terça-feira, 7 de junho de 2016

ENTREVISTA COM EX-AGENTE DA CIA: OS ESTADOS UNIDOS DA TORTURA



Ex-agente da CIA, John Kiriakou passou dois anos na prisão por ter denunciado o programa de tortura da Agência de Inteligência norte-americana contra prisioneiros supostamente suspeitos de ligação com terrorismo, diante de agentes secretos "obcecados com a ideia de que a Al-Qaeda e Osama bin Laden lançariam outro ataque contra os Estados Unidos", ele diz nesta entrevista.

Desde então, Kiriakou perdeu quase tudo: pensão federal, casa, amigos, alguns membros da família - mas jamais, a dignidade e coragem.

"Fiquei em silêncio de 2002 até 2007. Decidi, finalmente, denunciar em dezembro de 2007 depois que o presidente George W. Bush mentiu duas vezes ao povo norte-americano. Ele disse, na primeira vez, que os Estados Unidos não torturavam ninguém", conta Kiriakou.

Co-autor com Michael Ruby do livro The Reluctant Spy: My Secret Life in the CIA's War on Terror, publicado em 2009, John Kiriakou foi homenageado com o Prêmio Patriot em janeiro 2016 por The Bill of Rights Defense Committee and Defending Dissent Foundation.

O Comitê reconheceu Kiriakou por suas três declarações que mudariam tanto o discurso nacional estadunidense como sua vida, para sempre: a CIA torturou prisioneiros, a tortura era a política oficial dos Estados Unidos e o presidente George W. Bush aprovou a utilização da tortura.

A Comissão também declarou:

Graças à decisão corajosa de Kiriakou, dizendo a verdade sobre o uso da tortura pelos EUA, bem como seu trabalho sobre a Inteligência e a reforma do sistema prisional, ele ajudou a construir exatamente os movimentos necessários para fazer com que as agências de Inteligência e da lei respeitem as liberdades civis. Por isso, ele recebe o Prêmio Patriot.

Em 2015, o PEN Center USA concedeu a Kiriakou o prestigioso Prêmio First Amendment. Empenhados em estimular e manter o interesse nas palavras escritas, em promover a cultura literária vital e em defender a liberdade de expressão nacional e internacionalmente, os membros do PEN Center USA disseram a John Kiriakou que "são admiradores da sua coragem diante da adversidade indescritível".

"O custo tem sido alto, mas eu faria tudo de novo", afirma John Kiriakou nas linhas a seguir, apontando também o que mudou durante o regime de Barack Obama em termos de aplicação das técnicas de tortura: absolutamente nada.

Querido e admirado John Kiriakou, eu gostaria de lhe agradecer muito por esta entrevista. É uma grande honra para mim. Quando PEN Center USA concedeu-lhe o Prêmio First Amendment em novembro de 2015, foi-lhe dito que "são admiradores da sua coragem diante da adversidade indizível". E que "a diretoria e os funcionários da PEN têm acompanhado sua história tão interessados quanto chocados". A ênfase no testemunho durante seu tempo na CIA e os prejuízos que sofre como resultado de suas revelações, são inomináveis. Você se junta a um grupo de denunciantes patrióticos que têm a nossa mais profunda admiração e respeito". Você poderia, por favor, John, comentar a adversidade e as perdas indizíveis que tem sofrido?

Há um preço muito alto por se denunciar o desperdício, a fraude, o abuso e a ilegalidade nos Estados Unidos, especialmente quando você denuncia contra uma agência de Inteligência. Para mim, o preço tem sido especialmente elevado.

Passei dois anos na prisão, separado da minha esposa e dos cinco filhos. Meu patrimônio, legal, era superior a um milhão de dólares. Perdi a pensão federal. Perdi minha casa. Meus amigos, ex-colegas, e até mesmo alguns membros da família pararam de falar comigo.

Ainda devo a meus advogados 880 mil dólares. Nunca mais poderei trabalhar no governo. A meta do governo não é necessariamente proteger a informação que os denunciantes estão revelando. O objetivo é arruinar o denunciante pessoal, profissional, social e financeiramente.

O custo tem sido alto, mas eu faria tudo de novo.

Por que amigos e alguns membros da família pararam de falar com você? Eles têm sido ameaçados? E você, tem recebido alguma ameaça, John?

Não, nem meus amigos nem eu fomos ameaçados. Mas eu era amigo de um monte de gente na CIA e no FBI.

Muitas pessoas nessas organizações me odeiam porque eu denunciei a tortura, e assim eles cortaram relações comigo. Sou muito controverso, e eles não querem dar a impressão que apoiam o que fiz.

Sobre as torturas da CIA, por que e como exatamente eram executadas durante o seu tempo na Agência, e qual o papel que você desempenhou naquilo?

Tenho orgulho de dizer que nunca participei de nenhum programa de tortura da CIA, de nenhuma forma. Nunca tomei nenhuma ação que resultou na morte de nenhuma pessoa.

A razão pela qual a CIA começou a torturar prisioneiros é que a liderança da CIA estava obcecado com a ideia de que a Al-Qaeda e Osama bin Laden executassem outro ataque contra os Estados Unidos.

Bin Laden disse que o ataque seria perpetrado, e a liderança da CIA estava pronta para fazer qualquer coisa a fim de detê-la. Como resultado, a CIA deu início a um programa de tortura para tentar recolher essa informação. Eles também criaram um sistema de prisões secretas. E a maioria dos prisioneiros, finalmente, foi enviada a Guantánamo.

Tenho orgulho de ter dirigido as operações de contraterrorismo da CIA no Paquistão depois dos ataques do 11 de Setembro. Naquela posição, conduzi operações de captura de dezenas de combatentes da Al-Qaeda que escaparam ao Paquistão, do Afeganistão.

Como, John, você conseguiu abster-se de torturar prisioneiros?

Um alto oficial da CIA me perguntou se eu queria ser treinado segundo as técnicas de tortura. Eu disse não. Disse que era contra a tortura, e que eu não queria ter nenhuma parte naquilo.

Quando você decidiu denunciar?

Fiquei em silêncio de 2002 até 2007. Decidi finalmente denunciar em dezembro de 2007, depois que o presidente George W. Bush mentiu duas vezes ao povo norte-americano. Ele disse, na primeira vez, que os Estados Unidos não torturam ninguém.

Alguns dias mais depois, disse à imprensa que, se houve tortura, foi resultado isolado de algum agente da CIA desonesto. Aquilo também era mentira. Eu sabia que a CIA estava torturando seus prisioneiros, que a tortura era a política oficial da CIA, e que o presidente havia aprovado pessoalmente a tortura.

