Desatar
a fugir pode ser bom remédio em estados de emergência caso não estejamos
acossados por um agressor armado num beco sem saída. Com um muro nas costas, o
melhor é mesmo dar provas contínuas de vida. Fazer de morto contra um muro de
nada vale e continua a causar-me espanto como tantas pessoas (e tantas vezes)
se alinham contra muros pelo seu pé, perfilados para a fatalidade, quando
podiam desatar a partir tijolo antes da construção. É também por isso que me
custa compreender como pode António Costa colocar-se na posição de quem tem
algo a esconder na proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2017, quebrando as
mais elementares regras de transparência e informação num debate em democracia.
O
jogo do rato e do rato é uma estória infantil de inteligência e ilusão,
desaparecimento e perseguição. O rato raramente se deixa apanhar a não ser que
assim queira. Para especialistas é um jogo que os acompanha até ao fim da vida.
Para as crianças, começa por ser só um jogo de duas personagens numa roda de
mãos, uma porta e um relógio, que apenas termina quando o gato apanha o rato ou
desiste. Num OE que devolve rendimento às famílias e aprofunda - ainda que de
forma ténue - a reversão da escalada punitiva sobre os mais desfavorecidos de
que o Governo de Passos foi executor-mor, Costa resolveu deixar-se apanhar por
Passos da forma mais acriançada: parecendo ter algo a esconder, omite dados e
quadros relevantes e limita-se a comparar o OE17 com o OE16, atirando para o
caixote das dúvidas a execução do OE16 até Setembro que permitiria actualizar
as estimativas para os derradeiros meses do ano. Quando o gato parecia ter já
desistido, transformando-se num abutre pelo mal que o diabo traria, eis que o
rato resolve abrir um buraco no queijo, parênteses democrático na sua roda de
mãos.
A
apreciação do OE17 fica assim condicionada a apresentação periódica, numa
espécie de termo de identidade e residência parlamentar. O ministro das
Finanças está disponível para uma nova audição e esse é um elemento relevante.
Mas coloca a esperança deste Orçamento cativa de desconfiança. Passos teve a
coragem dos fracos: foi mais além do que a troika exigia, sem dó nem piedade,
num país intervencionado que era o seu e que por pouco não quebrava a espinha
com tanta deferência aos algozes. Costa, com condições excepcionais para
enfrentar a moribunda oposição à direita, resolveu comparar com estimativas,
omitir despesas com ministérios e as contribuições da Segurança Social. Por
muito pouco, arrisca-se a quebrar a espinha pela fraqueza dos fortes.
O
autor escreve segundo a antiga ortografia
*Músico
e advogado
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