Haverá
luto e lágrimas, após atentados brutais em Bruxelas. Mas quem se lembrará do
papel jogado pelos países europeus, nas guerras que alimentam o ISIS?
Patrick
Cockburn – Outras Palavras - Tradução: Vinícius Gomes Melo
A
captura, [na semana passada,] de Salah Abdeslam, que as autoridades acreditavam
ter sido o último planejador do massacres de Paris que sobrevivia, significa
que a mídia está, novamente, focando sua atenção na ameaça de ataques
terroristas praticados pelo Estado Islâmico (ISIS). Pergunta-se como o homem
mais procurado da Europa foi capaz de enganar a polícia por tanto tempo, apesar
de ele continuar vivendo em sua casa no distrito de Molenbeek, em Bruxelas. Os
canais de televisão e os jornais levantam questões sobre as chances de o ISIS
realizar uma nova atrocidade com o objetivo de dominar os noticiários,
mostrando que seus combatentes ainda estão soltos por aí. [Esta hipótese
concretizou-se ontem, na capital da Bélgica, com três explosões que mataram 34 pessoas
e feriram mais de 120].
A
repercussão dos eventos em Bruxelas está de acordo com a que ocorreu após os
ataques de janeiro (Charlie Hebdo) e novembro em Paris, e dos assassinatos nas
praias da Tunísia, todos perpetrados pelo ISIS no ano passado. Durante vários
dias, há uma cobertura vasta: a imprensa utiliza seu tempo e espaço muito além
do que seria necessário para relatar e desenvolver a história. Porém, o foco de
sua cobertura muda, de maneira abrupta, para qualquer outra coisa, como se o
ISIS se tornasse notícia de ontem. O movimento é tratado como se tivesse
deixado de existir, ou então perdido sua capacidade de afetar nossas vidas.
Na
verdade, não que o ISIS tenha deixado de matar pessoas em grande escala desde a
carnificina em Paris, no último 13 de novembro. Ele só não o fazia na Europa.
Estive em Bagdá em 28 de fevereiro, quando dois homens-bomba do Estado
Islâmico, utilizando motocicletas, explodiram-se em um mercado de celulares a
céu aberto, matando 73 pessoas e ferindo mais de cem, em Sadr City. No mesmo
dia, dezenas de combatentes do ISIS montados em pick-ups com armamento pesado
instalado na traseira, atacaram postos avançados da polícia e do exército em
Abu Ghraib, lar da famosa prisão, no subúrbio da capital iraquiana. Antes,
ocorrera um ataque inicial liderado por pelo menos quatro homens-bombas, um
deles lançando seu veículo carregado de explosivos contra um quartel militar. O
tiroteio durou várias horas, ao redor de um silo de grãos em chamas.
Fora
dali, o mundo quase não se deu conta desses acontecimentos sangrentos, pois
eles parecem fazer parte da ordem natural de como funcionam as coisas no Iraque
e na Síria. Mas o número total de iraquianos mortos por esses dois ataques – e
ainda um outro duplo ataque suicida em uma mesquita xiita no distrito de
Shuala, apenas quatro dias antes – é quase o mesmo número dos que morreram em
Paris nas mãos do ISIS, no final do ano passado.
Na
mente dos cidadãos do “Velho Continente”, nunca existiu uma conexão entre as
guerras no Iraque e na Síria e os ataques terroristas contra europeus. Isso
acontece, em parte, por Bagdá e Damasco serem lugares exóticos e perigosos,
onde as imagens de pós-bombardeio, desde a invasão dos EUA em 2003, parecem ser
a norma. Mas existe uma razão ainda mais pérfida para os europeus não serem
capaz de conectar a ameaça a sua própria segurança com as guerras no Oriente
Médio. Separar os dois fatos serve aos interesses dos líderes políticos no
Ocidente, pois isso impede que a opinião pública enxergue que suas políticas
desastrosas no Iraque, Afeganistão, Líbia, entre outros, criaram as condições
para o surgimento do ISIS e gangues terroristas, tais quais aquela a que Salah
Abdeslam pertenceu.