De que maneira o presidente Barack Obama se diferencia do ex-presidente George W. Bush sobre técnicas de tortura, se é que realmente existe alguma diferença entre ambos?

Honestamente, não acho que haja nenhuma diferença real entre George W. Bush e Barack Obama.

Nossos métodos de inteligência estão exatamente da mesma maneira.

Fale de seu tempo na prisão e como é sua vida hoje, por favor.

A prisão era muito dura, e principalmente porque os agentes penitenciários são ignorantes, preguiçosos e crueis. Nunca tive problemas com nenhum prisioneiro. Mas eu tinha um monte de problemas com os agentes, os quais não gostavam do fato de eu ser de muito alto perfil, e que eu continuasse a escrever a meu blog da prisão. Eles se irritavam muito.

Posto isso, fiz alguns amigos de verdade na prisão, quase todos entre os "italianos" [mafiosos], dos quais cinco eram de "famílias" [máfias] de Nova Iorque. Sentava-me com os italianos, comia com eles, socializava-me com eles. Todo mundo sabia que eu estava com os italianos, e assim ninguém nunca incomodou nem me desafiou.

Cheguei da prisão em casa no dia 3 de fevereiro de 2015. A adaptação foi difícil, especialmente porque eu tinha que encontrar trabalho que permitisse sustentar a família.

Isso foi mais difícil do que eu esperava, e então tive que traçar uma nova vida escrevendo, falando, e ensinando. Mas as coisas estão bem agora. Recentemente comecei em um novo emprego e, pela primeira vez em muitos anos, sinto que tenho um futuro brilhante.

A comunidade de Inteligência dos Estados Unidos prioriza proteger as pessoas ou o regime de Washington? O que deve melhorar e / ou ser mudado?

Todo mundo que já trabalhou com a CIA acreditava, piamente, que estavam protegendo o povo norte-americano. Não se esqueça o quanto os ataques do 11 de Setembro traumatizaram o país.

Bin Laden prometeu um ataque maior, e nós pensamos que isso ocorreria. Nunca houve nenhuma discussão, jamais, de proteger o "governo" contra as "pessoas".

Como você vê, John, as falhas da CIA em prevenir os ataques do 11 de Setembro?

O 11 de Setembro foi, é claro, a pior falha de inteligência da história dos Estados Unidos. A CIA nunca será capaz de mudar isso.

Mas, ao mesmo tempo, tem de trabalhar para proteger o povo norte-americano respeitando os direitos humanos, os direitos civis e as liberdades civis. Ela não está fazendo isso. Segurança e liberdade não são mutuamente exclusivas. Podemos ter ambas.

Mas sem supervisão real por parte do Congresso, a CIA vai continuar fazendo o que bem entende em todo o mundo.

O que você acha da versão oficial dos ataques do 11 de Setembro? E, John, você acha que há alguma possibilidade de que os ataques daquele dia possam ter sido perpetrados por norte-americanos, especificamente pelo regime de Bush, execução interna como se costuma dizer?

Acredito na versão oficial do 11 de Setembro porque eu vivi aquilo. Eu vi as provas. Os Estados Unidos foram atacados por Osama bin Laden e pela Al-Qaeda. Ponto final.

Não há nenhuma possibilidade de que tenha sido uma execução interna. Esta é a teoria da conspiração baseada em desinformação.

Como você vê a morte de Osama bin Laden, dado que o governo dos EUA jamais trouxe a público seu corpo? E como você vê essa morte do ponto de vista jurídico já que os militares norte-americanos da Navy SEALs invadiram o Paquistão sem nenhum autorização prévia do governo local, e mais ainda: Bin Laden nunca foi levada a um tribunal, quem jamais reivindicou participação nos ataques do 11 de Setembro, pelo contrário, negou reiteradas vezes, desde 11/9/2001, qualquer participação?

Discordo de você nesta questão. Osama bin Laden assumir, sim, responsabilidade pelo 11 de Setembro em uma entrevista à Al-Jazeera. Ele planejou aquilo por anos, juntamente com Khalid Sheikh Muhammad. Ele se regozijou pelo número de mortos. Ele prometeu um ataque maior.

Não tenho nenhuma razão para não acreditar na versão oficial da morte de Bin Laden. Francamente, ele merecia morrer. Não me importo se pudemos ver o corpo ou não.

E não perdi o sono por causa das atividades dos Navy SEALs dentro do Paquistão. Ou os paquistaneses estavam escondendo Bin Laden, ou eram estúpidos demais para não saber que ele estava lá. Tivemos um grande trabalho para encontrar Bin Laden. Os paquistaneses não estavam ajudando-nos a executar aquele trabalho. Então, o fizemos nós mesmos. Os paquistaneses não tinham escolha, a não ser aceitar aquilo.

Entrevista traduzida por Edu Montesanti

Versão portuguesa - Pravda.Ru

BANCO MUNDIAL: FIM DA POBREZA DEPENDE DE CRESCIMENTO ECONÓMICO



Pela primeira vez, menos de 10% da população global vive com US$ 1,90 por dia; África Subsaariana e Sul da Ásia devem fazer os maiores avanços até 2030.

Mariana Ceratti, do Banco Mundial em Brasília para a Rádio ONU

Em 2030, 4% da população do planeta viverá em extrema pobreza se a economia continuar crescendo como na década entre 2002 e 2012. O dado é do estudo Indicadores de Desenvolvimento Global, do Banco Mundial, que neste ano tem como foco os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

O relatório ainda aponta que, caso o crescimento econômico global seja igual ao dos últimos 20 anos, 6% de toda a população será extremamente pobre, ou seja, viverá com US$ 1,90 ao dia.

Extrema Pobreza

Erradicar a pobreza em todas as formas, em todo o mundo, é o primeiro dos Objetivos adotados pelas Nações Unidas em setembro do ano passado.

Segundo o estudo do Banco Mundial, a África Subsaariana e o Sul da Ásia terão as reduções mais drásticas nos percentuais de extrema pobreza se continuarem crescendo como no período 2002-2012.

Nesse ritmo, 20% dos africanos e 1,1% dos asiáticos do sul serão extremamente pobres em 2030.

América Latina

Já a América Latina faria poucos progressos em 2030 mesmo que crescesse como na década anterior a 2012, um período de bonança para a região.

Acontece que a economia latino-americana entrou, em 2016, no quinto ano de desaceleração, preocupando os especialistas em desenvolvimento.

Hoje, 5,6% dos latino-americanos vivem com até US$ 1,90 ao dia, ante os 17,8% registrados em 1990.

Para não perder os avanços sociais dos últimos anos, os economistas da região estudam novas formas de estimular o crescimento latino-americano sem depender tanto das matérias-primas, como ocorreu nos anos de bonança.

