sábado, 31 de março de 2018

AMÉRICA LATINA | As faces do novo autoritarismo


Militares voltaram às ruas no Brasil, México e Argentina. Agora, não combatem o “comunismo”, mas o “crime” e o “terror”. E não têm projeto algum: obedecem a uma elite corrupta e aos planos dos EUA

Isabella Gonçalves* | Outras Palavras

As democracias latino-americanas vêm passado por um processo de profunda (des)configuração após mais de uma década de experimentalismo democrático, que teve seu ápice na Venezuela e na Bolívia, onde as experiências de poder popular e reinvenção do Estado construíram transformações experimentais na organização do poder político e transformações substantivas na condição de vida das pessoas.

Golpes parlamentares, reviravoltas eleitorais à direita, legislações de exceção, intervenções militares e agora uma ameaça concreta de invasão militar na Venezuela lançam sobre o continente a sombra do militarismo e do autoritarismo.

No Brasil, o governo ilegítimo de Temer decidiu romper o pacto federativo e mudar o comando da segurança pública de todo o Estado do Rio de Janeiro, colocando-o nas mãos das Forças Armadas. Desta forma, imprime no país uma condição de estado de exceção, ajuda a conter os levantes de um Estado à beira do colapso e legitima a matança irresponsável e impune dos condenados de sempre: pretos, pobres e favelados.[1]

Na Argentina, vimos nas últimas semanas o governo Macri anunciar a criação de um aparato militar composto pelo exército, marinha e aeronáutica para atuar em todo o país no combate ao “narcotráfico e o terrorismo” e a suposta ameaça do povo indígena Mapuche. A criação dessa força militar se dá em um momento de crescimento da impopularidade das medidas aplicadas ao país, como a Reforma da Previdência.

No México, o governo assassino de Enrique Peña Nieto, marcado pelo massacre de Ayotzinapa que tirou a vida de 43 estudantes, e pela violação de mais de 26 mulheres em São Salvador Atenco pelas forças policiais, promulgou uma nova Lei de Segurança Nacional. A lei regulamenta a mobilização militar contra o “crime organizado”; porém, longe de combater os cartéis do narcotráfico, aliados de seu partido — o PRI –. serve primordialmente para garantir a “paz social” e a coerção necessária para um regime de neoliberalismo extremo.

A Venezuela é um caso a parte. Diante da solidez das forças de Estado e da força popular, que foi capaz de resistir a mais de uma década de tentativas de golpe de estado e desestabilização do governo Chaves e Maduro — tentativas até agora fracassadas –, existe uma movimentação para a ocupação militar do país promovida pelos Estados Unidos e seus aliados. Panamá e a Colômbia já concentram tropas próprias e tropas gringas nas fronteiras. A intervenção norte-americana aparece de forma mais desmascarada na Venezuela, manifestada nas próprias palavras de Rex Tillerson, secretário de Estado dos EUA e historicamente ligado às petroleiras Exxon-Mobil: “El régimen de Maduro debe rendir cuentas”. Tillerson explicitamente disse que a mudança de governo poderia ser de duas formas: intervenção militar ou a derrota eleitoral de Maduro. Diante da recusa da oposição venezuelana em participar das eleições gerais em abril deste ano, parece que a está se confirmando a tentativa de executar a primeira opção.[2]

Seria exagero dizer que podemos estar diante da instauração progressiva de uma novo ciclo de ditaduras disfarçadas de democracia no continente? Um novo autoritarismo latino americano onde os mecanismos de exceção e poder militar servem para garantir um Estado que lança mão da exceção permanente quando as regras democráticas não agradam a quem de fato governa?

A cara de uma nova ditadura não é necessariamente a dos Estados militares que dominaram a América Latina durante a Guerra Fria, onde o “inimigo interno” era fundamentalmente a ameaça comunista. A doutrina da segurança nacional, largamente difundida desde a Escola das Américas no Panamá entre os anos 60 a 80, parece ser retomada e intensificada sobre novos contornos. Vale destacar que na América Latina a orientação militar de se organizar as forças armadas para combater os “inimigos internos” nunca foi desmontada e a doutrina da segurança nacional continuou a ser difundida e praticada pelos militares, em especial no Brasil  onde ocorreu transição fria e pactuada. No entanto, o “inimigo interno” que justifica a militarização da sociedade se transmutou.

