Os
independentistas da Frente de Libertação do Estado de Cabinda, que este ano já
reivindicaram a morte naquele território de vários militares angolanos,
avisaram hoje, em comunicado, que Cabinda “continuará em guerra”.
Aposição
foi divulgada hoje, precisamente no dia em que se assinala a passagem dos 15
anos sobre a assinatura, no Luena, dos acordos de paz entre as chefias
militares do Governo do MPLA e da UNITA, terminando com quase 30 anos de guerra
civil.
“O
MPLA e a UNITA vão comemorar o seu acordo de Luena. Isso é um assunto entre
angolanos, que em nada nos diz respeito. Pela nossa parte, a FLEC-FAC
continuará a guerra que nos é imposta pela potência ocupante e estrangeira que
é Angola”, lê-se no comunicado da organização independentista, assinado pelo
seu porta-voz, Jean Claude Nzita.
Na
mesma nota, a direcção político-militar da FLEC-FAC volta a apelar “a todos os
cabindas, do interior e da diáspora, das cidades, das povoações e das matas,
para se juntarem à resistência para intensificar a luta armada em todo o
território de Cabinda contra a ocupação ilegítima por parte de Angola”.
No
dia em que Angola assinala o feriado nacional, dia da paz, a FLEC-FAC afirma
que a resistência em Cabinda “é um direito legítimo e um dever moral”, em face
do “direito de querer proteger a nossa existência como povo e nossa identidade
nacional e cultural”.
“Estamos
em guerra e vamos ficar em guerra contra a ocupação ao longo de nossas vidas,
pois o povo de Cabinda vai continuar”, avisam os independentistas.
A
FLEC-FAC recorda que a 1 de Fevereiro de 1885 foi assinado o Tratado de
Simulambuco, que tornou aquele enclave num “protectorado português”, o que está
na base da luta pela independência do território.
Só
em Fevereiro e Março, as FAC reclamaram a autoria de confrontos em Cabinda que
terão provocado a morte a quase quatro dezenas de militares angolanos.
Durante
o ano de 2016, vários ataques do género provocaram, nas contas da FLEC-FAC,
desmentidas pelo Governo angolano, mais de meia centena de mortes entre as
operacionais das Forças Armadas Angolanas.
O
enclave de Cabinda, no ‘onshore’ e ‘offshore’, garante uma parte substancial da
produção total de petróleo por Angola, actualmente superior a 1,6 milhões de
barris por dia.
O
ministro do Interior de Angola afirmou em Outubro que a situação em Cabinda é
estável, negando as informações das FAC, que só entre Agosto e Setembro tinham
reivindicado a morte de mais de 50 militares angolanos em ataques naquele
enclave.
“Em
Cabinda, o clima de segurança é estável, é uma província normal, apesar de
algumas especulações e notícias infundadas sobre pseudo.-acções militares que
se têm realizado”, disse o ministro Ângelo da Veiga Tavares.
O
chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas também desmentiu em
Agosto, em Luanda, a ocorrência dos sucessivos ataques reivindicados pela
FLEC-FAC, com dezenas de mortos entre os soldados angolanos na província de
Cabinda.
Geraldo
Sachipengo Nunda disse então que a situação em Cabinda é de completa
tranquilidade, negando qualquer acção da FLEC-FAC, afirmando que aqueles
guerrilheiros “estão a sonhar”. Opinião diferente tem o secretário de Estado
angolano para os Direitos Humanos e presidente do Fórum Cabindês para o Diálogo
(Bento Bembe) que, no dia 1 de Fevereiro de 2017, admitiu a existência de
acções militares em Cabinda.
Os
cabindas continuam a reivindicar, e desde 1975 fazem-no com armas na mão, a
independência do seu território. No intervalo dos tiros, e antes disso de uma
forma pacífica, nomeadamente quando Portugal anunciou, em 1974, o direito à
independência dos territórios que ocupava, a população de Cabinda reafirma que
o seu caso nada tem a ver com Angola. E não tem.