Um dado positivo do relatório é que, pela primeira vez, menos de 10% da população global vive em extrema pobreza. Em 1990, eram 37%.

O estudo do Banco Mundial ainda destaca que as iniciativas de proteção social também são fundamentais para ajudar os países a cumprir o primeiro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável. Entre esses programas, estão os de transferências de renda, alimentação escolar, mercado de trabalho e seguridade social.

Cerca de 60% dos mais pobres da América Latina estão assegurados por programas desse tipo, contra apenas 15% na África Subsaariana. Nessa e em outras regiões, é preciso aumentar a cobertura e a eficiência de tais programas, de acordo com o relatório.

ONU/Envolverde - Foto: Mariana Ceratti / Banco Mundial

EUA, A ELEIÇÃO COMO SINTOMA DO DECLÍNIO




Wallerstein analisa: crescimento de candidatos anti-establishment marca o fim de um período. Além de influência global, país perde coesão interna. E a “era de ouro” não voltará…

Immanuel Wallerstein – Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho

Estamos acostumados a pensar em instabilidade de Estados localizados principalmente no Sul global. É sobre essas regiões que eruditos e políticos do Norte global falam de “Estados falidos” nos quais há “guerras civis”. A vida é muito insegura para os habitantes dessas regiões. Há deslocamentos massivos das populações e esforços para escapar dessas regiões para partes “mais seguras” do mundo. Nelas há, supostamente, mais empregos e padrões de vida mais altos.

Os Estados Unidos, em particular, têm sido vistos como o destino de migração de grande percentual da população mundial. Isso foi amplamente verdadeiro durante certo tempo. No período que se estendeu aproximadamente entre 1945 e 1970, os Estados Unidos eram o poder hegemônico do sistema-mundo. A vida era de fato melhor para seus habitantes, economica e socialmente.

E embora as fronteiras não estivessem exatamente abertas para os imigrantes, aqueles que conseguiam chegar de um modo ou de outro ficavam amplamente satisfeitos com o que consideravam sua boa sorte. E mais gente, nos países de origem dos imigrantes bem sucedidos, tentava seguir seus passos. Nesse período, havia muito pouca emigração dos Estados Unidos, a não ser em bases temporárias, para assumir empregos bem pagos em postos econômicos, políticos ou de mercenários militares.

Esta era de dominação dos EUA sobre o sistema-mundo começou a se desfazer por volta de 1970 e vem sendo desmantelada desde então, de forma crescente. Quais os sinais disso? Há muitos: alguns, dentro dos próprios Estados Unidos; outros, nas atitudes mutantes do resto do mundo em relação aos EUA.

Estamos agora vivendo uma campanha presidencial considerada por quase todo mundo como pouco usual e transformadora. Há um grande número de eleitores que foram mobilizados contra o “establishment”, muitos dos quais estão entrando no sistema eleitoral pela primeira vez. Nas primárias do Partido Republicano, Donald J. Trump buscou a indicação surfando precisamente a onda desse descontentamento — na verdade, insuflando-o. Ele parece ter tido sucesso, a despeito de todos os esforços dos que podem ser vistos como republicanos “tradicionais”.

No Partido Democrata, a história é semelhante mas não idêntica. Um senador antes obscuro, Bernie Sanders, foi capaz de pegar carona num descontentamento verbalizado numa retórica mais à esquerda e vem conduzindo uma campanha muito impressionante contra a candidatura de Hillary Clinton, antes supostamente inabalável. Embora não pareça que conseguirá a indicação, ele forçou Hillary (e o Partido Democrata) muito mais à esquerda do que parecia possível poucos meses atrás. E Sanders fez isso sem jamais ter concorrido a uma eleição antes como democrata.

Porém, pode-se pensar, tudo isso passará, assim que a eleição presidencial estiver decidida, e as visões políticas “normais” de centro prevaleçam novamente. Muitos preveem isso. Mas qual será, então, a reação daqueles que apoiaram muito ferozmente seus candidatos precisamente por que eles não defendendem políticas de centro “normais”? E se eles se desiludirem com seus líderes atuais?

Precisamos observar outras mudanças dos Estados Unidos. O New York Times publicou um longo artigo de primeira página, em 23 de maio, sobre violência armada, que o jornal denominou “interminável mas invisível”. O artigo não era sobre os ataques armados, muito bem documentados, que chamamos de massacres e consideramos chocantes. Investigava, ao contrário, tiroteios que a polícia tende a considerar “incidentes” e nunca vão parar nos jornais. Descreve um desses incidentes em detalhes, e o chama de “uma foto instantânea de uma fonte diferente de violência em massa – aquela que irrompe com regularidade anestésica, de tal forma que torna-se quase invisível, a não ser para as vítimas, negras em sua maioria, os sobreviventes e os agressores.” E os números estão crescendo.

À medida em que aumentam essas “intermináveis porém invisíveis” mortes por violência, a possibilidade de que elas se espalhem dos guetos negros para zonas não negras, nas quais muitos dos desiludidos estão localizados, não é muito exagerada. Afinal, os desiludidos estão certos sobre uma coisa. A vida nos Estados Unidos não é tão boa como foi. Trump usou como slogan “torne a América grande novamente”. O “novamente” refere-se à era de ouro. E Sanders também parece referir-se a uma era de ouro prévia, na qual os empregos não eram exportados para o Sul global. Até mesmo Hillary  parece agora olhar para alguma coisa perdida no passado.

E tudo isso não permite esquecer uma espécie de violência ainda mais feroz – aquela propagada por uma faixa ainda muito pequena de milícias anti-Estado, que se autodenominam Cidadãos pela Liberdade Constitucional (CCF, na sigla em inglês). Eles são aqueles que vêm desafiando o impedimento, pelo governo, de algumas áreas para criação de gado. Os integrantes do CCF dizem que o governo não tem direito e está agindo inconstitucionalmente.

O problema é que tanto o governo federal como os locais não estão certos do que fazer. Eles “negociam”, temendo que afirmar sua autoridade não seja um ato popular. Mas quando as negociações falham, o governo finalmente usa a força. Essa versão mais extrema de ação pode logo espalhar-se. Não é uma questão de mover-se para a direita, mas de mover-se em direção a protestos mais violentos, a uma guerra civil.

Há décadas, os Estados Unidos estão perdendo sua autoridade diante do resto do mundo. Eles não são mais hegemônicos. Aqueles que protestam, e seus candidatos, percebem isso, mas consideram que é um processo reversível. Não é verdade. Os Estados Unidos são agora considerados um parceiro global fraco e inseguro.