O jurista argentino Raúl Zaffaroni defende que existe uma reprodução inovada no continente da Doutrina da Segurança Nacional sob a força de Doutrina da Segurança Urbana, por trás do combate ao crime organizado, terrorismo ou da chamada “guerra às drogas”.[3] Esta doutrina recria o inimigo interno sobre o significante aberto “crime organizado”, que pode enquadrar desde a “esquerda corrupta e antidemocrática”, o “narcotráfico” ou os “movimentos sociais terroristas”.

Zaffaroni destaca que a construção do inimigo interno tem seu correspondente no direito penal, que sofreu um processo de configuração e homogeneização em todo continente nos últimos anos. Externamente os Estados se organizam de forma ostensiva para combater o “crime organizado” ou o “terrorismo”. Internamente, para encarcerar ou eliminar as classes perigosas, seja por efeitos de letalidade policial seja por endocídio.[4]

Segundo ele, os conceitos de terrorismo e crime organizado são tão fluidos e abertos que possibilitam o enquadramento da mais variedade gama de crimes, em geral crimes econômicos. Não combatendo aquelas formas de crime legalizados ou as grandes empresas do crime organizado que promovem transferências maciças de recursos na globalização — os paraísos fiscais por exemplo — acabam eliminando a concorrência de empresas criminais menores ou que perderam seu poder.

Vale destacar que o novo autoritarismo latino-americano surge em um contexto específico da reconfiguração do capitalismo na região. Por um lado, o aprofundamento da dependência econômica e a extrema concentração de renda: com o desmonte e privatização das estatais, as transferência de recursos via dívida externa, a deterioração das condições de trabalho e aprofundamento da superexploração. Por outro, a subordinação política ao capital transnacional e a perda de soberania dos Estados.

A perda da soberania, longe de significar o enfraquecimento dos Estados ou do poder políticok revela-se justamente o contrário. As debilidades econômicas, a característica subordinada das classes dominantes locais e as crises sociais advindas do regime de superexploração são compensadas pelas dimensões autoritárias do Estado e do governo, mesmo que sob feições democráticas.[5] O neoliberalismo longe de produzir um Estado Mínimo, cria nas periferias um regime jurídico-político marcado pelo estado de exceção permanente.[6]

O exemplo México pode nos dizer muito sobre a configuração de um novo autoritarismo latino-americano.[7] Sujeito a décadas ininterruptas de governos neoliberais, desmonte dos direitos democráticos via acordos bilaterais com os EUA, democracia minimalista circunscrita a uma breve alternância entre representantes de um ou dois partidos com a mesma política, o país organizou um poder político violento, paramilitar e contra insurgente.

O Brasil hoje também se configura como exemplo de que não há como manter o bloco golpista no poder, colocando em prática um plano de governo com esse nível de impopularidade, apenas com base no estabelecimento de consensos. É necessária a violência e a coerção. É preciso aprofundar a permanência da exceção nas nossas “democracias”. Como denunciou no Carnaval de 2018 a escola Paraíso do Tuiuti, é preciso calar a favela para perpetuar a escravidão.
______________________

[1]Escrevi um breve ensaio sobre a intervenção para o Brasil em 5 em que relaciono a adoção de medidas de exceção progressivas pelo país com a emergência de um novo autoritarismo: https://brasilem5.org/2018/02/20/c-de-intervencao/
[2]Veja matéria sobre as declarações de Rex Tillerson em: https://es.panampost.com/orlando-avendano/2018/02/01/discurso-secretario-tillerson-sobre-venezuela-regimen-maduro-debe-rendir-cuentas/. Também podemos ver o artigo de Carlos Fazio: http://www.jornada.unam.mx/2018/02/12/opinion/021a1pol Ambos acessados em 23 de fevereiro de 2018.
[3]Zaffaroni, E. Raúl. Globalización y Crimen Organizado. I Conferência mundial de derecho penal. El derecho penal del siglo XXI. Guadalajara, 18-23 Noviembre 2007.
[4]La violencia entre personas de los mismos sectores subalternos, al tiempo que por eliminación disminuye su número39, impide el diálogo, la toma de conciencia y la coalición y, por ende, hace que se autoexcluyan de todo protagonismo político. La neutralización y autodestrucción física y cultural de los excluidos como consecuencia de la política del segurismo interno puede denominarse endocidio.
[5]Para saber mais ler Jaime Osório, 2014, O Estado no Centro da Mundialização.
[6]Valim, Rafael. Estado de exceção: a forma jurídica do neoliberalismo. Jornal GNN. Disponível em: https://jornalggn.com.br/noticia/estado-de-excecao-a-forma-juridica-do-neoliberalismo-por-rafael-valim Acessado em 18 fevereiro de 2018.
[7]Jaime Osório, 2014 no livro O Estado no Centro da Mundialização faz a defesa de que México se converteu em um Estado que abriu mão da sua legitimidade, através de sucessivas fraudes eleitorais, para instaurar mecanismos profundos de militarização da vida.

