre os dois Países é inferior a 400 milhas, pelo que, com base neste raciocínio, a reivindicação da ACBN é a de que a delimitação da fronteira marítima seja baseada, não na Plataforma Continental, como sempre defenderam os governos australianos, mas através da linha equidistante (median line) entre os dois Países, em conformidade com a legalidade internacional.

V. Timor-Leste é membro das Nações Unidas, tal como é a Austrália, e todos temos direitos e deveres nos nossos espaços marítimos, nomeadamente, em relação ao aproveitamento dos seus recursos, mas também para garantir a soberania e jurisdição, uma dimensão que para o povo timorense é inegociável e inquestionável.

Se em 2004 o Governo australiano respeitou a UNCLOS para negociar a delimitação das fronteiras marítimas com a Nova Zelândia, na nossa humilde opinião, por uma questão de coerência, ética e boa fé, deve manter os mesmos princípios em relação a Timor-Leste.

Nestes termos, por tudo o que a Associação dos Combatentes da Brigada Negra expôs nesta Carta Aberta, vimos por este meio apelar ao bom senso do Governo australiano, por razões de ordem ética, para que possa granjear a consideração regional e internacional em respeito pelos princípios fundamentais da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e dos Pactos e Protocolos internacionais que a Austrália subscreveu e, em conformidade com os princípios estipulados na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, sentar-se à mesa das negociações com Timor-Leste para a delimitação definitiva das fronteiras marítimas.

A Associação dos Combatentes da Brigada Negra quer de uma forma aberta, sem rodeios, afirmar que todas as acções em curso e a desenvolver não significam actos de desvalorização das nossas relações saudáveis até hoje desenvolvidas com o povo australiano.

O que nós pretendemos, isso sim, é fazer uso dos nossos modestos recursos, ao nosso dispor, para sensibilizar o Governo de Camberra a aceitar sentar-se à mesa das conversações com Timor-Leste, representado pelo Negociador Principal, a fim de se abordarem os diferendos e litígios existentes para encontrarmos uma solução sábia e duradoura que garanta e valorize as nossas relações diplomáticas, povo para povo, neste universo do chamado mundo globalizado!

Timor-Leste e Austrália, os seus dois povos, os seus dois governos, extraindo tudo o que os separa, são povos de longo relacionamento, de irmandade e de amizade humana!

Assim, a ACBN apela ao Governo de Camberra para que nos sentemos à mesa das NEGOCIAÇÕES para avaliarmos as nossas diferenças e encontrarmos soluções que nos satisfaçam, mutuamente, à luz do Direito Internacional e da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar!

Certos de que Vossa Excelência prestará a melhor atenção a esta missiva e responderá afirmativamente a esta nossa justa pretensão, aguardando a Vossa prezada resposta, aproveitamos o ensejo para apresentar os protestos da nossa mais elevada consideração,

O Presidente (Interino) - Nuno Corvelo / Laloran

O Vice-Presidente (Interino) - Aquita Tama Laka

*O texto desta Carta Aberta da ACBN está em conformidade com o mesmo que será lido e assinado pelos signatários durante as acções de protesto de 22 e 23 de Março planeadas há meses e organizadas pela Associação dos Combatentes da Brigada Negra.

M. Azancot de Menezes - Vice-Presidente (Interino) da ACBN


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