A Procuradoria-Geral da República
de Moçambique anunciou que vai pedir a responsabilização financeira dos
gestores envolvidos no caso das dívidas ocultas. Para Baltazer Fael, do CIP,
falta a responsabilização criminal.
Em comunicado, a
Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que "o Ministério Público
submeteu ao Tribunal Administrativo, a 26 de janeiro, uma denúncia com vista à
responsabilização financeira dos gestores públicos e das empresas participadas
pelo Estado, intervenientes na celebração e na gestão dos contratos de
financiamento, fornecimento e de prestação de serviços". No entanto, a PGR
não menciona os governantes que autorizaram as transações e muito menos refere
a responsabilização criminal dos envolvidos, no caso da dívida oculta avaliada
em 1,8 milhões de euros contraída entre 2013 e 2014, tarefa de sua alçada.
Baltazar Fael, investigador do
Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique, espera que o caso não
pare por aqui. Em entrevista à DW África, critica a PGR por ter proposto no seu
comunicado ter uma palavra a dizer quanto à emissão de garantias do Estado para
evitar novos escândalos com a dívida pública.
DW África: A PGR fala apenas na
responsabilização dos gestores das empresas, não menciona os governantes que
autorizaram as famosas dívidas e muito menos menciona a responsabilização
criminal. Não era de se esperar mais da PGR, num caso desta natureza?
Baltazar Fael (BF): Eu penso
que as coisas vão continuar a girar à volta da questão do segredo de justiça. O
processo criminal está em segredo de justiça. Para a questão administrativa,
neste caso, da responsabilização, não me parece que a questão do segredo de
justiça se imponha. A PGR, na minha óptica, fez aquilo que é o seu trabalho:
descobrir infracções de natureza financeira. Como não tem competência para
tratar essas matérias, submeteu-as ao órgão competente. A situação agora passa
para o Tribunal Administrativo, que pode dar informações sobre quem são essas
pessoas que, segundo a PGR, há indícios de que terão cometido crimes de
responsabilidade financeira. Houve uma troca de expediente entre duas
instituições.
DW África: A PGR também quer ter
uma palavra a dizer sobre a emissão das garantias do Estado. Este desejo seria
ajustado às suas competências?
BF: As questões que vêm no
comunicado – sobre as dívidas, que isto foi feito pela Assembleia da República
ou por aquele outro órgão – penso que não cabem na esfera da PGR. A
Procuradoria colocou-as lá apenas para encher o comunicado. Essas recomendações
foram produzidas pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia da
República, pela consultora Kroll, e devem ser submetidas aos órgãos
competentes: a Assembleia, para rever a legislação, e outras entidades. Isso
não cabe à PGR, porque a PGR não faz leis. Não deve intrometer-se nesta
matéria, deve limitar-se à sua função, que é o exercício da acção penal.
Explicar o que é que está a acontecer, em matéria criminal, com estas pessoas
envolvidas no processo das dívidas ocultas.
DW África: A PGR defende o apuramento
de algumas leis. Não se trata de um falso problema? Mesmo as leis vigentes são
constantemente violadas…
BF: Penso que este é um
problema que foi levantado exactamente por causa da questão das dívidas, em que
procuramos saber onde existem lacunas, ao nível da legislação, para permitir
que servidores públicos façam aquilo que fizeram. De facto, existe matéria
suficiente para tratar desse assunto.A nossa legislação é clara sobre como se
deve proceder. Não é um problema de falta de legislação. Há um claro
desrespeito dessa legislação. Temos que melhorar alguns pontos, isso é normal.
Qualquer lei usada durante um certo período de tempo vai perdendo a sua acção
concreta para um determinado ato, porque quem pratica esses atos também vai
aprimorando a sua forma de atuação. Mas não é claramente um caso de lacunas
existentes na legislação. Há um aproveitamento claro da PGR para ter maneira de
sustentar o seu comunicado. Isto não é um assunto da PGR.
DW África: O que é que o CIP
espera da PGR no que diz respeito às suas competências?
BF: Esperamos que a PGR não
pare por aqui. Num dos primeiros comunicados da PGR, o procurador disse
claramente que há indícios de infrações de natureza financeira, mas que também
levantou situações criminais. Esperamos que a PGR não esteja a tentar fazer-nos
dormir e continue com as ações com vista à responsabilização criminal dos
envolvidos neste processo. Estamos a acompanhar e não nos vamos cansar de
consciencializar a sociedade sobre a necessidade de esclarecer este caso. Que este
caso não pare na responsabilidade financeira e que se procure apurar a
responsabilidade criminal.
DW África: Acha que a PGR quer
atirar areia para os olhos da sociedade moçambicana?
BF: Já nos foi habituando a
isso. Há uns tempos, veio com um comunicado sobre a detenção dos envolvidos no
caso da Embraer, um pouco para sacudir a poeira e reposicionar-se. Estes casos
de corrupção com contornos internacionais têm de ser resolvidos, mas a
sociedade quer saber, porque isto afecta directamente a vida da população. O
custo de vida sobe, porque o país deixa de receber o apoio internacional em
termos de fundos. Os doadores acham que este assunto tem de ser esclarecido.
Quando temos dores de barriga por causa da fome, não conseguimos dormir.
Portanto, o povo não vai dormir, quer saber quem são os envolvidos. Nós,
enquanto sociedade civil, vamos continuar a fazer o nosso trabalho e a PGR,
como órgão que exerce acção penal, tem de nos dizer, de facto, o que é que
aconteceu neste processo.
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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