Essa não é a visão apenas dos Estados que se opõem fortemente, desde o passado, às políticas norte-americanas, tais como Rússia, China e Irã. Isso é agora verdade para aliados presumivelmente próximos, tais como Israel, Arábia Saudita, Grã Bretanha e Canadá. Numa escala mundial, o sentimento sobre a “confiabilidade” dos EUA na arena geopolítica mudou de próximo de 100%, na “era de ouro”, para alguma coisa muito, muitíssimo inferior. E a queda acentua-se a cada dia.

À medida em que se torna menos “seguro” viver nos Estados Unidos, há um aumento constante na emigração. Não que outras partes do mundo sejam seguras – são apenas mais seguras. Não que o padrão de vida em outros lugares seja tão alto, mas tornou-se agora mais alto em várias partes do Norte global.

Claro que nem todo mundo pode emigrar. Há problemas de custo e de acessibilidade a outros países. O primeiro grupo que pode engrossar a emigração são os mais privilegiados. Mas, quando isso for percebido, as raivas dos “desiludidos”, mais classe média, irão crescer. E crescendo, sua reação pode tornar-se mais violenta. Esse rumo mais violento irá retroalimentar-se, intensificando as raivas.

Nada poderá alterar as atitudes quanto à transformação dos Estados Unidos? Se os norte-americanos abandonassem a ideia de “tornar a América grande outra vez”, e começassem a tentar fazer do mundo um lugar melhor para, poderiam ser parte do movimento por “um outro mundo”. Mudar o mundo inteiro transformaria verdadeiramente os próprios Estados Unidos. Mas para isso seria preciso parar de desejar a volta à “era de ouro” — que, aliás, não era tão dourada para a maior parte do mundo.

SÍNTESE DO DESMORONAR EUROPEU AGORA EM CURSO



Pierre Leconte [*]

O conjunto da classe política francesa e europeia dita "de governo", tanto de direita como de esquerda [NR] , não podendo confessar que se enganou totalmente sobre o euro e o Super-Estado europeu que ela moldou na dissimulação e que continua a apoiar inutilmente, quando ambos fracassaram e não são reformáveis, não apresenta mais qualquer alternativa crível de mudança política, social, económica e monetária construtiva. As populações europeias justamente cada vez mais exasperadas pela nulidade dos seus dirigentes actuais – tão incapazes como seus antecessores imediatos ou seus sucessores prováveis (que são igualmente os mesmos) de apresentar a menor perspectiva de correcção – estão à beira da crise de nervos.

Em França, um país frágil e pauperizado, profundamente dividido, a situação é quase insurreccional porque o presidente actual mentiu ao fazer-se eleger com um programa oposto em todos os pontos àquele que pratica, indo de fracassos em fracassos, com excesso de arrogância sem qualquer concertação, e persistindo em cumprir as ordens da Alemanha de romper o modelo social e o direito do trabalho que os franceses querem conservar. Tendo a sua popularidade caído ao nível mais baixo de todos os chefes de Estado franceses, não tendo mais maioria parlamentar, portanto mais legitimidade, ele deve partir. Se ele persistir e se agarrar ao poder deixará ao seu sucessor um país irreformável e ingovernável que irá fracassar. Se a direita UMP – Os Republicanos pensa que voltará ao poder propondo um programa de desmantelamento das conquistas sociais e da precarização generalizada da população (de Hollande – Valls – Macron agravados) sem por em causa os tratados europeus, ela se engana pesadamente... Não se reforma um país contra a vontade do seu povo!!! Na mesma ordem de ideias, o marquês de Mirabeau (1715-1789) dizia: "Pode-se fazer tudo com baionetas excepto sentar em cima delas!"


Os partidos soberanistas anti-europeus ganharão portanto cada vez mais peso. Mas como estes partidos não podem, em princípio, ultrapassar "o telhado de vidro" que os mantêm abaixo da maioria absoluta necessária para chegar ao poder, os diversos países da União Europeia e/ou da zona euro estão condenados a desmoronarem-se, mais ou menos rapidamente, uns após os outros, em convulsões político-sociais que destruirão sua estabilidade relativa actual assim como as identidades e as independências dos seus povos. 


Presa entre as exigências dos EUA e a chantagem turca, submersa por migrações crescentes que os seus políticos inconscientes estimulam, a Europa encontra-se no olho do furacão de uma desestabilização global agravada pela ameaça de atentados islamistas organizados no exterior pelos mesmos terroristas que ela sustenta financeira ou militarmente (Al Nostra e outras sucursais da Al Quaida aliadas do El-Daesh que combatem o regime legal sírio) ou no interior pelos islamistas-salafistas instalados no seu território que ela continua a aceitar ao invés de expulsar.

Importante: 


Além disso, a Europa é o continente que globalmente apresenta o crescimento económico mais fraco, a deflação melhor instalada e a taxa de desemprego mais elevada (exceptuando alguns países emergentes ou da África). Apesar do facto de as taxas de juro negativas que afectam a sua moeda única arruinarem seus poupadores e de as suas taxas de tributação recordes impedirem todo investimento produtivo rentável duradouro.

Enquanto ela persegue os fantasmas da mundialização sem limites e da livre troca desigual impulsionada pelos EUA, que querem a qualquer custo impor-lhe o TAFTA para benefício único das suas grandes empresas multinacionais, ao invés de por um fim à austeridade à alemã que a mata e de cessar sua política da oferta totalmente ultrapassada para recentrar-se numa política da procura estimulando seu consumo doméstico e seu mercado interno, que para ela são as únicas fontes de crescimento e de emprego no momento em que a Grande Estagnação mundial rompe as oportunidades externas. 


Sem prejuízo dos Brexit e Grexit que despontam no horizonte, cuja efectivação introduziria uma completa desorganização da UE e da zona euro, assim como crises de endividamento e bancária espanhola, portuguesa e italiana que estão prestes a derrapar. 


Ou da arrogância dos dirigentes da Europa contra a Rússia, tanto pela sua manutenção de sanções mutuamente destrutivas como pela pressão constante da NATO visando perpetuar uma tensão inútil com Moscovo, o que também tem como consequência impedir o encontro de uma solução pacífica dos conflitos sírio e do Médio Oriente, quando se trata do único meio de fazer cessar a submersão migratória da Europa mantida pela Turquia, em favor da qual acabará por abdicar (não só ao pagar dezenas de milhares de milhões ao seu ditador Erdogan como também ao conceder aos 80 milhões de turcos a liberdade de viajar sem visa!!!). 