*Isabella Gonçalves - Doutoranda em Pós Colonialismos e Cidadania Global pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Portugal) e em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais; Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Timor-Leste/Eleições: Duas candidaturas partidárias rejeitadas pelo Tribunal de Recurso


As candidaturas de duas forças políticas timorenses, KOTA e ASDT, às eleições legislativas antecipadas de 12 de maio foram rejeitadas pelo Tribunal de Recurso por não cumprirem os requisitos legais, informaram as autoridades eleitorais.

As candidaturas do Klibur Oan As'wain Timorense (KOTA) e da Associação Social Democrata Timorense (ASDT) foram rejeitadas porque, como prevê a lei, nenhuma das forças se apresentou a qualquer ato eleitoral durante os últimos cinco anos.

A decisão implica que o boletim de voto para as eleições antecipadas terá um total de oito candidaturas, quatro de coligações e outras quatro de partidos políticos.

Candidatam-se às eleições as coligações Movimento de Desenvolvimento Nacional (MDN), Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), o Movimento Social Democrata (MSD) e a Frente de Desenvolvimento Democrático (FDD), que se apresentaram nessa ordem no Tribunal de Recurso.

O boletim de voto, cuja ordem das candidaturas vai ser sorteada no início de abril, terá ainda o Partido Republicano (PR), o Partido Esperança da Pátria (PEP), a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin) e o Partido Democrático (PD).

O bloco antecipadamente mais forte é a Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), que reúne as três maiores forças da oposição, o Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), o Partido Libertação Popular (PLP) e o Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO).

O MDN, por seu lado, agrupa a Associação Popular Monarquia Timorense (APMT), o Partido Liberta Povo Aileba (PLPA), o Partido Movimento Libertação Povo Maubere (MLPM) e a Unidade Nacional Democrática da Resistência Timorense (Undertim).

Já o MSD é composto pelo Partido Social Democrata (PSD), Partido Socialista de Timor (PST), Partido Centro Ação Social Democrata Timorense (CASDT) e Partido Democrata Cristão (PDC).

Finalmente, a FDD integra o Partido de Unidade e Desenvolvimento Democrático (PUDD), a União Democrática Timorense (UDT), a Frente Mudança (FM) e o Partido Desenvolvimento Nacional (PDN).

A campanha eleitoral decorre entre 10 de abril e 09 de maio, sendo que as principais forças políticas já estão a realizar ações de "consolidação" no terreno há várias semanas.

Lusa | em SAPO TL

Manuel de Araújo lamenta "recuo" na democracia moçambicana


O autarca de Quelimane, no centro de Moçambique, condena o rapto e agressão ao jornalista Ericino de Salema, esta semana. Manuel de Araújo, do MDM, pede justificações ao partido no poder, a FRELIMO.

Manuel de Araújo, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), condena de forma veemente o sequestro e o espancamento, na terça-feira (27.03), do jornalista moçambicano Ericino de Salema.

É um ato "macabro", que mostra "a tendência de recuo na democracia moçambicana", diz Araújo em entrevista à DW África. "Parece que damos dois passos à frente e, depois, um passo atrás, porque este não é um caso isolado."

O autarca da cidade de Quelimane, na província da Zambézia, lembra o rapto do comentador político e académico José Jaime Macuane, em maio de 2016, e o assassinato de Mahamudo Amurane, edil da terceira maior cidade de Moçambique, Nampula, em outubro de 2017. E aponta o dedo ao partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).

"O profissionalismo com que estes atos são realizados e a impunidade são duas marcas que mostram quem é o mandante - portanto, que vem do seio do partido FRELIMO, sem margem para dúvidas, porque, caso contrário, as instituições de Justiça teriam agido de uma forma mais profissional e mais célere", comenta Manuel de Araújo.

