quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A CHARADA DE ALEPPO E MOSUL



Em duas cidades com milênios de História, na Síria e Iraque, duas coalizões distintas lutam contra o Estado Islâmico. Mas os Estados Unidos têm um Plano B diferente…

Pepe Escobar – Outras Palavras

Não há dúvidas de que Bagdá precisa retomar Mosul, do ISIS. Não pôde fazer antes. Em teoria, o momento é agora.

A verdadeira questão são os motivos conflitantes do vasto “quem é quem” que está fazendo a coisa: a 9ª Divisão do Exército do Iraque; a Peshmerga curda, sob a batuta do esperto, oportunista e corrupto Masoud Barzani; líderes tribais sunitas; dezenas de milhares de milicianos xiitas do sul do Iraque; “apoio” operacional das Forças Especiais dos EUA; a precisão “cirúrgica” do bombardeio pela Força Aérea dos EUA. Espiando do fundo, a Força Aérea e as Forças Especiais da Turquia.

Convenhamos que é receita perfeita para muita confusão.

Muito semelhante a Aleppo, Mosul é – literalmente – material de que se fazem as lendas. Cidade que sucedeu a ancestral Nínive, foi fundada há 8 mil anos; ex-capital do Império Assírio no governo de Sennacherib no século 7º AC; conquistada pelos babilônios no século 6º AC; mil anos depois, anexada ao império muçulmano e governada pelos umaiadas e abassidas; núcleo, do século 11 ao século 12, do estado medieval Atabegs; entreposto comercial chave dos otomanos numa pós-Rota da Seda no século 16 que se estendia do Oceano Índico até o Golfo Persa, o vale do Tigre, Aleppo e Trípoli no Mediterrâneo.

Depois da 1ª Guerra Mundial, todos queriam Mosul – da Turquia à França. Mas foram os britânicos que passaram a perna na França e conseguiram que Mosul fosse anexada à então mais nova colônia do Império Britânico: o Iraque. Depois veio o longo período de domínio pelo partido árabe nacionalista Ba’ath. E na sequência, vieram a Operação Choque & Pavor e o inferno; a invasão e ocupação pelos EUA; o tumultuado governo de maioria xiita de Nouri al-Maliki em Bagdá; e a tomada pelo ISIS no verão de 2014.

Os paralelos históricos de Mosul podiam não ter, mas têm um sabor especial. Aquele estado medieval dos séculos 11-12, tinha praticamente as mesmas fronteiras que o falso “Califato” do Daech – engolfando ambas: Aleppo e Mosul. Em 2004, Mosul foi governada de facto pelo fracassado e desgraçado general David Petraeus. Dez anos depois da falsa “ofensiva” de Petraeus, Mosul já era governada por um falso califato nascido dentro de uma prisão norte-americana perto da fronteira com o Kuwait.

Desde então, centenas de milhares de residentes fugiram de Mosul. A população está reduzida praticamente à metade dos 2 milhões de habitantes originais. É gente demais para ser, propriamente dito, “libertada”.

A “queda” de Aleppo

A narrativa hegemônica sobre a Batalha de Aleppo (Leste) reza que um “eixo do mal” (expressão criada por Hillary Clinton) formado de Rússia, Irã e “o regime sírio” estaria bombardeando incansavelmente inocentes civis e “rebeldes moderados”, ao mesmo tempo em que estaria causando horrenda crise humanitária.

Na verdade, a maioria absoluta dessa força de vários milhares de “rebeldes moderados” está realmente incorporada na e/ou associada à Jabhat Fatah al-Sham (Frente da Conquista da Síria), que nada é além da Jabhat al-Nusra, também conhecida como al-Qaeda na Síria, acrescentada de alguns outros grupos jihadistas, como Ahrar al-Sham (os objetivos da Frente Al-Nusra – e dos que a apoiam – estão completamente expostos e documentados aqui).

Enquanto isso, alguns civis permanecem sem poder sair de Aleppo Leste – não mais de 30 ou 40 mil, de uma população inicial de 300 mil.

E isso nos leva ao xis da questão que explica (i) a ação de sabotagem, pelo Pentágono, do cessar-fogo Rússia-EUA; (ii) os chiliques de fúria da embaixadora dos EUA na ONU, Samantha Power; e (iii) a ininterrupta conversa “repercutida” sem parar, de que a Rússia estaria cometendo “crimes de guerra”.

Se Damasco controlar, além da capital, Aleppo, Homs, Hama e Latakia, controlará a Síria que interessa; 70% da população e todos os centros industriais/comerciais importantes. O jogo estará praticamente decidido. O resto é fundo do fundo, rural, quase deserto.

Para a linha de política exterior padrão galinha-degolada-correndo-pelo-pátio atualmente adotada pelo governo pato manco de Obama, o cessar-fogo foi meio para ganhar tempo e rearmar os grupos que Washington chama de “rebeldes moderados”. Pois mesmo esse nada foi demais para o Pentágono, que enfrenta uma aliança determinada, constituída de Síria/Irã/Rússia, contra todas as declinações de jihadistas salafistas dementes — só a terminologia varia — e que luta para manter indiviso o território e o estado da Síria.

Por isso, reconquistar toda a cidade de Aleppo tem de ser prioridade para Damasco, Teerã e Moscou. O Exército Árabe Sírio (EAS) jamais terá soldados em número suficiente para reconquistar o fundão rural, sunita ultra hardcore. Damasco pode também jamais recuperar o nordeste curdo, o embrião de Rojava; afinal o YPG é diretamente apoiado pelo Pentágono. Se algum dia algum Rojava independente verá a luz do dia, é questão ainda por decidir.

O Exército Árabe Sírio, mais uma vez, está terrivelmente superdistendido. Por isso, a luta para reconquistar Aleppo Leste é, sim, luta duríssima. Há uma crise humanitária. Há danos colaterais. E isso é só o começo. Porque mais cedo ou mais tarde o exército, com apoio do Hezbollah e de milícias xiitas iraquianas, terá de reconquistar Aleppo Leste também com coturnos em solo – apoiados pelos jatos russos.

