Autárquicas
deram ao primeiro-ministro a sua primeira vitória eleitoral e deixaram o líder
da oposição à beira do pântano político. Dois anos depois das legislativas que
Passos ganhou e Costa perdeu, o PS cresce (muito para além da geringonça).
Cristas enterra Portas. E Passos prepara a saída. Marcelo, com os olhos em
2019, diz que “é um erro generalizar juízos”. Medo de uma maioria absoluta? Ou
de uma crise política?
Dois
anos depois de ter chegado ao poder com uma derrota eleitoral contra Passos
Coelho por digerir, António Costa encontrou nas autárquicas a primeira vitória
do resto da sua vida. Contrariando o que vem nos livros, estas eleições
intercalares não serviram para o eleitorado apresentar um cartão amarelo ao
Governo. Pelo contrário, serviram para reforçar o partido do Governo (o grande
vencedor da noite) e deixar o líder da oposição em estado de coma. Dois anos
depois, a desforra serve-se fria. E duplamente fria.
Costa
não só não recebeu nenhum cartão amarelo pela forma como governou o país, como
viu o Partido Socialista sair das eleições com mais votos, mais câmaras e mais
mandatos do que há quatro anos e (suplemento de alma!) crescer mais do que os
seus parceiros da geringonça. O BE pôs a cabeça de fora no mapa autárquico com
a eleição de vereadores mas continua modestamente sem presidentes de câmara e o
PCP, embora tenha conseguido um excelente resultado em Lisboa, perdeu nove câmaras
emblemáticas para o PS. Um rombo que obrigará os comunistas a refletirem uma
parceria com fim cada vez mais anunciado.
Para
os socialistas, esta supremacia à esquerda (com redobrado impacto pelas
vitórias alcançadas nos grandes centros urbanos) é tudo o que António Costa
quer para lutar pela desforra integral do que teve que fazer há dois anos, ou
seja, lutar por uma maioria que se baste a si própria nas legislativas de 2019
e que o liberte de dependências de terceiros.
Costa
pediu na campanha autárquica "Mais força para o PS". E o grito de
guerra resultou: excelentes resultados em Lisboa e no Porto e consolidação da
maioria de câmaras em todo o país, e tudo isto sem que PS, BE e PCP tenham
precisado de se comer uns aos outros na campanha eleitoral.
Os
comunistas irão analisar o futuro da geringonça à luz das significativas perdas
registadas e o Bloco irá analisar o seu crescente projeto de poder à luz dos
ganhos arrecadados. Mas comparados com o desastre no PSD - que perdeu votos e
câmaras face ao já mau resultado de há quatro anos -, os resultados à esquerda,
mesmo para os comunistas, não fazem, para já, tocar campainhas com estrondo (é
cedo para o PCP comprar a autoria de uma crise). No imediato, a derrocada é
para o maior partido da oposição.
Depois
de horas de silêncio e rumores sobre o que faria Passos Coelho - deitaria ou
não a toalha ao chão? - o próprio esclareceu o óbvio: está a preparar a saída.
Não o disse na hora porque se recusa a colar a desistência ao resultado de umas
eleições locais, mas vai entrar em processo "de reflexão". Passos
prepara-se para não se recandidatar à liderança do partido. Meio ciclo de
geringonça matou o vencedor de há dois anos.
Mas
há outro ganho para António Costa - a direita partiu-se e é impossível dizer-se
que nestas autárquicas a esquerda venceu e a direita perdeu. O CDS, ao
contrário do PSD, teve uma noite eleitoral vitoriosa. Passou de cinco para seis
câmaras - ganhou Oliveira do Bairro ao PSD - e conseguiu um resultadão em
Lisboa, ficando em segundo lugar, enquanto o PSD era chutado para quarto.
A
meio da legislatura, o PSD (que ganhou as últimas legislativas) vê-se com um
líder em queda a viver uma crise interna. O CDS cresce por si e Assunção
Cristas, que teve o triplo do resultado de Paulo Portas em Lisboa, emancipa-se
como líder. E António Costa, sem hostilizar os parceiros à esquerda de quem
depende para aprovar mais dois Orçamentos de Estado (fez, aliás, questão de
publicitar no dia de ir às urnas que a sua prioridade era trabalhar no OE), vai
continuar a pedalar para a maioria que se baste a si própria.
Marcelo
Rebelo de Sousa afirmou na reta final da campanha autárquica que "é um
erro generalizar juízos". E embora na altura quisesse, sobretudo, fazer um
apelo ao voto e mobilizar os eleitores eventualmente mais desgastados com
"alguns políticos", a frase que deixou ajusta-se como uma luva ao
combate que o Presidente tem feito a juízos antecipados sobre o desfecho do
atual ciclo político.
Foi
Marcelo quem primeiro falou de um novo ciclo pós-autárquicas. E é Marcelo - que
hoje começa a receber os partidos em Belém - quem mais quer avaliar as
condições da legislatura se cumprir. A derrota do PCP com a perda de alguns dos
seus velhos bastiões só pode complicar as negociações dos próximos Orçamentos.
A estabilidade política à esquerda vai dar mais trabalho.
Marcelo
quer que a legislatura se cumpra (todo o Presidente da República ganha em
ajudar a manter a estabilidade política) e até chegou a defender num discurso
público a estabilidade nas lideranças partidárias, quer no Governo, quer na
oposição. Agora, com a liderança da oposição em xeque, resta saber como
coabitará o Presidente com a crescente caminhada de Costa com vista a uma
maioria absoluta, sobretudo se esta não excluir a tentação de agarrar pretextos
à esquerda (via PCP) para antecipar as legislativas.
Ângela
Silva | Expresso | Quadro no topo em Expresso
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