O edil de Quelimane acrescenta que estes atos constituem uma forma de ameaçar e de silenciar o pensamento independente, nomeadamente a liberdade de opinião, de expressão e de manifestação.

Eleições e desmilitarização

A propósito das últimas eleições intercalares em Nampula, o autarca considera que foram "livres e justas", apesar de ter havido alguns constrangimentos, nomeadamente tentativas de fraude pela FRELIMO, "prontamente desmanteladas".

"Há evidências de que a FRELIMO tem recorrido sistematicamente a métodos fraudulentos para se poder manter no poder, quer nas autárquicas, quer nas legislativas, quer nas presidenciais. Acho que essa é uma prática que deve ser condenada não só pelos moçambicanos, mas por todos os amigos de Moçambique, todos aqueles amantes da democracia no mundo inteiro."

Apesar de os partidos com assento parlamentar já terem chegado a um entendimento a propósito do novo modelo de eleição para governadores provinciais, em 2019, e autarcas, este ano, Manuel de Araújo critica a lentidão nas negociações de paz entre a FRELIMO e a maior força da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) - para o edil, o elemento fundamental nas conversações é a desmilitarização.

"Deu-se um passo [positivo], é verdade. Mas ainda há muito por fazer. Primeiro, é preciso consolidar; segundo, o fenómeno dos esquadrões da morte, que tem o apadrinhamento do partido FRELIMO e do Governo, é algo que deve ser discutido, debatido e eliminado. E os responsáveis devem ser trazidos à barra da Justiça."

Dívidas e transparência

Outra inquietação de Manuel de Araújo prende-se com as dificuldades nas negociações para a reestruturação da dívida pública moçambicana.

O autarca dá razão aos credores, que não aceitaram as condições propostas pelo Governo moçambicano, porque entende que "tem de haver transparência".

O edil considera que o Governo moçambicano não está a ser sério nestas negociações, fazendo propostas inaceitáveis nos termos em que foram apresentadas em Londres. Entretanto, avisa: "Aqueles que do lado moçambicano assim o fizeram, violando a Constituição da República de forma deliberada - não levando ao Parlamento o pacote que ultrapassava os limites dos empréstimos - devem ser responsabilizados por isso. Por outro lado, aqueles que facilitaram esses empréstimos também não podem ficar impunes."

Manuel de Araújo falou à DW África pouco antes de receber, esta quarta-feira (28.03), na Sociedade de Geografia de Lisboa, o Prémio MIL - Personalidade Lusófona, atribuído pelo Movimento Internacional Lusófono. Manuel de Araújo dedicou o galardão aos munícipes da cidade de Quelimane "pelo trabalho abnegado que têm desenvolvido para a melhoria das suas próprias condições de vida".

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

UNITA diz que Angola vive 'segunda libertação'


Maior partido da oposição angolana diz que criminalização de figuras importantes no país representa avanço significativo. UNITA avalia que luta contra corrupção tornou-se política oficial do Presidente João Lourenço.

A União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o maior partido da oposição angolana, diz que o país vive uma "segunda libertação". O motivo para tal afirmação é a "luta contra a corrupção" que está a ser uma "política oficial" do Presidente angolano, João Lourenço, declarou em partido em nota enviada esta sexta-feira à agência de notícia Lusa.

"A UNITA regozija-se pelo fato de verificar que a sua luta contra a corrupção tornou-se agora política oficial do titular do poder executivo. A UNITA constata que a sua mensagem sobre a corrupção, segundo a qual o Estado angolano funda-se na corrupção, alimenta-se da corrupção e sobrevive na corrupção, lançou finalmente as sementes para a segunda libertação do país", lê-se na mesma declaração.

A declaração política foi enviada à Lusa na sequência da reunião extraordinária do Comité Permanente da Comissão Política, realizada na quinta-feira, em Luanda.

O partido liderado por Isaías Samakuva, refere acompanhar "com bastante interesse as mediáticas denúncias que nos últimos dias têm dominado a opinião pública, desta vez saídas de dentro das estruturas do próprio partido-Estado", sobre alegados crimes de peculato, quadrilha, corrupção, organização criminosa e branqueamento de capitais imputados a servidores públicos "a todos os níveis".