O xis da questão é que o ex “Exército Sírio Livre”, já absorvido pela al-Qaeda na Síria e outros jihadistas salafistas, está a ponto de ser varrido de Aleppo Leste. Mudança de regime e/ou “Assad tem de sair” – a via militar – já é hoje impossível em Damasco. Daí o mega desespero que têm mostrado o secretário de Defesa dos EUA, Ash Carter; as células neoconservadoras plantadas por toda a extensão da equipe Pata Manca de Obama; e suas hordas de vassalos “midiáticos”.

Entra em cena o Plano B: a Batalha de Mosul.

Fallujah remixed?

O plano do Pentágono é enganadoramente simples: apagar todos os traços de Damasco e do Exército Árabe Sírio a leste de Palmira. E é aí que a Batalha de Mosul converge com o recente ataque pelo Pentágono contra Deir Ezzor. Ainda que se tenha uma ofensiva nos próximos poucos meses contra Raqqa – pelos curdos do YPG ou, mesmo, por forças turcas – ainda há um “principado salafista” do leste da Síria ao Iraque ocidental todo mapeado, exatamente como a Agência de Inteligência da Defesa planejava (sonhava?) em 2012.

Nizar Nayouf, historiador sírio que vive em Londres, e fontes diplomáticas não identificadas confirmaram que Washington e Riad fecharam acordo para deixar milhares de jihadistas do falso Califato escaparem do oeste de Mosul, desde que entrem diretamente na Síria. Se se examina o mapa dos combates [1] vê-se que Mosul está cercada por todos os lados, exceto pelo lado oeste.

Mas e o presidente da Turquia, “sultão” Recipp Erdogan, nisso tudo? Anda dizendo que Forças Especiais turcas entrarão em Mosul como entraram em Jarablus na fronteira turco-síria: sem disparar um tiro, quando a cidade estiver limpa de jihadistas.

Entrementes, Ancara está preparando sua entrada espetacular no campo de batalha, com Erdogan em todo seu esplendor sultânico atirando às cegas. Para ele, “Bagdá” não passa de “um administrador de um exército feito só de xiitas”; e os curdos do YPG “serão removidos da cidade síria de Manbij” depois da operação Mosul. Para nem dizer que Ancara e Washington estão discutindo ativamente a ofensiva contra Raqqa, dado que Erdogan ainda não abandonou seu sonho de uma “zona segura” de 5.000 km no norte da Síria.

Em resumo, Mosul não passa de show de intervalo, para Erdogan. As prioridades dele ainda são uma Síria fragmentada, “zona segura” incluída; e esmagar os curdos do YPG (ao mesmo tempo em que trabalha lado a lado com o movimento Peshmerga no Iraque).

No que tenha a ver com o Plano B dos EUA, xeque Hassin Nasrallah, líder do Hezbollah leu com perfeita clareza nas entrelinhas de todo o esquema: “Os norte-americanos planejam repetir o enredo de Fallujah, quando abriram uma trilha para que o ISIS escapasse na direção do leste da Síria, antes de os aviões iraquianos atacarem o comboio dos terroristas.” Acrescentou que “o exército iraquiano e as forças populares” têm de derrotar o ISIS em Mosul; se não, terão de caçá-los por todo o leste da Síria.

Também não surpreende que o ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, também tenha visto com toda a clareza  Grande Quadro: “Tanto quanto sei, a cidade não está completamente cercada. Espero que assim seja porque não conseguiram fechar o cerco, não porque não tenham querido fechá-lo. Mas esse corredor gera o risco de os combatentes do Estado Islâmico escaparem de Mosul por ali, e entrarem na Síria.”

É claro que, se acontecer desse modo, Moscou não se ficará de lado, só olhando: “Espero que a coalizão liderada pelos EUA, que está ativamente engajada na operação para tomar Mosul leve em consideração isso tudo.”

Claro que Mosul – ainda mais que Aleppo – impõe grave questão humanitária.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha estima que um milhão de pessoas possam ser afetadas. Lavrov vai diretamente ao que importa, quando insiste que “nem o Iraque, nem seus vizinhos têm atualmente capacidade para acomodar tal quantidade de refugiados, e isso tem de ser considerado no planejamento da Operação Mosul.”

Talvez não tenha sido. Afinal, para a coalizão “liderada pelos EUA” (pela retaguarda?), a prioridade número um é garantir que o falso Califato sobreviva em algum lugar no leste da Síria. Mais de quinzer anos depois do 11 de Setembro, a cantilena não muda, e a “guerra ao terô” (como Bush pronunciava as palavras) continua a chover, como perene maná.

[1] Excelentes mapas em “Nasrallah: Discurso na 10ª noite de Ashura” (legendas em fr., traduzidas em O Empastelador) [NTs].

A MITIFICAÇÃO E A MISTIFICAÇÃO DO CAPITALISMO



Daniel Vaz de Carvalho

"A luta para que o céu se tornasse mensurável foi ganha através da dúvida.   Mas a luta da dona de casa pelo leite é todos os dias perdida pela credulidade" - Bertholt Brecht, Galileu Galilei

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"Quando os pobres sabem que é preciso trabalhar ou morrer de fome, trabalham.   Se os jovens sabem que não terão socorro na velhice, eles economizam" William Nassau, economista e político inglês, 1790-1864.

1 – "Os anos de ouro" 

A mitificação do capitalismo começa por uma visão idílica, mitificada, dos "anos de ouro do capitalismo" apregoando o seu "extraordinário sucesso" e a estagnação e fracasso do socialismo. Por um lado, fecham os olhos às devastações e todas as espécies de horrores cometidos pelo imperialismo, pelo neocolonialismo e pelas ditaduras, para impor o capitalismo.

Por outro, a realidade socialista é totalmente deturpada, num acervo de mentiras e omissões. Apenas como exemplo, entre 1950 e 1972 a produção industrial dos países socialistas cresceu 8,4 vezes a dos países capitalistas desenvolvidos, 3,1. Em 1940 era na URSS 5,8 vezes a de 1928. [1]

O sistema capitalista é apresentado como tendo permitido a ascensão de classes sociais, produzido mais riqueza, melhoria do nível de vida e direitos. O que esquecem é que tudo isto foi obtido – onde foi – não pelo capitalismo, mas contra o capitalismo, pelo proletariado organizado sindical e politicamente. Porém, o que de positivo e progressista se obteve está, em termos capitalistas, sempre a ser posto em causa, como evidenciam a austeridade, o neoliberalismo, o imperialismo, já não falando dos diversos modelos de fascismo: a ditadura terrorista do grande capital, com ou sem braços esticados.