29/Maio/2016

[NR] Por "esquerda" o autor refere-se a sociais-democratas, a comunistas mutantes como os da direcção do PCF e a aldrabões como os do Syriza grego, Podemos espanhol ou Nuit Debout francês.   Note-se que o artigo adopta uma óptica conservadora, pois o seu autor é defensor da Escola Austríaca de economia.   Resistir.info publica-o como documento, o que não representa endosso a todas as ideias expostas.

[*] Economista, fundador do Fórum Monetário Europeu para a Paz e o Desenvolvimento.

O original encontra-se em www.forum-monetaire.com/delitement-europeen-renforcement-americain/ e emleblogalupus.com/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

Sondagens. Cameron pede aos eleitores mais jovens que se registem para contrariar subida do Brexit



Prazo para britânicos se registarem para votar no referendo de 23 de junho termina esta terça-feira

rimeiro-ministro britânico publicou esta terça-feira no jornal “The Independent” um pedido aos eleitores para que se registem para votar, após três novas sondagens sugerirem que a maioria da população está a pender a favor da saída do Reino Unido da União Europeia a menos de duas semanas do referendo.

De acordo com números da Comissão Eleitoral britânica, mais de 1,35 milhões de pessoas pediram desde maio para se registar para poderem votar online no plebiscito, que acontece já a 23 de junho. Mais de metade delas — 763.183 — tem menos de 34 anos, integrando a faixa de população que tenderá a votar a favor da permanência no bloco europeu.

Na segunda-feira de manhã, perante uma nova sondagem da Opinium a prever a vitória do Brexit no referendo com uma vantagem de três pontos percentuais, que levou de imediato àqueda da libra para o valor mais baixo das últimas três semanas, David Cameron voltou a alertar para os riscos que o país enfrenta fora do bloco dos 28. “Junte-se estas coisas todas — o choque do impacto, a incerteza e o impacto nas trocas comerciais — e é como pôr uma bomba debaixo da nossa economia”, declarou num evento de campanha.

Já hoje, o líder do Executivo assina um apelo aos leitores do “The Independent” para que se registem para votar, referindo que 7,5 milhões de pessoas ainda não o fizeram e que “quaisquer que sejam as suas opiniões, devem garantir que se registam”.

Nas entrelinhas do texto — onde o primeiro-ministro começa por sublinhar que, “dentro ou fora [da UE], os boletins depositados nas urnas pelo eleitorado britânico vão provar-se os mais importantes do último meio século” — fica a ideia de que mais defensores da UE têm de exercer o seu direito de voto, caso contrário a campanha Vote Leave vai certamente ganhar.

"Estimativas recentes sugerem que cerca de 1,5 milhões dos 6 milhões de residentes no Reino Unido com entre 18 e 24 anos de idade não estão registados, a juntar a um quarto dos oito milhões de residentes com idades entre os 25 e os 35", escreve o chefe do Executivo britânico, que lidera a campanha Better Together. "Aqueles que arrendam habitação e que mudam de casa regularmente têm menos probabilidades de se registar e é mais provável que sejam jovens. Outros jovens podem ter saído do registo eleitoral por causa de alterações no sistema de registo que entraram em vigor no ano passado. [...] Está agora a cargo dos mais jovens assumirem a responsabilidade do seu direito ao voto — um direito a que muitos concedem pouco crédito."

O prazo para registo junto da Comissão Eleitoral termina hoje, no mesmo dia em que três novas sondagens prevêem a vitória do Brexit dentro de semana e meia. De acordo com um inquérito do YouGov, 45% dos britânicos diz que vai votar pela saída da UE contra 41% que querem permanecer no bloco.

Uma outra sondagem da TNS coloca os apoiantes do Brexit dois pontos percentuais à frente dos defensores da UE, com 43% contra 41%. Já um inquérito do ICM junto de duas mil pessoas prevê um avanço mais substancial, aumentando ainda mais a pressão sobre a barricada pela permanência: entre esses inquiridos, 48% dizem que vão votar pela saída da UE em comparação com 43% que dizem ser contra o Brexit.

Joana Azevedo Viana – Expresso – Foto: Getty Images

MORRERAM MAIS DE 10 MIL PESSOAS NO MEDITERRÂNEO DESDE 2014



Nos últimos dois anos, os números não param de aumentar. De acordo com as Nações Unidas, morreram mais de dez mil pessoas. Um número que classifica de "horrível".

Um porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) declarou hoje em Genebra, Suíça, que o número foi atingido nos últimos dias.

Em 2014, precisa o comunicado das Nações Unidas, morreram 3.500 pessoas, em 2015 perderam a vida 3.771 e, nos primeiros seis meses deste ano, já morreram 2.814 refugiados.

Um número "horrível", acrescentou Adrian Edwards.

Por sua vez, a Organização Internacional para as Migrações (OIM), que não depende da ONU, estima que tenham perdido a vida no Mediterrâneo este ano 2.809, um número muito superior em relação ao primeiro semestre de 2015, quando perderam a vida 1.838 refugiados.

A OIM acrescenta ainda, num comunicado, que desde o início do ano e até 5 de junho, 206.400 refugiados e migrantes chegaram à Europa pelo mar, através da Grécia, Chipre e Espanha.

No domingo, a Federação Internacional da Cruz Vermelha e Crescente Vermelho relatou que uma série de naufrágios de embarcações com migrantes no Mediterrâneo nos últimos 10 dias tinha causado 890 mortos. No total, 1.086 pessoas desapareceram ou afogaram-se nas águas do Mediterrâneo só no mês de Maio-

Cláudia Arsénio – TSF – Foto: Alkis Konstantinidis/Reuters

RACISMO EM PORTUGUÊS, O LADO ESQUECIDO DO COLONIALISMO



Joana Gorjão Henriques - Público

Mais do que fazer julgamentos sobre se o que as pessoas contaram estava certo ou errado, interessou ouvir o que os africanos sentem e como olham para a discriminação racial exercida pelos portugueses durante o colonialismo, que cicatrizes permanecem. Pré-publicação

Quando me perguntam por que razão me interesso pelas questões raciais, costumo responder com uma frase: «Cresci com alguns colegas negros na primária, um ou dois no liceu, e nenhum na universidade.»

Nessas carteiras de escola ouvi sempre a mesma versão da história do colonialismo, ensinada pelos portugueses. Mesmo quando havia crítica, apresentava-se Portugal como «bom colonizador»: um colonizador que se misturou com as populações, que nunca exerceu sobre os povos colonizados a violência que outros colonizadores exerceram. Raramente visto como um sistema racista, o colonialismo português não era questionado como tal. Prova disso é que os portugueses continuam a falar de si próprios enquanto descobridores e enquanto povo integrador.