Em
termos históricos, que Portugal teima em esquecer, Cabinda estava sob a
“protecção colonial”, à luz do Tratado de Simulambuco, pelo que o Direito
Público Internacional lhe reconhece o direito à independência e, nunca, como
aconteceu, à integração coerciva em Angola.
Relembre-se
aos que não sabem, aos que sabem mas não querem saber e aos que são pagas para
não saber, que Cabinda e Angola passaram para a esfera colonial portuguesa em
circunstâncias muito diferentes, para além de serem mais as características
(étnicas, sociais, culturais etc.) que afastam cabindas e angolanos do que as
que os unem.
Acresce
a separação física dos territórios e o facto de só em 1956, Portugal ter
optado, por economia de meios, pela junção administrativa dos dois territórios.
Com
perto de dez mil quilómetros quadrados, Cabinda é maior que S. Tomé e quase do
tamanho da Gâmbia. Possui recursos naturais que lhe garantam, se independente,
ser um dos países mais ricos do Continente. A nível agrícola, das pescas,
pecuária e florestas tem grandes potencialidades mas, de facto, a sua maior
riqueza está no subsolo: Petróleo, diamantes fosfatos e manganês.
Cabinda,
ao contrário do que se passou com Angola, foi “adquirida” por Portugal no fim
do Século XIX, em função de três tratados: o de Chinfuma, a 29 de Setembro de
1883, o de Chicamba, a 20 de Dezembro de 1884 e o de Simulambuco, a 1 de
Fevereiro de 1885, tendo este anulado e substituído os anteriores.
Recorde-se
que estes tratados foram assinados numa altura em que, nem sempre de forma ortodoxa,
as potências europeias tentavam consolidar as suas conquistas coloniais. A Acta
de Berlim, assinada em 26 de Fevereiro de 1885, consagrou e reconheceu a
validade do Tratado de Simulambuco.
No
caso de Angola, a ocupação portuguesa remonta a 1482, altura em que Diogo Cão
chega ao território. E, ao contrário do que se passou em Cabinda, a colonização
portuguesa em Angola sempre teve sérias dificuldades e constantes confrontos
com as populações, de que são exemplos marcantes, nos séculos XVII e XVIII, a
resistência dos Bantos e sobretudo da tribo N´ Gola.
É
ainda histórico o facto de a instalação dos portugueses em Angola ter sido
feita pela força, sem enquadramento jurídico participado pelos indígenas,
enquanto a de Cabinda se deu, de facto e de jure, com a celebração dos
referidos tratados, subscritos pelas autoridades vigentes na potência colonial
e no território a colonizar.
Segundo
a letra e o espírito do Tratado de Simulambuco, assinado por príncipes,
governadores e notáveis de Cabinda (e pacificamente aceite pelas populações), o
território ficou “sob a protecção da Bandeira Portuguesa”.
No
contexto histórico da época, o Tratado de Simulambuco reflecte tanto à luz do
Direito Internacional como do interno português, algo semelhante ao dos
protectorados franceses da Tunísia e de Marrocos.
Apesar
da anexação administrativa, Cabinda sempre foi entendida por Portugal como um
assunto e um território distintos de Angola. A própria Constituição Portuguesa,
de 1933, cita no nº 2 do Artigo 1 (Garantias Fundamentais), Cabinda de forma
específica e distinta de Angola.
Partindo
desta realidade constitucional, a ligação administrativa registada em 1956
nunca foi entendida como uma fusão com Angola. Nunca foi, não é nem poderá ser
por muito que isso custe tanto ao MPLA como à UNITA, embora mais ao primeiro do
que à segunda.
Nesta
altura, com a conivência de Portugal, o governo do MPLA diz que Cabinda é
Angola. É exactamente o mesmo que a Indonésia dizia em relação a Timor-Leste. É
exactamente o mesmo que Portugal dizia em relação a Angola. E viu-se no que deu!
Folha
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