Mas onde ficaram então os tais "anos de ouro", aliás para muito poucos. Na realidade, "nos países do Sul o capitalismo são "massas de seres humanos sem voz, sem nada, o povo das favelas a perder de vista, campesinato miserável sofrendo para se alimentar, a brutalidade das condições de trabalho, a humilhação, a desumanidade. No Norte, tão rico, são espectros errantes que olhamos, mas não vemos, sem teto, sem direitos, são os "novos pobres", desapossados, ofendidos, desumanizados." [2]

Os "anos de ouro", deveram-se às cedências da oligarquia em consequência das lutas dos trabalhadores e da admiração dos povos pela URSS e demais países socialistas face aos seus êxitos e à aquisição de amplos direitos económicos e sociais.

Não são pois de admirar as objurgatórias dos escribas afetos ao capital sobre o que inventam ter sido o "jugo soviético". Contudo nada os sensibiliza o jugo (este sim bem real) da UE, da NATO, do FMI, não esquecendo a CIA e colaterais sobre os povos [3]

Há contudo que reconhecer que o capitalismo soube incutir no comum das pessoas a sedução pelo consumismo. Os EUA tornaram-se assim, para muitos, objeto de admiração acrítica, não entendendo que o que os atrai nos EUA é também um dos maiores defeitos do seu sistema: com 5% da população mundial consome 25% dos recursos mundiais…

O mito do consumismo tornou-se fonte de realização individualista, uma das bases do carácter alienatório do capitalismo, que Marx descreveu e Eric Fromm desenvolveu neste aspeto em "Ser e Ter".

A propaganda e o enaltecimento da riqueza e do modo de vida dos ricos, determina modos de pensar acríticos, deixando na sombra mediática as causas da corrupção, do luxo escandaloso, das desigualdades obscenas. Simultaneamente, o sindicalismo de classe é caluniado como reduto de privilegiados e elemento obsoleto e egoísta à custa dos outros trabalhadores – que o sistema deixa sem direitos ou no desemprego.

2 – Mitos e realidades 


Um dos mitos é o do êxito hedonista e individualista. O capitalismo diz: o êxito, é uma conquista individual, estás num mundo competitivo, mas tu vais conseguir… se seguires as regras. Ora as "regras" são as da semiescravatura da "flexibilidade laboral" – precariedade – da austeridade, da globalização capitalista, que coloca o proletariado dividido e isolado, competindo entre si, e em que o seu projeto de vida se limita à sobrevivência a curto prazo, porque doutra forma ou noutro país se obtêm lucros mais elevados.

Ao mesmo tempo que sem corar afirmam que "não é possível conservar o emprego a todo o custo", apoiam políticas para defender os interesses da finança "custe o que custar". Mas isto é apenas um dos resultados das "reformas estruturais", de facto impossíveis de impor antes do fim da URSS.

A lógica já enunciada pelos seus defensores com o argumento da competitividade e da "justiça social" (!) é de que não se justifica que trabalhadores europeus tão qualificados como trabalhadores das Filipinas, Bangladesh ou Índia ganhem mais que estes. Claro que nem lhes passa pelo crânio que devam ser estes a ganhar mais.

O "comércio livre" e seus tratados são propagandeados como permitindo aos países pobres sair da pobreza e proporcionar aos consumidores acesso a bens mais baratos. A defesa dos interesses nacionais e populares é então caluniada como "protecionismo". Com objetivos sedutores no papel, seja com argumentos tecnológicos, seja pela "competitividade", as transnacionais (TN) obtêm o poder de destruir a vida das pessoas, mas são intocáveis e faz-se apelo à vinda do seu capital como um indiscutível bem, ignorando as consequências económicas e sociais e as exigências impostas.

Ora as TN sempre foram um perigo para os povos. Em seu benefício foram e são desencadeadas guerras, povos são atirados para o caos social e tragédias humanas. Não deixa de ser curioso que os estrénuos adeptos do "comércio livre", ignorem o efetivo jugo das TN sobre os povos, ao abrigo de uma mítica "economia de mercado".

Como habitualmente a defesa dos interesses dos mais ricos vem sempre mascarada com bons sentimentos para com os mais pobres. Na Inglaterra do século XIX os defensores do comércio livre diziam que a pobreza era causada pelo protecionismo e direitos aduaneiros – nunca pelo sistema de exploração capitalista! Note-se que quando a França e a Alemanha, desenvolveram as suas indústrias passaram a defender o protecionismo! A exploração desenfreada, essa manteve-se…

O mito da eficiência capitalista, oposto ao desempenho económico e social do Estado, conduziu a massivas privatizações, fonte de corrupção e tráfico de influências em que o interesse público não foi defendido, como o Tribunal de Contas relatou.

As privatizações são uma tentativa de salvar o grande capital da crise e da baixa da taxa de lucro pela monopolização da economia e da precariedade social. Um estudo do Transnacional Institute [4] concluiu sobre as privatizações que não há qualquer prova que demonstre que as empresas privadas fornecem serviços de forma mais eficaz que as públicas; em contrapartida fizeram cair salários, degradar condições de trabalho, aumentar desigualdades. Na realidade, ao fomentar a criação de monopólios estão a subverter o próprio conceito de eficácia capitalista…

Registe-se que nos primeiros seis meses de 2016, em Portugal, um conjunto de oito empresas privatizadas teve 1,33 mil milhões de euros em lucros, quase metade do défice público no mesmo período (2,8 mil milhões de euros). [5]

3 – A mistificação 

O totalitarismo neoliberal, o "pensamento único", não permite que Ideias, textos, autores, por exemplo apresentados neste site ou nos sites aí citados, sejam discutidos, analisados, sequer mencionados, na comunicação social controlada. No passado, a Igreja justificou a ordem monárquica como imutável e de natureza divina. Agora, papel equivalente está atribuído aos media para que a população não conceba outro sistema, outra economia política.

Os media não se limitam a ser agentes de desinformação, tornaram-se agentes da conspiração imperialista contra a soberania, o progresso e a paz dos povos. A propaganda procura de todas as formas que a lógica dos oprimidos seja um mero reflexo da dos opressores. Gente arregimentada anda há anos a perorar contra o "despesismo" do Estado em funções sociais, sem as quais quase 50% dos portugueses estaria na pobreza, porém recusam na prática a fiscalidade progressiva e ignoram o que seja a soberania do Estado sobre a riqueza criada no país.