Portugal tem uma população significativa negra desde que se iniciou o horror que foi o comércio de escravos no século xv, e mais tarde recebeu uma vaga de imigração africana, primeiro nos anos 1960 e depois no pós-25 de Abril. O facto de, ainda hoje, não existir qualquer correspondência entre o número de negros que vemos na rua e o número de negros em lugares de liderança na sociedade é, no mínimo, surpreendente. A ausência de representatividade de uma fatia expressivada sociedade portuguesa – fatia essa usada como bandeira de cosmopolitismo da população por algumas entidades oficiais – espelha um sistema que discrimina pela cor da pele. Porém, em Portugal reflecte-se pouco sobre o papel dos portugueses enquanto colonizadores e, especificamente, sobre a sua responsabilidade no desequilíbrio das relações raciais entre brancos e negros, bem como sobre a sua responsabilidade na criação e na persistência do racismo.

Entre 2009 e 2011, passei dois anos sabáticos a estudar as questões raciais nos Estados Unidos e em Inglaterra, e dei-me conta disto mesmo: que a produção crítica sobre o papel do Ocidente na discriminação racial era imensa em língua anglo-saxónica, mas muito rara em português.

Foi então que, como jornalista do Público, propus à direcção do jornal fazer um projecto de cinco reportagens nas cinco ex-colónias africanas para questionar a herança colonial, ao qual se associou a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Em 2015, 40 anos depois da descolonização, fui perguntar até que ponto persistem, ainda hoje, as ideias de raça espalhadas por Portugal nesses países, como é que as populações dos países colonizados olham para o papel de Portugal enquanto colonizador, e se a versão dos portugueses como bons colonizadores, que se misturaram com as populações colonizadas, ainda vinga até hoje. Como era aplicada a segregação baseada na raça, e que tipo de violência Portugal, enquanto sistema colonial, exerceu? O colonialismo português foi um regime racista?, perguntei aos meus mais de cem entrevistados, a maioria aqui citados. Não querendo substituir o papel dos académicos, que naturalmente abordariam estas questões de forma diferente e com outra profundidade, a ideia era problematizá-las dando voz a quem não tem sido ouvido – uma das missões do jornalismo.

O trabalho foi feito em cinco viagens, cada uma a um país diferente: Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, e Moçambique. Em cada país escolhi uma amostra de entrevistados proporcional ao respectivo número de habitantes. O objectivo era reunir vozes que representassem as diferenças existentes: de classe social, de género, de situação profissional, de origem geográfica, de experiência pessoal, de interpretação. Quis registar o discurso de alguém que olha para a sociedade e para a história com uma visão global, e ter o testemunho de quem sofreu na pele a dureza do regime. Interessou-me ouvir o passado e saber que marcas persistem desse passado ainda hoje.

Consciente do meu lugar de privilégio – o de jornalista branca de um país que tem dominado a versão do que foi a história colonial – procurei na escrita das reportagens dar primazia aos testemunhos pessoais. Mais do que tecer julgamentos sobre se o que as pessoas contaram estava certo ou errado, quis sobretudo ouvir o que sentem e como olham para a discriminação racial exercida pelos portugueses durante o colonialismo, que narrativas perduram em cada país, que cicatrizes permanecem. Quis ouvir a sua versão da história.

Houve temas recorrentes nos cinco países e testemunhos de experiências de racismo muito parecidas — em alguns casos mantive essa repetição para sublinhar aspectos globais, noutros decidi não os incluir para evitar a sensação de duplicação.

Tive a preocupação de mostrar que o colonialismo foi diferente em cada país, não só porque o sistema, também ele diferente consoante as épocas, adoptou políticas diferentes, mas também porque cada um desses países tem, naturalmente, as suas especificidades.

Entretanto, surgiu a ideia de fazer uma Rota da Escravatura, tema indissociavelmente ligado ao colonialismo. Porque Portugal viria a ser, afinal, o primeiro país a transportar pessoas escravizadas de África para as Américas, ou seja, o grande iniciador daquela que ficou conhecida como uma das maiores atrocidades da história mundial. Deu início à prática de tráfico de seres humanos no século xv, prática que só seria abolida quatro séculos depois.

É difícil estabelecer com rigor o número de homens e de mulheres que foram escravizados ao longo deste período, mas os dados mais citados são os que indicam que, entre 1501 e 1866, cerca de 12 milhões embarcaram de África para as Américas, e dois milhões não chegaram ao destino.

Condenado no Congresso de Viena, em 1815, o comércio de escravos foi abolido em 1836, mas o tráfico continuou a ser praticado clandestinamente. Inglaterra decretou a abolição da escravatura em 1833, por meio de uma lei que atribuía compensações financeiras aos donos de pessoas escravizadas. Na década de 1850, o marquês de Sá da Bandeira decretou a abolição da escravatura em Portugal e estabeleceu um prazo de 20 anos para os libertados serem efectivamente livres — mas o fim oficial da escravatura só aconteceu em 1878.

Usando as populações dos países ocupados, Portugal tornou-se um dos principais actores deste comércio, seguido de Inglaterra, França, Espanha e Holanda. Os homens e mulheres eram levados para trabalhar nas plantações de algodão, de açúcar e de café nas Américas, transformando-se na principal fonte de mão-de-obra destas novas economias.

Embora alguns tenham tido mais destaque do que outros, a verdade é que os cinco países africanos colonizados por Portugal se tornaram uma fonte de produção de homens transformados em objectos e em mercadoria humana. Só Angola, aliada ao Congo, representou quase 40 % do mercado de escravos a nível mundial.

Acompanhada pela mão de um historiador especialista na matéria em cada país, fiz uma visita guiada a lugares históricos em busca de uma possível Rota da Escravatura, salvo óbvias limitações geográficas. Para complementar cada reportagem do Racismo em Português, publica-se uma Rota da Escravatura no país correspondente. Funciona como uma espécie de banda histórica, acrescentando contexto para quem quiser saber mais.

Acabo esta jornada que me ocupou mais de um ano com a visão de que o racismo colonial foi um apagão e um arrastão: apagão da cultura africana, obrigando as populações a despirem-se de toda a sua identidade; e um arrastão ideológico, porque contaminou mentalidades de todos os quadrantes e durante séculos, de tal forma que até hoje se verificam os seus efeitos.

Termino esta introdução com uma nota de perplexidade: como é possível que, até hoje, nunca tenha existido um Museu da Escravatura em Portugal? E coloco ainda mais umas perguntas: porque não nos é ensinado na escola que existiu um apartheid em Angola e em Moçambique, alimentado por Portugal? Porque insistimos num olhar benevolente sobre um Portugal que não hesitou em promover o trabalho escravo até 1974? Vamos perpetuar a narrativa de um colonizador que não discriminava porque se miscigenou com as populações locais, quando sabemos que obrigava essas pessoas a despirem-se da sua identidade africana, a mudar de nome, a alisar o cabelo ou a esconder a sua língua? Até quando iremos contribuir para uma mentalidade acrítica sobre um dos fenómenos mais violentos da nossa história? Finalmente: o que diz esta perspectiva de brandura de olhar sobre nós próprios, portugueses?