"A dimensão moral e material desta endemia que se instalou na génese do partido-Estado e arruinou a estrutura da economia nacional está finalmente a ser compreendida pela grande maioria dos cidadãos. A UNITA espera que os angolanos compreendam que a única solução para a endemia da corrupção é a mudança. E mudança significa alternância de poder", sublinha ainda a mensagem.

Processos da PGR

Esta semana, a Procuradoria-Geral da República de Angola (PGR) confirmou oficialmente que figuras como José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos, e Valter Filipe, ex-governador do Banco Nacional de Angola, foram constituídos arguidos numa investigação à transferência ilegal de 500 milhões de dólares para o exterior.

Num outro processo, a PGR confirmou que o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general do Exército Sachipendo Nunda, e o porta-voz nacional do MPLA, Norberto Garcia, foram constituídos arguidos numa investigação à alegada tentativa de burla ao Estado angolano, no valor de 50 mil milhões dólares.

"A UNITA encoraja todos os cidadãos honestos a manterem uma atitude de coragem, denunciando todos os atos criminosos que delapidaram a nossa economia, agravaram a situação de penúria da maioria dos angolanos e ofenderam os nossos valores civilizacionais", aponta o partido. 

O maior partido da oposição em Angola ainda sublinhou que os órgãos competentes do Estado devem assegurar "a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, incluindo os princípios do acusatório e do contraditório, primando sempre pelo rigor processual no escrupuloso respeito pelo princípio da supremacia da Constituição e legalidade".

O maior partido da oposição angolana, que nas últimas eleições gerais, em agosto, viu a sua representação parlamentar quase duplicar, reitera ainda a exigência "de uma sindicância, inquérito, inspeção ou auditoria à dívida pública" de Angola, que se aproxima dos 70% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. 

Agência Lusa | em Deutsche Welle

Angola | UM LAPSO DE PÁGINA INTEMPORAL


Canción última
Pintada, no vacía:
pintada está mi casa
del color de las grandes
pasiones y desgracias.

Regresará del llanto
adonde fue llevada
con su desierta mesa
con su ruinosa cama.

Florecerán los besos
sobre las almohadas.
Y en torno de los cuerpos
elevará la sábana
su intensa enredadera
nocturna, perfumada.

El odio se amortigua
detrás de la ventana.

Será la garra suave.
Dejadme la esperanza.

Miguel Hernandez, poeta e combatente progressista na Guerra de Espanha, ingloriamente falecido a 28 de Março de 1942, há 76 anos e sempre actual.

Martinho Júnior | Luanda 

…Houve um processo de luta contra o colonialismo e o "apartheid" que só terminou no início da década de 90 do século passado e nesse sentido, desvirtuar os instrumentos do poder de estado em Angola, que estavam implicados arduamente nessa luta, a quem veio beneficiar?...

É evidente que nesse sentido a destruição da Segurança de Estado, foi a plataforma para o surgimento e o crescimento da"somalização" protagonizada por Savimbi entre 1992 e 2002!...

É que os oficiais condenados no processo 76/86, por um fantasmagórico "golpe de estado sem efusão de sangue" e sem que alguma vez fosse apontado um chefe para tão infausto acontecimento, foram os que mais combateram em Angola o tráfico de diamantes e, com o seu nocivo afastamento, quem lucrou, quem tem vindo a lucrar e como têm lucrado?...

Os diamantes acabaram por ser um “cavalo de Tróia” que contaminou os que se prendiam, entre 1992 e 2002, à barricada do petróleo, até chegarem à conclusão em 2017 de que, só com a diversificação se poderia levar por diante a construção em paz da pátria de Agostinho Neto!

Por conseguinte descrevo com toda a responsabilidade a saga dos impactos do capitalismo neoliberal em Angola, tanto no que diz respeito ao choque, como em relação ao quadro de terapias!...

Obrigação ética, moral e histórica dum "camelo" que "só" perfaz 32 anos de travessia de deserto e vai beber à história todo o caudal disponível para entender as plataformas do presente, as plataformas contemporâneas, de forma a melhor propor uma geoestratégia de desenvolvimento sustentável a fim de assumir e garantir o futuro!...