A intoxicação das consciências sobre os direitos sociais e o papel do Estado na economia prossegue. A direita e a propaganda ao seu serviço apresentam as ditas "reformas estruturais" como fatores de "crescimento económico e emprego". Mas essas "reformas" não são mais que as condições para a oligarquia, assumindo uma arrogância sem limites, ficar livre do controlo democrático e prosseguir atos de vigarice e mesmo criminosos,

Os oligarcas são apresentados como beneméritos da sociedade, agentes do crescimento, único recurso contra a pobreza, quando os factos provam justamente o contrário: absorvem pelas estratégias monopolistas e domínio sobre o poder político o resultado do trabalho alheio, seja do proletariado seja das MPME, e a riqueza do Estado, em nome da confiança dos mercados - eufemismo atrás do qual se esconde a oligarquia.

Os 30 mais ricos detêm de património líquido, segundo a Forbes, cerca de 950 mil milhões de euros; o 1% mais rico dispõe de 50% da riqueza mundial. Como relata a OXFAM: "Têm tudo e querem mais".

O resultado são sociedades disfuncionais onde os psicotrópicos se tornam escape. O sistema produz seres humanos na insegurança quanto ao futuro, na apatia ou no desespero, na ansiedade que leva à depressão e à insanidade. Seres abatidos em nome da competição a favor de uma minoria de ultra-ricos. Seres amputados da tal "liberdade de escolha", que serve à propaganda para dominar vontades.

4 – A transformação necessária 

Uma época de proezas tecnológicas coexiste com uma economia baseada num irracional facciosismo, com a barbárie de criminosas guerras de agressão, duras políticas anti-sociais de austeridade, tudo e todos subordinados a bandos de gananciosos e vigaristas financeiros.

As políticas vigentes opõem-se a qualquer ideia de progresso e desenvolvimento social, a finalidade é tornar os ultra-ricos mais ricos e os povos dominados pela hipocrisia. A concepção que vigora é que ao povo basta-lhe ter um trabalho, quaisquer que sejam as condições, e consumir aquilo a que a publicidade incita. Contudo, nem isto o capitalismo se mostra capaz de satisfazer.

Engels em 1844 denunciava as horrorosas condições de trabalho vigentes, incluindo de mulheres e crianças. Houve de facto leis para limitar estas situações, mas com o movimento operário e socialista incipiente era como se não existissem. Compreende-se que para a direita o ideal seja o fim da contratação coletiva e dos sindicatos de classe de que são naturais inimigos.

O neoliberalismo, colocou o Estado ao serviço do grande capital, estabeleceu a infame "concorrência fiscal" e livre circulação de capitais para o ónus dos défices recair sobre as massas populares. Transformar a sociedade tem que ver como o papel do Estado se altera. É em volta do poder e do papel do Estado que se desenrola o mais intenso da luta de classes: o confronto entre a oligarquia e a democracia.

O papel do Estado democrático na defesa dos interesses do país e do seu povo foi usurpado pela ficção da "soberania partilhada" e da "governação à distância" que exprimem o domínio das potências hegemónicas na UE e na NATO. Que soberania partilha a Alemanha com Portugal, com a Grécia, com a Espanha, até com a França? Que solidariedade europeia existe quando os países periféricos são tratados como os PIGS? Que entidades "independentes" – da vontade dos cidadãos – têm o direito de determinar, como no fascismo "o que é melhor para os portugueses"?

O mito das "ajudas" capitalistas, como os fundos estruturais da UE, já foi comparado ao "queijo na ratoeira". Na ratoeira da ingerência, das privatizações e das sanções. Nesta ratoeira a política de direita tem sido promovida, defendida e branqueada, traduzindo-se em pobreza, desindustrialização, desmantelamento da agricultura e pescas, desigualdades crescentes e estagnação

Instaurou-se um sistema que tenta resolver o acréscimo de contradições e demolidoras crises a que deu origem, aprofundando os erros e se mantém pela propaganda, pela chantagem e ameaças.

Um sistema incapaz de corrigir os erros e resolver os problemas que cria tem de ser substituído. As necessidades dos povos devem sobrepor-se aos tratados, sem o que estes se tornam "pactos de agressão".

Neste sentido, o princípio básico de uma política democrática deveria ser: transformar o necessário para a maioria, no possível. Mas este possível, tem como condição necessária a maioria assumir a sua consciência de classe, uma consciência política e social capaz de fazer frente tanto à ideologia reacionária da propaganda oligárquica como às mistificações da social-democracia.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

RATO COSTA E GATO COELHO



Desatar a fugir pode ser bom remédio em estados de emergência caso não estejamos acossados por um agressor armado num beco sem saída. Com um muro nas costas, o melhor é mesmo dar provas contínuas de vida. Fazer de morto contra um muro de nada vale e continua a causar-me espanto como tantas pessoas (e tantas vezes) se alinham contra muros pelo seu pé, perfilados para a fatalidade, quando podiam desatar a partir tijolo antes da construção. É também por isso que me custa compreender como pode António Costa colocar-se na posição de quem tem algo a esconder na proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2017, quebrando as mais elementares regras de transparência e informação num debate em democracia.

O jogo do rato e do rato é uma estória infantil de inteligência e ilusão, desaparecimento e perseguição. O rato raramente se deixa apanhar a não ser que assim queira. Para especialistas é um jogo que os acompanha até ao fim da vida. Para as crianças, começa por ser só um jogo de duas personagens numa roda de mãos, uma porta e um relógio, que apenas termina quando o gato apanha o rato ou desiste. Num OE que devolve rendimento às famílias e aprofunda - ainda que de forma ténue - a reversão da escalada punitiva sobre os mais desfavorecidos de que o Governo de Passos foi executor-mor, Costa resolveu deixar-se apanhar por Passos da forma mais acriançada: parecendo ter algo a esconder, omite dados e quadros relevantes e limita-se a comparar o OE17 com o OE16, atirando para o caixote das dúvidas a execução do OE16 até Setembro que permitiria actualizar as estimativas para os derradeiros meses do ano. Quando o gato parecia ter já desistido, transformando-se num abutre pelo mal que o diabo traria, eis que o rato resolve abrir um buraco no queijo, parênteses democrático na sua roda de mãos.