No dia 11 de Junho há debate e lançamento do livro, às 17h, na Praça Laranja da Feira do Livro de Lisboa, com Abílio Bragança Neto, analista (Sâo Tomé e Príncipe), Flávio Almada, artista e activista (Cabo Verde) e Romualda Fernandes, jurista (Guiné-Bissau). Dia 24 de Junho o livro está à venda nas livrarias, e com o jornal PÚBLICO. Está ainda disponível nas lojas do jornal (Alcântara e Colombo) e na loja online (http://loja.publico.pt/) e no site www.tintadachina.pt. A partir de 9 de Junho estará apenas à venda na Feira do Livro de Lisboa.

O MÃOS-SUJAS EMBARCA NO CAIS DO LODO DA MOTA ENGIL



Acerca de Portas, o mãos-sujas. Acerca da Mota Engil, a fossa onde políticos mergulham e se sujam integralmente. Uns e outros são uns sem-vergonha. É legal? Parece que sim. Para aqueles que são os próprios a fabricar as leis é legal quase tudo que querem. E a moralidade? Não há. E a decência? Também não? E a transparência? Está opaca. Honestidade... Ora, ora. Resposta? Vide os manuais da bagunça de certos e incertos políticos, de certos e incertos empresários nacionais e estrangeiros. Quanto a Portas, foram os Pandur, os submarinos, as fotocópias, os documentos desaparecidos… Lodo ou trampa? E o lodo não é acumulação de muitas trampas?

Há lodo no cais? Pois. Esse é o título em Portugal do filme realizado por Elia Kazan. Um dos filmes mais importantes do cinema americano dos anos 50. Filme que deu a Marlon Brando um dos mais marcantes papéis da sua carreira. Neste caso o lodo não existe no cais mas sim na Mota Engil e nos políticos carregados de penumbras e breus ao longo das suas carreiras. E se estiverem limpinhos-limpinhos sabem que se podem sujar na Mota Engil e noutras esterqueiras nacionais e estrangeiras. Não resistem. A ganância move-os, apesar do lodo que os alimenta e de que teimam em nunca mais sair desde que o provam.

Boa, Portas. Esta é só mais uma para registar no cardápio das poucas-vergonhas, para não lhes chamar outra coisa mais feérica e contundente.

Mudar as leis, para dar fim a todas as javardices que ao longo de décadas assistimos impávidos e indignados, não é com eles. As mentes criminosas abundam no legislador. Crime, imoral, inadmissível - dizemos nós.

Mais um mãos-sujas que embarca no cais do lodo da Mota Engil… Podia ser noutro desse tipo de cais. É o que se queira. Topas?

Mário Motta / PG

Bom dia, este é o seu Expresso Curto 

João Viieira Pereira – Expresso

A Florida dos nossos políticos

Há empresas que têm tendência para serem notícia, e nem sempre pelas boas razões. A Mota Engil é uma delas. Já em 2008 tinha espantado ao contratar para seu CEO Jorge Coelho. Mas neste caso o ex-ministro das Obras Públicas ainda aguardou dois anos.

Paulo Portas não esperou tanto tempo. É verdade que não vai (para já) ocupar um cargo executivo, mas liderar o Conselho Internacional da empresa, um órgão de aconselhamento estratégico, é o mesmo que dizer que vai ser uma peça chave na internacionalização da construtora. E com um enfoque especial na América Latina, uma das zonas de maior crescimento da atividade da Mota Engil. Só no México a carteira de investimentos da empresa de António Mota é de 1,2 mil milhões como escreve Abílio Ferreira.

Para quem teve a oportunidade de ter acompanhado Paulo Portas numa das suas viagens como ministro dos Negócios Estrangeiros ou como vice primeiro-ministro (eu estive na deslocação que fez à cidade do México) sabe que Portas faz a diferença. Não é todos os dias que um político faz esperar uma sala cheia de empresários quase uma hora para depois chegar e, de improviso, discursar outra hora, em espanhol, e receber uma ovação de pé.

Apesar de tudo o que Paulo fez pela internacionalização das empresas portuguesas, Portas considera que aceitar esta função não é incompatível com as suas anteriores funções. Pronto, já podem parar de sorrir. É que no fundo, como diz um amigo meu, a Mota Engil é uma espécie de Florida para os nossos políticos.

Está na forja o primeiro veto de Marcelo Rebelo de Sousa. Esta terça-feira entram três dossiês polémicos em Belém. As 35 horas, a procriação medicamente assistida e a lei das barrigas de aluguer. Este último poderá chumbar.

Mário Centeno está confiante. O ministro das Finanças viajou para Nova Iorque com uma delegação de empresários, muito poucos por sinal, numa iniciativa da bolsa portuguesa. Num jantar afirmou que Portugal "atravessa um processo de retoma que ainda está na infância”. E disse ainda que o ambiente para investir “é estável” e que “há estabilidade política” e sem “ameaças da extrema-esquerda ou da direita". Será que Centeno vive em Portugal, ou ainda se está a referir aos tempos em que estudou em Harvard?

A agência de rating Moody’s diz que pode voltar a baixar o rating da Caixa, que já é de lixo, tudo por causa do aumento de capital que se aproxima. No mesmo dia em que a comissária europeia da Concorrência afirmou que o Governo português pode investir o que quiser no banco público desde que o faça “como um privado”. O mesmo que dizer que o dinheiro injetado tem de ser para gerar rendimento, e não para fornecer uma ajudinha à CGD.

OUTRAS NOTÍCIAS

Se tiver em sua posse 30 ações do BCP deve conseguir trocá-las por um café. O valor do banco não para de cair (ontem quase 8%).Em oito sessões da bolsa já perdeu 33%. A CMVM não teve alternativa a não ser manter a suspensão das vendas a descoberto, de modo a proteger o banco de ataques especulativos.

O serviço de informação não partidário What UK Thinks, que está a acompanhar o que os britânicos pensam sobre a União Europeia e sobre o próximo referendo, dá pela primeira vez vantagem ao Brexit (51%) ,tendo como base uma média de várias sondagens feitas nos últimos dias.

Clinton vs Trump. É este o palco de um dos maiores espetáculos do mundo, as eleições norte-americanas. A imprensa internacional diz que Hillary já tem os delegados suficientes para ser a candidata democrata.

