quarta-feira, 8 de março de 2017

A PRIVATIZAÇÃO DO DINHEIRO, SILENCIOSA E RADICAL


Bancos, cartões de crédito e Estados querem substituir todo o dinheiro público por moeda digital, corporativa. Se isso ocorrer, haverá muito mais desigualdade, discriminação e vigilância

Brett Scott* – Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho e Antonio Martins

Recentemente me vi encarando uma máquina de venda num corredor tranquilo da Universidade de Tecnologia Delft, na Holanda. Estava ali para fazer uma exposição na conferência “Reiventar o Dinheiro”, mas, sofrendo de jetlag e exaustão, fui à procura de uma Coca-Cola. A máquina tinha uma pequena interface digital construída por uma empresa holandesa denominada Payter. Nela estava impressa um aviso: “Apenas pagamento sem contato”. Introduzi meu cartão bancário, mas, ao invés de receber uma Coca, recebi a mensagem: “Cartão inválido”. Nem todos os cartões são iguais, ainda que você consiga ter um – e nem todo mundo consegue.

No imaginário de um economista, num mercado livre ideal indivíduos racionais fazem contratos de troca monetária em benefício mútuo. Uma parte – denominada ‘comprador’ – passa células de dinheiro para outra parte – denominada ‘vendedor’ -, que por sua vez lhe entrega bens ou serviços reais. De modo que aqui estou eu, um indivíduo cansado procurando racionalmente por açúcar. O mercado está diante de mim, há bebidas gasosas empilhadas numa prateleira, numa máquina de venda que age em nome do vendedor de Coca-Cola. É um aparato mecânico obediente que se baseia num simples contrato comercial: se você dá dinheiro para meu proprietário, eu lhe dou uma Coca. Por que razão, então, esse diabo de máquina não realiza esse contrato comigo? Isso é um fracasso comercial.

ÀS ÚLTIMAS NOIVAS NUM MARÇO-MULHER


Martinho Júnior, Luanda 

(Na viagem-memória das minhas amadas ancestrais, de todas as avós do mundo e das avós que comigo repartem, ainda que numa desumanizada distância, a derradeira lágrima, a última côdea).

Na mais densa sombra dos santuários da ocasião, por dentro do miolo inchado pelos gases abrasadores dum pré-anunciado vulcão, o segredo é de há irrisórios séculos, segundo dizem, um segredo voraz, gaseificada alma de negócio…

Por isso, nas imensas periferias das cidades cosmopolitas, tisnadas de soltas poeiras acobreadas e atiçadas pela ardência filtrada ao sol, as últimas noivas sobem meio trémulas, meio sonâmbulas, como exauridos fantasmas em pleno dia, às auréolas dum altar feito vácuo!

Com seus severos rostos de pedra e olhos cadentes, já transparentes da plácida névoa poente, seus sonhos vivenciados jazem trespassados por estranhas lâminas transversais…

… e as últimas noivas, dos sonhos arrancados em partos inesperados que marcam os traços dos seus próprios caminhos, partos sofridos de outros tantos sonhos a sangue frio, sobem descalças, em suas vestes brancas, com suas grinaldas perseverantes e odor a terra e a frutos, meio perdidas no ocaso das bessanganas, secas e de estômagos inúteis por que sempre vazios, próximos do nada em que se vão acolher…

Sabem que são a carne mirrada como a morna e palpitante lava agónica, que vai alimentar a grande besta da ilusão derradeira, mas desafiam em sua ousadia, verticais, ao se deixarem pairar como trémulas borboletas próximas dos vendavais e do abismo…

Apesar de seus passos vacilantes e dos seus pés gretados abeirando-se de mansinho dos sulcos quase finitos, trazem nelas, dentro de si, ao invés dos sonhos decepados, o segredo alado dum obstinado tesouro que nada, nem alguém pode comprar: um sopro feito de poalha e hóstia sagrada que é com elas e nelas, como um resto de alimento na vida, como um cintilar, ao mesmo tempo vacilante e coado, de longínqua estrela…

…um último pulsar e um último sussurro engolido pela grande solitude dum universo ao obscurecer…

…ausculto com olhos húmidos de gratidão e saudade, minhas ancestrais, as minhas avós, imediatamente antes de, num silêncio terminal, tão ignota quão suavemente, enquanto evaporadas gotas de orvalho conformadas e conformes à decisão da idade… doce e timidamente a última das noivas desaparecer...

