quarta-feira, 23 de março de 2016

Angola. A SAÚDE DOS MORTOS



Reginaldo Silva – Rede Angola, opinião

Dentro de cerca de duas semanas, Angola vai completar 14 anos sem a ensurdecedora presença no seu quotidiano da destruidora guerra das armas, que teve a particularidade de ser essencialmente fratricida, sem se pretender passar ao lado de todo o protagonismo que os estrangeiros tiveram nela e dos vários lados das barricadas que se confrontaram.

Na vida política angolana 14 é um numero mágico, já que, oficialmente, ele corresponde ao tempo de guerra que os nossos valentes nacionalistas dos diferentes movimentos levaram a cabo contra o colonialismo português, tendo como referências o ano 1961 e a data da proclamação da Dipanda em Novembro de 75.

Em abono da verdade o período da guerra anti-colonial em Angola não ultrapassou os 13 anos, pelo que nesta altura e desta paz definitiva em que continuamos a acreditar, já temos mais um ano do que aquele que foi preciso para resolver o problema da ocupação estrangeira.

Com esta comparação pretende-se, antes de mais, chamar a atenção para a gestão do tempo que está a passar rapidamente, como sempre aliás, sendo certo que as pessoas querem ver resultados palpáveis a médio prazo, que tem como limite os cinco anos.

A longo prazo costuma dizer-se que já estaremos todos mortos, pelo que em política os compromissos/promessas eleitorais têm de ser sempre assumidos a médio prazo para mobilizar as pessoas a votarem em nós.

Serve esta comparação para dizer claramente que a guerra como factor condicionante deveria desaparecer definitivamente a partir deste 4 de Abril de 2016 do discurso político para justificar a permanência de alguns problemas sociais mais básicos com a dimensão trágica que alguns deles têm estado a exibir através de performance assustadora.

Sabemos, contudo, que este repto muito dificilmente será aceite como positivo e bem intencionado por quem de direito, que, como também sabemos, volta e meia ainda recorre ao colonialismo para, mais de 40 anos depois dos portugueses se terem ido embora daqui a toque de caixa, explicar a gravidade das gritantes assimetrias sociais e regionais em que o país continua mergulhado.

O nosso maior receio é que agora da parte deste discurso ainda venhamos a ouvir qualquer coisa parecida com o estabelecimento de uma correlação entre todo o período de guerra pós-independência e o tempo necessário para se retirar este factor do mapa, quando se estiver a falar das causas, que actualmente podem explicar os nossos tão decepcionantes índices de desenvolvimento humano.

Assim sendo, iria ser necessário esperar bem sentados cerca de três décadas até ouvirmos o “disco governamental” a tocar um música bem diferente.

Admitindo a remota possibilidade deste desafio vir a ser aceite, passaríamos a ter o discurso político oficial, a partir deste 14º aniversário dos Acordos de Paz, a procurar explicar as causas das actuais e mais dramáticas consequências sociais apenas tendo em devida e profunda conta o binómio consistência das políticas públicas versus recursos financeiros e humanos disponíveis.

Quanto a nós, estamos a falar de um país que tem recursos financeiros muito acima da média africana ao sul do Sahara, é aqui que está fundamentalmente o nó-górdio dos nossos “desconseguimentos”. Este binómio tem efectivamente que ser mais consistente, pois ele para já tem revelado demasiadas fragilidades, como todos os resultados do seu funcionamento têm vindo a demonstrar.

Consideramos assim já ser perfeitamente dispensável o recurso à “variável guerra” que apenas vai servindo para contra-atacar os adversários políticos e intimidar os críticos de uma forma geral.

A estes últimos podemos ainda juntar os detractores, por ser esta a designação de arremesso que os poderes estabelecidos gostam muito de usar quando estão a atravessar uma conjuntura mais complicada, que é o que se está a passar neste momento entre nós.

A recente crise dos hospitais de Luanda, que prossegue dentro de momentos, estava mais do que anunciada e sempre foi latente na crónica falta de recursos financeiros e humanos que o sector público da saúde tem conhecido.

A construção de novas unidades hospitalares públicas no país, algumas delas de grande porte, não foi acompanhada de um idêntico investimento no desenvolvimento do capital humano.

Pelo que se sabe, o Ministério da Saúde está há mais de 5 anos sem a competente autorização para abrir concursos públicos visando admissão de novo pessoal, que é cada vez mais urgente e em parte também explica o agravamento do défice na quantidade/qualidade da prestação dos cuidados de saúde às populações mais carentes, que continuam a ocupar folgadamente a “pole-position” na hora de se inventariarem as percentagens que caracterizam a nossa estratificação social.

A este respeito, e contrariando todas as estimativas mais optimistas sobre a evolução do estado da pobreza em Angola que se fazem a nível oficial, os Bispos da CEAST constaram que está a “aumentar assustadoramente o fosso entre os cada vez mais pobres e os poucos que se apoderam das riquezas nacionais, riquezas muitas vezes adquiridas de forma desonesta e fraudulenta”.

Assiste-se, segundo apontaram recentemente, “à falta de critério no uso dos fundos públicos, gastos exorbitantes, importação de coisas supérfluas que não aproveitam às populações”.

A situação agravou-se, certamente, desde que o Mr.Brent se começou a afundar nos mercados internacionais, com esta prolongada queda do seu preço, da qual muito dificilmente algum dia se irá recuperar se estivermos a pensar num regresso à fasquia acima dos cem dólares por barril, que durante alguns anos fez as delícias das “nossas vacas gordas”.

Sem este regresso, só mesmo com um aumento exponencial da produção se poderia compensar a brutal quebra das receitas, o que a médio prazo também não se nos afigura exequível.

No meio de todas as dificuldades reais e artificiais, aparentes e efectivas que se conhecem, o Estado tem de saber priorizar.

A saúde e anexos, pelas suas consequências mais dramáticas, é o  sector que mais tem de mobilizar as atenções do poder público na hora da alocação das verbas, de pouco adiantando as campanhas supletivas de solidariedade pontuais, se elas não encontrarem uma base sólida, que não esteja sujeita a flutuações tão expressivas e recorrentes.

Pelos vistos é isto que não está a acontecer nos montantes considerados indispensáveis para garantir a sustentabilidade da estrutura hospitalar.

Depois de uma certa idade, todos estamos de acordo em partilhar a ideia segundo a qual quando há saúde, tudo o resto é lucro.

Não temos muitas dificuldades em transportar esta ideia para o estado de qualquer nação que se preze e para as preocupações de qualquer poder político que queira governar com a necessária estabilidade e, sobretudo, sem andar permanentemente atrás do prejuízo.

O problema é que em Angola, passe o eventual exagero da avaliação, podemos estar já a ouvir falar mais da “saúde dos mortos”, do que do bem-estar dos vivos, o que quer dizer que hoje já vamos tendo mais notícias dos necrotérios e dos cemitérios do que dos hospitais e centros médicos.

É neste âmbito que vamos encontrar os Bispos a comunicarem a todo o país que  “nos últimos tempos, e de forma dramática, aumentou o índice de mortalidade de crianças e adultos, vítimas de doenças como o paludismo, diarreia e febre amarela”.

Isto deve-se, segundo eles, “principalmente, ao descuido da Saúde Pública e preventiva, falta de saneamento básico, falta de higiene pública e privada, falta de água, acumulação de lixo…”

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