Foi detido um cidadão francês na Ucrânia suspeito de estar a planear ataques terroristas durante o Euro. Com o Europeu à porta aumentam os receios sobre a segurança. Entre armas e explosivos, as imagens do arsenal descoberto são impressionantes.

Por falar em futebol, a Goldman Sachs estima que a probabilidade de Portugal ganhar o Euro 2016 é apenas de 8%. E que o mais provável é que sejamos eliminados nos quartos-de-final, às mãos de Inglaterra. Está na hora de ensinar a este banco americano que, mais uma vez, estão, obviamente, errados.

E já agora, não perca esta excelente prosa de Nicolau Santos que explica porque a seleção se confunde com o Sporting. Isto e muito mais no site especial Euro 2016 lançado pelo Expresso.

Em Inglaterra o julgamento que opõe a médica Eva Carneiro ao Chelsea (e a Mourinho) faz os destaques da imprensa. A sessão começou com a descrição de insultos alegadamente proferidos pelo ex-treinador e a revelação de que Eva Carneiro recusou 1,2 milhões de libras para chegar a acordo com o clube.

Não mudou o mundo mas o “Sexo e a Cidade” foi uma das séries de televisão que é vista como precursora de uma nova revolução sexual da mulher. Fez ontem 18 anos que foi transmitido o primeiro episódio.

Depois de quase 10 anos preso, Vale e Azevedo foi libertado esta terça-feira. Mas o polémico ex-presidente do Benfica enfrenta uma outra condenação, a 10 anos de prisão. Cumprir a pena vai depender agora dos tribunais ingleses.

Isabel dos Santos confirmou que, tal como avançou o Expresso no sábado, vai sair dos conselhos de administração da NOS, do banco BIC e da Efacec.

Bem vindos ao futuro! A Airbus produziu o primeiro avião impresso em 3D e já fez testes de voo com sucesso.

O El Mundo elencou 5 razões para os espanhóis virem aos festivais portugueses. Conheça-as aqui.

E vamos ao jornais de hoje:

- O Público faz manchete com um número. 18 mil é o total de condutores que todos os meses ficam proibidos de conduzir. E dá destaque também ao número de alunos que fizeram as provas de aferição, mesmo não contando para a nota, 96%.

- O Jornal de Notícias denuncia que o presidente da Câmara de Celorico de Basto foi acusado de favorecer a empresa dos pais, uma consultora a quem adjudicou contratos. Em sua defesa alegou desconhecer que a empresa era da família.

- O Diário de Notícias faz manchete com a segurança para o Euro. Seleção proibida de fazer treino para emigrantes, titula o diário.

- O jornal “i”diz que a Caixa pode custar mais aos contribuintes do que o BPN e o Banif juntos.

- “Isabel promete transparência” é a legenda da fotografia de capa doNegócios na qual a filha do presidente de Angola toma posse como presidente do conselho de administração da Sonangol.

O QUE DIZEM OS NÚMEROS

300 mil. Número de veículos que atravessaram o túnel do Marão no seu primeiro mês.

31 mil. Total de militares envolvidos no maior exercício da NATOdesde a guerra fria, que decorrerá na Polónia durante 10 dias e envolve 24 países.

96 milhões de dólares. Valor que o Equador deverá pagar à petrolífera Chevron depois de o Supremo Tribunal dos EUA ter chumbado o recurso que o Equador interpôs para evitar pagar a indemnização. O processo arrasta-se há mais de 20 anos e está ligado aos danos alegadamente causados na floresta amazónica do Equador entre 1964 e 1990 pela Texaco, que entretanto foi comprada pela Chevron.

13 mil. É o número de agentes da polícia francesa que farão parte do dispositivo de segurança do Euro 2016 em Ile-de-France.

1.200. Nascimentos que a Dinamarca registará a mais, apenas no verão, em relação ao ano passado. Isto depois da exibição de um anúncio que pretendia combater o envelhecimento da população apelando à natalidade através de férias em países com sol, tudo para promover a atividade sexual. O governo dinamarquês diz contudo que não é possível atribuir o aumento da natalidade a esse anúncio viral.

75%. Corte que Cristhopher Bailey, Ceo da Burberry, sentiu no seu ordenado relativamente ao ano anterior por não ter cumprido os objetivos, recebendo "somente" 2,4 milhões de euros.

4,3 milhões de euros. Valor pago pelo xeque Arif Ahmad Al Zarouni pela matrícula número 1 do Emirado de Sharjah. Não foi um recorde, pois em 2008 outra matrícula foi vendida por 12,5 milhões de euros em Abu Dabi.

120 mil euros. É o preço estimado das 56 fotografias da última sessão fotográfica de Marylin Monroe, captadas seis semanas antes da sua morte pela objetiva de Bert Stern, que serão leiloadas na próxima sexta-feira, em Viena.

690. É o número de pessoas que poderão participar no primeiro cruzeiro-orgia da história.

O QUE EU ANDO A LER

Já não é a primeira vez que escrevo que esta rubrica se devia chamar “O que eu quero ler (e muitas vezes não consigo)”. Mantendo-me fiel à afirmação que serve de título a este habitual epílogo, o que eu ando mesmo a ler é o resto do relatório final que considerou Ricardo Salgado, Morais Pires e José Manuel Espírito Santo culpados, com dolo, de uma série de ações que levaram à colocação massiva de papel comercial do Grupo Espírito Santo. São 762 páginas, mais anexos, mas uma leitura estimulante, pelo menos para mim. Como os documentos não estão disponíveis, deixo aqui alguns links para notícias que o Expresso já publicou sobre este processo.

E termino então com uma sugestão que me vai acompanhar nos próximos dias em que andar em viagem. Pós-Capitalismo é uma obra interessante de Paul Mason. O jornalista de The Guardian, editor de economia do Channel 4 e professor universitário, tornou-se amplamente conhecido pelas posições que tomou a favor da Grécia e contra a UE na recente crise. E escrevo apenas interessante porque não podia estar mais em desacordo com a génese deste livro, onde o autor parte do princípio que o capitalismo morreu. Dois séculos depois, dizer que o capitalismo morreu é refutar que este sistema económico é feito de altos e baixos, que se reinventa a cada período de crescimento e em cada período de crise.

Mas Mason tem razão em defender que devemos caminhar para um sistema, se não diferente, pelo menos mais justo, se isso for possível, claro. Vou ler e depois partilho o que achei da obra. Até lá podem ler a crítica de Jorge Nascimento Rodrigues.

Tenha uma excelente boa terça-feira. O Curto volta amanha pela mão de Martim Silva.

Mais lidas da semana