A apreciação do OE17 fica assim condicionada a apresentação periódica, numa espécie de termo de identidade e residência parlamentar. O ministro das Finanças está disponível para uma nova audição e esse é um elemento relevante. Mas coloca a esperança deste Orçamento cativa de desconfiança. Passos teve a coragem dos fracos: foi mais além do que a troika exigia, sem dó nem piedade, num país intervencionado que era o seu e que por pouco não quebrava a espinha com tanta deferência aos algozes. Costa, com condições excepcionais para enfrentar a moribunda oposição à direita, resolveu comparar com estimativas, omitir despesas com ministérios e as contribuições da Segurança Social. Por muito pouco, arrisca-se a quebrar a espinha pela fraqueza dos fortes.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

*Músico e advogado

PROTEGER OS CONTRIBUINTES, AFASTAR SÉRGIO MONTEIRO DO NOVO BANCO




O contrato celebrado entre o Banco de Portugal e o ex-governante campeão das privatizações termina a 1 de novembro de 2016. A proteção dos contribuintes só estará garantida com o afastamento de Sérgio Monteiro do Novo Banco.

Adriano Campos, opinião*

Em setembro de 2015, o Banco de Portugal justificava o novo adiamento na venda do Novo Banco pela falta de "condições adequadas em matérias de preço e de risco para o fundo de resolução" (recordemos que a falência do BES resultou na injeção de 3900 milhões de euros no Fundo de Resolução bancário por parte do Estado). Mais de um ano depois, o Banco de Portugal veio anunciar uma nova fase final de propostas de compra, enquanto a administração do Novo Banco avança com um agressivo plano de despedimentos.

Se há um ano tínhamos razões para temer uma enorme perda para os contribuintes com a venda precipitada, hoje sabemos o que aconteceu, desde então, no sistema financeiro português: a falência do Banif, o abalo na Caixa Geral de Depósitos, a enorme desvalorização do BCP (que ainda não pagou a totalidade dos empréstimos ao Estado), o impasse no BPI e os resultados conhecidos do próprio Novo Banco - 363 milhões em prejuízo só no primeiro semestre de 2016. O que era mau está ainda pior e ninguém acredita que a venda do Novo Banco se aproxime sequer dos valores gastos pelo Estado.

No verão, António Costa garantiu(link is external) à Comissão Europeia que, se necessário, escolheria a liquidação do banco a qualquer solução que implicasse mais perda de dinheiros públicos, enquanto Maria Luís Albuquerque, solidária, atira publicamente(link is external) as culpas para Passos Coelho pela gestão do caso. Mas nesta longa e agoniante história, uma figura não pode ser esquecida: Sérgio Monteiro, o responsável direto pela venda do Novo Banco.

Tal como denunciado(link is external) pela Mariana Mortágua, o polémico contrato de 304,8 mil euros que o ex-secretário de Estado dos Transportes assinou com o Banco de Portugal apenas foi oficializado um mês e meio após iniciar funções, em novembro de 2015, constituindo um claro conflito de interesses pelo facto de Sérgio Monteiro continuar a ser administrador da CGD (uma das entidades que constituem o Fundo de Resolução).

Desde então, multiplicaram-se os escândalos públicos envolvendo o ex-governante. Em meados deste mês, o Ministério das Finanças seguiu a recomendação da Inspeção - Geral das Finanças, pedindo a revogação(link is external) do "perdão" de 19 milhões de euros concedido ao grupo Barraqueiro e à Transportes Sul do Tejo. Em causa está um despacho assinado por Sérgio Monteiro, em agosto de 2015, que anulou a revisão das compensações relativas ao passe social devidas a estas empresas, saldando-se numa borla de 9,9 milhões de euros dada à Barraqueiro de Humberto Pedrosa. O mesmo Humberto Pedrosa que negociava, nessa altura, com Sérgio Monteiro, Secretário de Estado, a privatização da TAP.

Já em março deste ano, a CRESAP (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública) criticou a falta de transparência(link is external) na nomeação de Lígia Fonseca, ex-integrante do gabinete de Sérgio Monteiro no anterior governo, para a Autoridade Nacional Nacional de Aviação Civil (ANAC). A nomeação realizada por Sérgio Monteiro foi feita, segundo a CRESAP, em regime de substituição, um estatuto "que não está previsto nas entidades reguladoras", tornando o caso de Lígia Fonseca (que recebe um salário mensal de 12806 euros) em mais uma mancha na carreira do Senhor Privatizações.

Poderíamos ainda lembrar a contratação de Teresa Empis Falcão, assessora de Sérgio Monteiro responsável pelo parecer que resultou no duplo pagamento à Lusoponte: até 2011, o Estado pagava à entidade liderada por Joaquim Ferreira do Amaral (ex-Ministro pelo PSD) uma indemnização compensatória por não haver cobrança de portagem na ponte 25 de Abril durante o mês de agosto. Quando, em 2011, as portagens foram cobradas, nem por isso o governo deixou de pagar 4,4 milhões de euros à Lusoponte, através da Estradas de Portugal, resultando num duplo pagamento. E são muitos os que se recordarão ainda do caso das PPP rodoviárias, onde o ex-secretário de Estado, na altura ao serviço do banco de investimento Caixa BI, assumiu um encargo financeiro de 473 milhões com a capitalização da AELO (Auto-Estradas do Litoral Oeste), num negócio que mereceu duras críticas do Tribunal de Contas por prejudicar o Estado.

No tempo de todas as ameaças sobre o sistema financeiro, exigem-se respostas concretas para o buraco criado pelo BES. O primeiro passo será, sem dúvida, dizer claramente que este não é o homem que queremos ter à frente das negociações onde se joga o esforço dos contribuintes.

*Esquerda.net - Adriano Campos - Sociólogo, activista precário

ORÇAMENTO À VISTA, DEPOIS DOS ORÇAMINTOS DE PASSOS, PORTAS E CRISTAS



Expresso Curto, a cafeína por Cecília Meireles, jornalista do Expresso. Bom dia… à tarde (já passa muito do meio-dia).