É necessário sermos responsáveis perante a história e assumir com dignidade a liberdade que almejamos para todos nós no âmbito duma lógica com sentido de vida que alimente a paz, a independência, a soberania, o aprofundamento da democracia e a luta longa contra o subdesenvolvimento em benefício dos povos de todo o mundo!...

Martinho Júnior - Luanda, 30 de Março de 2018.

Foto: quedas de Tázua, no rio Cuango, um dos mais ricos fluxos produtivos de diamantes aluviais de Angola; entre 1992 e 2002 fez parte do “eixo” da “somalização” e hoje é uma das bacias mais críticas no contexto angolano e regional.

ANGOLA | É hora de repensar gestos e atitudes


Jornal de Angola | opinião

A população angolana,  maioritariamente cristã, vive, durante estes dias, os valores da fé, meditação, recolhimento e do exercício do perdão, numa altura em que se celebra a Semana Santa.

Daqui a algumas horas termina esta fase durante a qual  os cristãos lembram o sacrifício de Jesus que simboliza para eles o esperado resgate da condição perdida no Éden. A celebração da morte e ressurreição de Jesus Cristo, provavelmente o maior evento cristão, constitui um acontecimento único na lembrança do papel que a fé e todos os valores que lhe estão associados representam para os cristão em todo o mundo.  Em Angola, um país tradicionalmente cristão, as coisas não se passam de maneira diferente e, passada  a quaresma, a Páscoa é das celebrações cristãs mais esperadas pelos seguidores de Jesus Cristo.

Em todo o caso, vale a pena valorizar os efeitos socialmente úteis desta festa cristã, traduzidas no reconhecimento de que os seres humanos devem continuar a melhorar a sua condição na terra.  Como disse D. José Manuel Imbamba “a espiritualidade da Sexta-Feira Santa tem muito a ver com a capacidade que hoje temos de nos imolarmos pelas causas nobres e assim podermos salvaguardar o mandamento como a forma que renova, transforma, motiva e cria o ambiente de bem estar entre todos”.

Na verdade, precisamos todos de repensar numerosas atitudes, gestos e comportamentos na família, na comunidade, nas instituições, que nem sempre reflectem a condição maioritariamente cristã da população angolana.  

É preciso que a condição de cristão, dos esforços de renovação e transformação contínuas, entre outras iniciativas intrinsecamente ligadas à vida cristã, tenham também reflexos na via pública, com o  cumprimento das regras de trânsito, com o respeito pelos peões, com atitudes nobres e de cidadania. 

Precisamos de fazer das lições do amor, fraternidade, reconciliação, abraço ao inimigo, entre outros, um verdadeiro modo de vida para que, assim, ajudemos inclusive aqueles que persistem em remar contra a maré, contrariando aqueles pressupostos. Se uma grande maioria perseverar a realizar boas obras, não há dúvidas de que a minoria acaba por seguir também. Numa altura como esta, esperamos que os cristãos consigam reforçar a sua fé, sejam capazes e dignos da vida que escolheram tendo Jesus Cristo como modelo e sirvam como espelho inclusive para aqueles que não seguem a fé cristã.

Foto: Igreja católica em Malanje

LIÇENÇA PARA MATAR | Israel assassina mais 17 palestinianos e fere 1400. ONU não condena


Foi mais uma das imensas ações israelitas de puro massacre a manifestantes na Faixa de Gaza, junto ao muro da vergonha que os israelitas construíram. A Palestina, ocupada por Israel, é objeto de ataques massivos que nem a ONU condenada, nem o chamado mundo ocidental civilizado e democrático está para isso. Se Israel quer assassinar não tem rebuço em fazê-lo e as consequências dos crimes daquele estado ficam sistematicamente impunes. 

Neste último crime, ontem, mais 17 palestinianos foram massacrados, assassinados pelos militares ocupacionistas e criminosos que obedecem a governos de Israel que já merecem há imenso tempo sentarem-se no banco dos réus do Tribunal Penal Internacional.

Os israelitas alegam que a manifestação não foi pacifica por parte dos palestinianos, que disparam contra os seus militares e que lançaram pedras (não houve baixas israelitas). Alguma vez Israel podia dizer o contrário – que a manifestação foi pacífica – para justificar a sua sanha assassina?