A
profusão de lutos oficiais que geralmente vêm após essas atrocidades, como a
marcha de 40 governantes mundiais pelas ruas de Paris, após os ataques ao
Charlie Hebdo, ajuda a neutralizar qualquer pensamento de que os erros
políticos destes mesmos líderes possam ter, de certa maneira, alguma
responsabilidade pelos atentados. Manifestações de ruas são normalmente
lideradas por gente sem poder, que quer protestar e desafiar algum tipo de
autoridade. Mas nesse caso, servem apenas como show de publicidade, com o
objetivo de desviar a atenção sobre a própria incapacidade dos governantes em
agir para acabar com as guerras no Oriente Médio – onde tiveram participação
ativa para provocá-las.
Um
aspecto estranho nestes conflitos é que os líderes ocidentais nunca tiveram
qualquer prejuízo político por seus papéis em iniciar ou executar políticas que
fizeram eclodir a violência. O ISIS é um poder em ascensão na Líbia, algo que
nunca teria acontecido se o primeiro-ministro britânico David Cameron e o
presidente francês Nicolas Sarkozy não tivessem ajudado a destruir o Estado
líbio ao destituir o Kaddafi em 2011. A Al Qaeda está se expandindo no Iêmen,
onde os líderes ocidentais deram passe livre para a Arábia Saudita lançar uma
campanha de bombardeio que destruiu o país.
Após
o massacre em Paris, no ano passado, houve uma torrente de solidariedade à
França e quase nenhuma crítica às políticas francesas na Síria e na Líbia –
exatamente as que favoreceram o ISIS e outros movimentos salafistas-jihadistas
desde 2011.
Vale
a pena citar o que disse Fabrice Balanche, cartógrafo francês e especialista na
Síria que trabalha agora para o Instituto de Washington para Política no
Oriente Médio, sobre visão equivocada na França – apesar de esta também se
aplicar a outros países. Respondendo a Aron Lund, do Centro Carneggie de Doação
para a Paz Internacional, ele escreveu: “Para a imprensa, a guerra síria só
pode ser vista como continuação das revoluções na Tunísia e no Egito, à época
em que a Primavera Árabe despertava entusiasmo. Os jornalistas não compreenderam,
ou não quiseram compreender, as sutilezas sectárias na Síria. Fui censurado por
diversas vezes [ao tentar explicá-las]”.
“Os
intelectuais sírios na oposição, muitos deles exilados por décadas, tinham um
discurso similar ao da oposição iraquiana durante a invasão dos EUA, em 2003.
Alguns deles confundiram, de maneira idealista, suas próprias esperanças em uma
sociedade não-sectária com a realidade. Ms outros – como a Irmandade Muçulmana
– tentaram ofuscar essa realidade a fim de ganharem o apoio de países
ocidentais.”
“Em
2011-12, sofremos uma espécie de McCarthismo intelectual na questão síria: se
você dissesse que Assad não iria cair em três meses, suspeitavam que estivesse
sendo pago pelo regime sírio. E quando o ministro das Relações Exteriores da
França tomou o lado da oposição síria, tornou-se de mal gosto contradizer seus
comunicados oficiais”.
Ao
tomar o lado das oposições na Síria e na Líbia, além de destruir ambos os
países, a França e o Reino Unido abriram a porta para o Estado Islâmico. Deveriam
também ser considerados culpados pela ascensão do ISIS e pelo terrorismo na
Europa. Ao se recusarem a admitir isso, ou ao menos aprender com seus erros, os
europeus ocidentais fizeram muito pouco para ajudar no “fim das hostilidades”
na Síria. Surpreendentemente bem sucedido, ele é uma conquista quase apenas dos
EUA e da Rússia.
A
França e o Reino Unido mantiveram-se próximos da Arábia Saudita e das
monarquias absolutas do Golfo Pérsico, em relação à política externa para com a
Síria. Perguntei o porquê a um ex-diplomata envolvido nas negociações. Ele
respondeu seco: “Dinheiro. Eles queriam os contratos com os sauditas”. Após a
captura de Salah Abdeslam, há uma certa discussão sobre as falhas da segurança
que permitiram que ele evitasse a prisão por tanto tempo. Mas isso é pouco
relevante: os ataques terroristas irão continuar enquanto o ISIS tiver poder.
Novamente, uma cobertura midiática caolha está permitindo que os governos
ocidentais deixem de serem responsabilizados por uma falha ainda pior de segurança:
suas políticas desastrosas.
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