Perguntaram há dias, aqui para o PG: “não há coisa melhor que o Expresso para fazer aberturas do PG”. Esclareço: haver até haverá. Haverão. Acontece que queiramos ou não o Expresso é uma publicação de referência. Custe o que custar, mas é. Além disso é sempre bom saber como é que reagem, opinam, pensam e até manipulam isto e aquilo, os que escrevem no Expresso. Vejam lá que até dizem que são os “meninos(as) copo-de-leite arregimentados(as) pelo grande Bilderberg Balsemão”. É aí que há exageros. Claro que “personas non gratas” daquela profissão não entram no Expresso, nem ali põem um ponto final ou uma vírgula, mas daí a ser uma choldra a eito… Não. Ali também há bons profissionais. Porém, não se desiludam, qualquer dia abrimos o PG com outra coisa… E AbrilAbril,  Avante, etc. Tá bem?

Nesta cafeína de hoje há Orçamento. Melhor que os Orçamintos do Passos, do Portas, da Cristas, da UE, e… Pois. A maioria dos portugueses não gosta de matemática. O que se sabe é que a direita ressabiada do Passos e da Cristas anda a dizer que assim e que assado porque não gosta do cozido à portuguesa apresentado neste Orçamento. Até parece que alguma vez apresentou Orçamento melhor para Portugal e para os portugueses na generalidade. O que tem apresentado, quando é governo, são Orçamentos destinados a esfolar-nos vivos, a matar-nos nos hospitais ou pela falta deles e dos profissionais de saúde imprescindíveis… Enfim, tem apresentado Orçamintos cozinhados pelos fanáticos neoliberais-fascistas da UE e ilhargas desses. Tudo “boa” gente capitalista e esclavagista, que prometem e nunca cumprem. Passos, esse, está no catálogo da fauna das mentiras compulsivas. É ver, minha gente, é ver, ouvir e ler. Tadinhos, agora é que ele são tão pelo povo… O tanas!

Basta de Orçamento. Um grande nim à matemática.

E lá vem a cafeína do Curto com a CGD e o seu tal administrado-gestor repleto de benesses proporcionada pela cousa pública. Os nossos “cacaus” à solta para os que têm mente de galifões e apetites de serem putrefactamente “bons vivans” à conta dos outros, nós – os explorados e oprimidos.

O que está errado não é aquele senhor administrador-gestor da CGD repimpar-se com benesses, mordomias e vencimento imoral e escandaloso. O que está errado é esses comparsas e mainatos do grande capital, ditos gestores e afins, auferirem fortunas para fazerem aquele trabalho. E como esses, muitos outros de canudos (merecidos, comprados ou oferecidos), de outras áreas profissionais – vulgos dótores – que por dá cá aquela palha limpam vencimentos que somam muitos milhões anualmente (olhem  o “xuxalista” Melancia da EDP como progrediu na boa-vida). E tetos para estas imoralidades há mas não há… É a rebaldaria e o fartar vilanagem. Contudo o mal não é só de cá, vem de fora. Capitalismo obriga a que existam os mainatos atentos, venerandos e obrigados para fazerem o trabalho sujo, enquanto os que mais lucram estão por aí a pavonearem-se e a recorrerem à fiscalização de quanto lhes vai caindo pelos paraísos fiscais, fruto dos cambalachos produzidos pelos tais mainatos gestores e outros dótores.

E pronto. Chega de cafeína. Daqui nem mais uma letra depois dos votos de saúde, sorte e dinheiro para que não passem fome, nem outras privações como nos tempos do Passos, do Cavaco, do Portas, da Cristas… Essa pandilha, que não por acaso também vagueia pelo PS e que se está a esticar como gigante para encolher Costa e as promessas que deveria cumprir. Vamos ver se assim não é. Pois. (MM / PG)

Bom dia, este é o seu Expresso Curto

Luísa Meireles – Expresso

O negócio deles é números

“Se um número incomoda muita gente, a falta de números incomoda muito mais”. Eis como o meu colega João Silvestre aborda de maneira exemplar a audição do ministro das Finanças, ontem, na Comissão de Orçamento. Como lead de texto tiro-lhe o chapéu, ao ponto de lho roubar. A discussão sobre os dados que normalmente fazem parte do relatório de um Orçamentomas que, este ano, inexplicavelmente, não foram incluídos pelo Governo, marcaram a audição e têm sido o tema central da discussão política nestes últimos dias. Cito: são os (não) números da discórdia.

A direita não perdeu tempo no ataque: “ou o Governo não tem estes dados, o que é gravíssimo, ou está a querer ocultá-los, o que a lei não lhe dá essa liberdade”, assim resumiu a deputada Cecília Meireles, do CDS, a argumentação perante um facto cujo racional não se entende facilmente. Mesmo que o ministro Centeno alegue que não está a esconder nada e que o Governo prometa agora que todos os números em falta serão disponibilizados até sexta-feira, não se percebe que, numa primeira reação, tenha dito que a informação pedida “não contribuía para a qualidade do debate”.

A polémica terá vida curta, pois, mas era escusada, como se infere do facto de o próprio presidente da Assembleia da República se ter empenhado para que a situação fosse corrigida. E é estranho. Aliás, é isso mesmo que estranha o Pedro Santos Guerreiro: “O que esconde quem esconde?”. O ministro garante que não está a esconder nada e que não se pode dizer que “não há falta de números, mas sim de números que agradem à oposição”. E ainda adiantou:“Aqueles que agora dizem que têm falta de dados têm feito o diabo a sete para o chamar. Pronunciam planos B, novas medidas, derrapagens e deslizes. Aparentemente fizeram-no – pasme-se – sem números”.

Assim vamos. O debate começou crispado, é verdade. Mas também é verdade que o Orçamento, sendo “um dos grandes momentos anuais da vida parlamentar, não pode ficar manchado por qualquer suspeita desta natureza”, como disse Francisco Assis à Renascença. O ministro há de voltar ao Parlamento para nova audição e talvez então se possa começar a discutir a substância da coisa, quer dizer, o próprio Orçamento. Não é o Orçamento que a esquerda queria, mas PS, Bloco e PCP, uniu-se em torno dele. Um deputado do PS, Paulo Trigo Pereira, confirma e explica-o. O movimento Precários Inflexíveis, intransigentes na defesa desta nova classe de trabalhadores, saúda-o: "Pela primeira vez vemos aberto um ciclo de esperança".