Martinho Júnior, SOLDADO DO MPLA

PASSOS, SEM VERGONHA E SEM ÊXITO. CADÁVER POLÍTICO RESSABIADO TENTA RESSUSCITAR


Com o dia quase a findar trazemos uma peça da Agência Lusa que faz parte do cardápio do Notícias ao Minuto. É aqui que se aborda o debate quinzenal do costume com a presença do governo na Assembleia da República. O hemiciclo hoje quase pegou fogo, dizem uns. A AR pareceu um campo de luta-livre, dizem outros. O Notícias ao Minuto chamou-lhe duelo. E que aconteceu entre Passos Coelho e António Costa. 

Não foi nada disso mas tão somente o triste espetáculo de um ex-primeiro-ministro mentiroso, comprovadamente vigarista, que está possuído de enorme ressabiamento por estar a ser provado que só por ideologia neoliberal de extremos é que os portugueses foram literalmente roubados em direitos, liberdades e garantias para entrega do espólio aos “senhores” do grande capital. Para a maioria foi tempo longo de austeridade enquanto os mais ricos tiveram a benesse de ficarem mais ricos graças ao então governo de Passos, Cavaco, Portas e outros não eleitos mas que eram e ainda são Donos Disto Tudo. Leia, se não assistiu nem ainda ouviu ou leu sobre a “desfaçatez” do ressabiado Passos, um cadáver que teima em ressuscitar para prosseguir a sua obsessão: tirar aos pobres para dar aos ricos. Levar a classe média para uma pobreza inaudita, como o fez anteriormente. Desprovido de vergonha e de enorme "desfaçatez" Passos apelou à honra. Que honra? Lembrar-se-á ele daquilo que durante quatro anos fez aos portugueses que o elegeram por uso e abuso de tantas mentiras, tantas comprovadas vigarices? CT / PG)

VIVAM AS MULHERES QUE TODOS OS DIAS FAZEM ACONTECER O SEU DIA


Desde já levamos ao vosso conhecimento que hoje só servimos meio Expresso Curto, não só devido ao adiantado da hora mas também porque a prosa de Cristina Peres é interessante no que diz respeito à mulher e ao seu dia. Pois, porque hoje é, ainda, Dia Mundial da Mulher. Sobre isso, quase sempre só sobre isso, foi o que respigámos deste curto que é expresso. 

Parabéns mulheres, agora só falta o Dia Mundial dos Homens e o Dia Mundial dos Convencidos que os Homens são uns Privilegiados – quando na realidade só alguns, entre a humanidade, o são. Sim. Contra o Dia das Mulheres? Não. Contra estas fantochadas, contra estas manipulações criadas por um sistema bacoco. Sigamos para bingo, digo, para a prosa da já citada jornalista. 

Parabéns mulheres que todos os dias fazem acontecer o vosso dia. Impondo-se, sabendo exigir que assim aconteça, lutando pelo direito que lhes assiste enquanto ser humano, coisa de que muitos homens não são capazes de fazer. Não são capazes ou não os deixam ser capazes, como a tantas mulheres. CT / PG

Portugal. O MILAGRE, SEGUNDO TEODORA


Miguel Guedes* - Jornal de Notícias, opinião

"Teodoro, não vás ao sonoro" poderia ser bullying criativo sobre Teodora Cardoso, não fosse masculino o género. As musculadas opiniões orçamentais da presidente do Conselho de Finanças Públicas (CFP), em volume crescente desde que em 2012 foi nomeada para presidir a um órgão que mais não faz senão legitimar tecnicamente as decisões políticas que entende como certas, trazem a luz que faltava para a transparência das coisas. Agora, ninguém duvida da sua agenda. Ao caracterizar como "milagre" a recuperação económica que permitiu alcançar a redução do défice de 2016 para 2,1%, Teodora Cardoso não foi só infeliz. Foi vítima da sua própria infelicidade. Deve ser muito difícil, insustentável até, ver como falhadas todas as suas previsões de catástrofe e reconhecer os sinais positivos que crescem na aridez do seu particular deserto económico. A sua agenda pariu um défice.

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