Reginaldo
Silva – Rede Angola, opinião
Dentro
de cerca de duas semanas, Angola vai completar 14 anos sem a ensurdecedora
presença no seu quotidiano da destruidora guerra das armas, que teve a
particularidade de ser essencialmente fratricida, sem se pretender passar ao
lado de todo o protagonismo que os estrangeiros tiveram nela e dos vários lados
das barricadas que se confrontaram.
Na
vida política angolana 14 é um numero mágico, já que, oficialmente, ele
corresponde ao tempo de guerra que os nossos valentes nacionalistas dos
diferentes movimentos levaram a cabo contra o colonialismo português, tendo
como referências o ano 1961 e a data da proclamação da Dipanda em Novembro de
75.
Em
abono da verdade o período da guerra anti-colonial em Angola não ultrapassou os
13 anos, pelo que nesta altura e desta paz definitiva em que continuamos a
acreditar, já temos mais um ano do que aquele que foi preciso para resolver o
problema da ocupação estrangeira.
Com
esta comparação pretende-se, antes de mais, chamar a atenção para a gestão do
tempo que está a passar rapidamente, como sempre aliás, sendo certo que as
pessoas querem ver resultados palpáveis a médio prazo, que tem como limite os
cinco anos.
A
longo prazo costuma dizer-se que já estaremos todos mortos, pelo que em
política os compromissos/promessas eleitorais têm de ser sempre assumidos a
médio prazo para mobilizar as pessoas a votarem em nós.
Serve
esta comparação para dizer claramente que a guerra como factor condicionante
deveria desaparecer definitivamente a partir deste 4 de Abril de 2016 do
discurso político para justificar a permanência de alguns problemas sociais
mais básicos com a dimensão trágica que alguns deles têm estado a exibir através
de performance assustadora.
Sabemos,
contudo, que este repto muito dificilmente será aceite como positivo e bem
intencionado por quem de direito, que, como também sabemos, volta e meia ainda
recorre ao colonialismo para, mais de 40 anos depois dos portugueses se terem
ido embora daqui a toque de caixa, explicar a gravidade das gritantes
assimetrias sociais e regionais em que o país continua mergulhado.
O
nosso maior receio é que agora da parte deste discurso ainda venhamos a ouvir
qualquer coisa parecida com o estabelecimento de uma correlação entre todo o
período de guerra pós-independência e o tempo necessário para se retirar este
factor do mapa, quando se estiver a falar das causas, que actualmente podem
explicar os nossos tão decepcionantes índices de desenvolvimento humano.
Assim
sendo, iria ser necessário esperar bem sentados cerca de três décadas até
ouvirmos o “disco governamental” a tocar um música bem diferente.
Admitindo
a remota possibilidade deste desafio vir a ser aceite, passaríamos a ter o
discurso político oficial, a partir deste 14º aniversário dos Acordos de Paz, a
procurar explicar as causas das actuais e mais dramáticas consequências sociais
apenas tendo em devida e profunda conta o binómio consistência das políticas
públicas versus recursos financeiros e humanos disponíveis.
Quanto
a nós, estamos a falar de um país que tem recursos financeiros muito acima da
média africana ao sul do Sahara, é aqui que está fundamentalmente o nó-górdio
dos nossos “desconseguimentos”. Este binómio tem efectivamente que ser mais
consistente, pois ele para já tem revelado demasiadas fragilidades, como todos
os resultados do seu funcionamento têm vindo a demonstrar.
Consideramos
assim já ser perfeitamente dispensável o recurso à “variável guerra” que apenas
vai servindo para contra-atacar os adversários políticos e intimidar os
críticos de uma forma geral.
A
estes últimos podemos ainda juntar os detractores, por ser esta a designação de
arremesso que os poderes estabelecidos gostam muito de usar quando estão a
atravessar uma conjuntura mais complicada, que é o que se está a passar neste
momento entre nós.
A
recente crise dos hospitais de Luanda, que prossegue dentro de momentos, estava
mais do que anunciada e sempre foi latente na crónica falta de recursos financeiros
e humanos que o sector público da saúde tem conhecido.
A
construção de novas unidades hospitalares públicas no país, algumas delas de
grande porte, não foi acompanhada de um idêntico investimento no
desenvolvimento do capital humano.
Pelo
que se sabe, o Ministério da Saúde está há mais de 5 anos sem a competente
autorização para abrir concursos públicos visando admissão de novo pessoal, que
é cada vez mais urgente e em parte também explica o agravamento do défice na
quantidade/qualidade da prestação dos cuidados de saúde às populações mais
carentes, que continuam a ocupar folgadamente a “pole-position” na hora de se
inventariarem as percentagens que caracterizam a nossa estratificação social.
A
este respeito, e contrariando todas as estimativas mais optimistas sobre a
evolução do estado da pobreza em Angola que se fazem a nível oficial, os Bispos
da CEAST constaram que está a “aumentar assustadoramente o fosso entre os cada
vez mais pobres e os poucos que se apoderam das riquezas nacionais, riquezas
muitas vezes adquiridas de forma desonesta e fraudulenta”.
Assiste-se,
segundo apontaram recentemente, “à falta de critério no uso dos fundos
públicos, gastos exorbitantes, importação de coisas supérfluas que não
aproveitam às populações”.
A
situação agravou-se, certamente, desde que o Mr.Brent se começou a afundar nos
mercados internacionais, com esta prolongada queda do seu preço, da qual muito
dificilmente algum dia se irá recuperar se estivermos a pensar num regresso à
fasquia acima dos cem dólares por barril, que durante alguns anos fez as
delícias das “nossas vacas gordas”.
Sem
este regresso, só mesmo com um aumento exponencial da produção se poderia
compensar a brutal quebra das receitas, o que a médio prazo também não se nos
afigura exequível.
No
meio de todas as dificuldades reais e artificiais, aparentes e efectivas que se
conhecem, o Estado tem de saber priorizar.
A
saúde e anexos, pelas suas consequências mais dramáticas, é o sector que
mais tem de mobilizar as atenções do poder público na hora da alocação das
verbas, de pouco adiantando as campanhas supletivas de solidariedade pontuais,
se elas não encontrarem uma base sólida, que não esteja sujeita a flutuações
tão expressivas e recorrentes.
Pelos
vistos é isto que não está a acontecer nos montantes considerados
indispensáveis para garantir a sustentabilidade da estrutura hospitalar.
Depois
de uma certa idade, todos estamos de acordo em partilhar a ideia segundo a qual
quando há saúde, tudo o resto é lucro.
Não
temos muitas dificuldades em transportar esta ideia para o estado de qualquer
nação que se preze e para as preocupações de qualquer poder político que queira
governar com a necessária estabilidade e, sobretudo, sem andar permanentemente
atrás do prejuízo.
O
problema é que em Angola, passe o eventual exagero da avaliação, podemos estar
já a ouvir falar mais da “saúde dos mortos”, do que do bem-estar dos vivos, o
que quer dizer que hoje já vamos tendo mais notícias dos necrotérios e dos
cemitérios do que dos hospitais e centros médicos.
É
neste âmbito que vamos encontrar os Bispos a comunicarem a todo o país
que “nos últimos tempos, e de forma dramática, aumentou o índice de
mortalidade de crianças e adultos, vítimas de doenças como o paludismo,
diarreia e febre amarela”.
Isto
deve-se, segundo eles, “principalmente, ao descuido da Saúde Pública e
preventiva, falta de saneamento básico, falta de higiene pública e privada,
falta de água, acumulação de lixo…”
Sem comentários:
Enviar um comentário