Para a semana, quando já todos estiverem na posse de todos os números, ver-se-á. O tempo político é por enquanto o do Orçamento. E há sê-lo ainda até bem para os idos de novembro, aqui e em Bruxelas, para onde a proposta de OE já seguiu também na semana passada.

Apesar de não se preverem grandes dramas em torno do Orçamento – a Comissão até fala da boa cooperação com Lisboa – Bruxelas veio pedir esclarecimentos ao Governo e quer essa informação até quinta-feira, porque vê nas contas do OE um desvio de 900 milhões. Até ser aposto o visto verde no documento central da governação, vai ser assim, um bate-bola. Mas Portugal não é caso único, seguiram cartas para sete países ao todo, da França à Finlândia, passando pela Bélgica e a Espanha. O ministro Centeno encara o processo com normalidade e, claro, promete responder em tempo.

OUTRAS NOTÍCIAS

De economia, ainda. A nomeação de António Domingues para presidente da Caixa Geral de Depósitos já fez correr muita tinta e não vai ser agora que estanca. Depois do salário milionário, é a isenção de apresentar contas sobre os rendimentos: “Não há lapso. Domingues só presta contas ao Governo”, dizem os jornais (aqui e aqui) citando o Ministério das Finanças, que afirma que a retirada do estatuto de gestor público à Caixa corresponde à ideia de a tratar como qualquer outro banco. Mas a oposição quer que o Governo recue e, segundo parece, os gestores da Caixa vão ter mesmo que mostrar os rendimentos, diz a lei.

E de política: Jerónimo de Sousa foi à SIC e disse que, após um ano, a relação na geringonça se não está mais forte, está mais clara: o PM não o seduziu, mas cada um sabe das divergências que existem, há franqueza e as coisas são colocadas de modo são. Também se percebeu o recado ao Governo e ao PS: é preciso ir mais além.

O Presidente da República chegou hoje a Cuba, a primeira de um Chefe de Estado português a este país. Não é um acontecimento mundial, como foi a visita de Obama, mas é histórica, à nossa medida. A embaixadora de Cuba, Johana Tablada de la Torre, sublinha o facto.

O que nós dispensávamos é esta outra notícia, com sabor a velho: a de um adjunto do PM que declarou uma licenciatura que não tinha. Mas onde é que eu já ouvi isto? Rui Roque, assim se chama ele, já se demitiu.

E, enfim, uma história de final feliz, a do pequeno Martim que foi encontrado ao fim de 24h vivo e de boa saúde, apesar de encharcado e com fome: “Ouvimos um murmúrio, um choro baixinho e era ele”. A polícia mantém todas as opções em aberto, porque não se percebe como percorreu sozinho 2km e resistiu uma noite ao relento, com frio e chuva. Mas comove-nos.

Outra boa notícia vem-nos do foro desportivo: a seleção feminina de futebol vai pela primeira vez ao Europeu. Mas o jogo foi de arrebenta coração, como escreve a Lídia Paralta Gomes.

A má é ainda a dos jovens comandos que encontraram a morte num treino no princípio de setembro. O caso está sob investigação deste então e levou agora a que dois enfermeiros tenham sido constituídos arguidos, enquanto o médico dos comandos nega qualquer negligência.

Ah, já me esquecia: ao 16º dia, Pedro Dias, o fugitivo de Aguiar da Beira, ainda não foi encontrado nem é avistado há mais de uma semana. Agora, a polícia investiga o possível roubo de um jipe no Douro.

Um aviso: se vai viajar, atenção a eventual perturbações nos aeroportos, devido à greve dos trabalhadores das empresas de segurança, prevista para amanhã.

Outro aviso: se vive em Lisboa e está farto de obras, prepare-se para mais uma - as obras da Feira Popular arrancam para a semana. promessa do presidente da Câmara, Fernando Medina.

Se está tentado a ler os jornais, saiba que o I destaca que "Bebé não esteve sozinho durante a noite na serra em Ourém", o Jornal de Notícias que "Ambulâncias do INEM têm dez anos e custam três milhões só para reparar", o Negócios que "Não foi lapso" que o presidente da CGD não tenha que apresentar rendimentos, o Diário de Notícias que, afinal, "Admnistradores da Caixa vão mesmo ter de mostrar os rendimentos", o Público que "Maioria da banca viola lei e omite comissões cobradas anualmente", o Correio da Manhã que "Bebé-milagre resiste 25 horas à chuva e à fome". Os desportivos ficam por sua conta, desculpe.

LÁ FORA

Religiao. Se bem que tenha repercussões cá dentro, esta norma do Vaticano que censura os católicos que espalhem as cinzas dos entes queridos, as lancem à água, ou guardem em casa. A “instrução” só diz respeito aos católicos, mas interpela-nos a todos.

Estados Unidos. Quer saber quais são os swing states, os estados imprevisíveis e decisivos nas eleições presidenciais que vão acontecer dentro de 15 dias? São nove: o Colorado, Ohio, Iwoa, Nevada, Virgínia, Pensilvânia, New Hampshire, Florida e Carolina do Sul. Ao longo dos próximos dias, o Expresso Diário irá publicar uma reportagem sobre cada um deles. Ontem foi a vez do Colorado, hoje será o Iwoa. E Colin Powell, o primeiro secretário de Estado de George W. Bush, já disse que vai votar em Hillary Clinton. Espreite o minuto-a-minuto da campanha publicada pelo Guardian.

Espanha. Como se previa, o líder do PP, Mariano Rajoy aceitou a tarefa de formar Governo e está confiante que a legislatura possa durar quatro anos, embora pareça um voto pio. Depois da derrocada do PSOE, a ver qué pasa. O debate da investidura começa hoje no Congresso.

Islândia. Este pequeno país gelado surpreende-nos sempre e, em geral, por bons motivos. Esta iniciativa, se bem que já tenha dois dias, devia servir de exemplo, por isso a refiro: na segunda-feira, as islandesas saíram do trabalho mais cedo, às 14h38 exatas, o momento a partir do qual começam a trabalhar de graça, em comparação com os seus colegas masculinos. Lutar contra a desigualdade é isto. A notícia foi referenciada pelo Diário de Notícias, mas pode ver o original aqui. Fiquei a pensar a que horas as mulheres portuguesas devem largar o trabalho, para ir trabalhar para casa, claro, é o que dizem os estudos. Na Islândia, que vai a eleições este sábado, pausa para outra surpresa: o Partido dos Piratas, formado por uma mescla de hackers, ativistas e anarquistas, é o primeiro nas sondagens, mas a líder, uma mulher, diz que não faz questão de liderar o país. Vale a pena ler a Quartz.

FRASES

“O PM não me seduziu”, Jerónimo de Sousa, ontem, em entrevista à SIC

“O nosso problema não é o Bloco”, Idem

"Parece que o vácuo é uma característica típica dos orçamentos do PS", António Leitão Amaro, do PSD, ontem, na audição parlamentar de Mário Centeno

"Miopia política de uns adia o futuro de milhões", o ministro Centeno, no mesmo debate

"Dispersar as cinzas rompe a relação entre os vivos e os mortos. Devemos manter a comunhão", Padre Feytor Pinto

O QUE ANDO A LER

O autor, Jaime Nogueira Pinto, chama-lhe “um guia para perplexos”, embora o título do livro seja “Cinco homens que abalaram a Europa” (Esfera dos Livros). São eles Estaline, Mussolini, Hitler, Franco e Salazar, ditadores que mudaram a história da Europa, em maior ou menor medida. Nogueira Pinto propôs-se cruzar as vidas públicas e privadas destes homens, porque, como ele diz, “a Historia também vive das histórias dos homens que a imaginam, a recriam ou a abalam” e, além do mais, o relato ajuda-nos a entender os fantasmas que há tanto tempo assolam o velho continente. O empresário e professor fá-lo de um modo simples, com umas notas de bom humor, deixando entrever alguns pormenores curiosos que de certeza o leitor não conhece. O que une e separa estes ditadores?

Se gosta de jazz, não perca este artigo. Clicando na foto, terá uma pequena mas ótima surpresa.

E por hoje é tudo. Esteja atento à atualidade – o site do Expresso dá uma ajuda – e às 18h, já sabe, é a hora do Expresso Diário, onde lhe são servidos os principais temas.

Tenha um bom dia!

ENTREGA DE PESQUISA DE PETRÓLEO A PRIVADOS NÃO DEFENDEU INTERESSE PÚBLICO


Concessões foram acordadas pelo anterior governo

Os contratos de concessão para prospecção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural estão sob escrutínio na Assembleia da República. Apesar das vozes que lembram que o País tem direito a conhecer os seus recursos geológicos, há críticas à ausência de avaliação de impacte ambiental e às contrapartidas assumidas pelos concessionários, consideradas insuficientes. O tema vai esta tarde a debate no plenário da Assembleia da República.

Desde 1939 foram feitas em Portugal 175 operações de pesquisa de petróleo e gás natural em terra e no mar. O País importa a totalidade das suas necessidades de hidrocarbonetos, os produtos com maior peso no défice energético português.

Apesar da aposta nas energias renováveis, os dados de 2014, os últimos disponíves, revelam que as importações de petróleo se mantêm ao nível de 1990. Já as importações de gás estabilizaram desde 2005 à volta dos quatro milhões de toneladas equivalentes de petróleo. Apesar da recessão económica, os últimos dados disponíveis indicam que a economia portuguesa gasta mais de 7 mil milhões de euros em petróleo bruto e gás natural.

Lagosta e Lagostim: dois casos de submissão aos interesses das petrolíferas

Em Outubro de 2011 o governo do PSD e do CDS-PP assinou com um consórcio liderado pela espanhola Repsol dois contratos de concessão para prospecção e eventual produção de petróleo na costa algarvia. Os contratos eram idênticos e as concessões foram baptizadas por Lagosta (entre Quarteira e a Fuseta) e Lagostim (entre a Fuseta e Vila Real de Santo António).

Existem mais de uma dezena de concessões em terra e no mar

Distribuição das concessões de prospecção e exploração de petróleo e gás natural

Apesar de a lei não obrigar à avaliação de impacte ambiental, o actual regime jurídico permite que esta seja realizada em função da localização, dimensão ou natureza do projecto, critério em que a prospecção de petróleo ou gás natural se pode enquadrar. O governo, enquanto se declarava atento às questões ambientais em resposta a perguntas de deputados, recusou fazer essa avaliação.

Os contratos de concessão para prospecção foram assinados por oito anos e para exploração por 30 anos. O consórcio que a Repsol partilha hoje com a Partex, da Fundação Calouste Gulbenkian, assumiu uma renda de 15 euros por quilómetro quadrado nos primeiros três anos, subindo para o dobro nos restantes. Se chegar à fase de exploração, o valor passa para 240 euros por ano. Pelos 3200 quilómetros quadrados das duas concessões, a Repsol e a Partex vão pagar ao Estado perto de 770 mil euros por ano.

Contrapartidas asseguradas pela Repsol/Partex depois de atingir resultados líquidos positivo

Os contratos iniciais previam como contrapartidas o pagamento à Direcção Geral de Energia e Geologia de 10 cêntimos por barril na concessão Lagostim e de 15 cêntimos na concessão Lagosta, depois de atingir resultados líquidos positivos. A Repsol e a Partex só começam a pagar as contrapartidas ao Estado a partir do momento em que fiquem cobertos os investimentos, ou seja, com lucro garantido. Numa adenda, foi adicionado o pagamento, nas mesmas condições, de uma percentagem sobre o valor dos barris.

O perigo para o turismo e a experiência espanhola

Muito perto da Lagosta e Lagostim, desde a costa da Andaluzia até Tarragona, o governo espanhol atribuiu concessões idênticas à Repsol. No país vizinho, ao contrário da postura do governo do PSD e do CDS-PP, o executivo obrigou a avaliação de impacte ambiental.

Um dos argumentos esgrimidos por alguns partidos tem sido os efeitos das operações na costa algarvia para o turismo na região. Ao largo de Tarragona, junto das Ilhas Baleares, as operações já estão mais avançadas que em Portugal.

De acordo com o Instituto de Estatística das Ilhas Baleares, o número de turistas na região aumentou em cerca de um milhão de pessoas por ano entre 2009 e 2015, ultrapassando os 12 milhões. Já em Salou, cidade balnear junto a Tarragona, foram quase 7 milhões de turistas que pernoitaram na cidade em 2015.

AbrilAbril, em 15 de Junho de 2016 – republicado hoje

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