Do Notícias ao Minuto transcrevemos texto sobre aqueles acontecimentos, no rescaldo de mais um massacre israelita que, como muitos outros, gozará da impunidade e licença para continuar a matar. (MM | PG)


Famílias choram palestinianos mortos no primeiro de muitos dias de luta

As imagens que chegam da Faixa de Gaza impressionam pela violência e comoção. Até ao momento, pelo menos 17 pessoas, entre os 17 e o 35 anos, morreram e mais de 1.400 ficaram feridas. Protestos poderão durar várias semanas.

Os habitantes da Faixa de Gaza choram a morte dos palestinianos mortos na passada sexta-feira pelo exército israelita. O último balanço dos confrontos entre manifestantes e autoridades israelitas dá conta de 17 mortos e mais de 1.400 feridos, muitos em estado grave, pelo que o número de mortos poderá subir. Para além disso, as manifestações deverão continuar e os palestinianos estão de luto.

No rescaldo da violência, este sábado está a ser marcado pelos funerais das vítimas e por novos protestos. Enquanto isso acontece, os hospitais de Gaza – completamente cercada pelas forças israelitas e a atravessar uma enorme crise humanitária – estão a ficar completamente cheios, sem meios para tratar os mais de mil feridos.

Os palestinianos culpam Israel pela opressão ao seu povo, assim como a chamada comunidade internacional, nomeadamente a ONU, que tem fechado os olhos à atuação das autoridades israelitas. Israel, pela sua vez, acusa o movimento fundamentalista islâmico Hamas, que governa a Faixa de Gaza, de estar a mentir, sendo que o seu objetivo é usar os protestos como forma de gerar violência contra o Estado hebraico. 


A violência começou na sexta-feira quando milhares de palestinianos rumaram à fronteira com Israel para iniciar um protesto para assinalar o Dia da Terra.

Há 42 anos, seis palestinianos foram mortos pelas forças israelitas, uma data simbólica que levou os palestinianos a saírem à rua durante 48 dias, até 15 de maio, data em que se assinala a Naqba (que significa tragédia), quando cerca de 750 mil palestinianos foram expulsos das suas casas durante a guerra que levou à fundação do Estado de Israel. Os israelitas, por seu turno, assinalam esta data como a da sua independência, e a coincidir com esta efeméride, este ano, está prevista a abertura da embaixada norte-americana em Jerusalém.

Por estes motivos, os palestinianos decidiram iniciar os protestos que se preveem longos e intensos. Depois de um agricultor palestiniano ter sido assassinado pelos militares israelitas, a violência escalou rapidamente e os confrontos causaram, pelo menos, 17 mortos, a maioria entre os 17 e os 35 anos, segundo o porta-voz do governo palestiniano ao The Guardian.

Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu-se de emergência e António Guterres, secretário-geral da ONU apelou a uma solução para a crescente violência da região.

Pedro Bastos Reis | Notícias ao Minuto

A POLÍTICA ESTRANGEIRA DE THERESA MAY


Thierry Meyssan*

Thierry Meyssan prossegue o seu estudo das políticas estrangeiras nacionais. Após ter analisado a da França, agora ele debruça-se sobre a do Reino Unido. Se a primeira é considerada como o «domínio reservado» do Presidente da República e, a este título, escapa ao debate democrático, a segunda mais ainda uma vez que é elaborada por uma elite rodeando a monarca, à revelia de qualquer forma de contrôlo popular. O Primeiro-ministro eleito deve apenas aplicar as escolhas da Coroa hereditária. Face ao falhanço do projecto norte-americano de mundo unipolar, Londres tenta restaurar o seu antigo poder imperial.

Este artigo dá sequência a : “A política estrangeira do Presidente Macron”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 13 de Março de 2018.

Global Britain – o Reino Unido Mundial

A 13 de Novembro último, Theresa May aproveitava o discurso anual do Primeiro-ministro na Câmara Municipal (Prefeitura-br) de Londres para dar um vislumbre sobre a nova estratégia britânica, após o Brexit [1]. O Reino Unido pretende restabelecer o seu Império (Global Britain) promovendo, para isso, o livre comércio mundial com a ajuda da China [2] e para tal afastando a Rússia das instâncias internacionais com a ajuda dos seus aliados militares : os Estados Unidos, a França, a Alemanha, a Jordânia e Arábia Saudita.

Retrospectivamente, todos os elementos do que hoje vemos foram abordados nesse discurso, mesmo que não o tivéssemos compreendido de imediato.

Voltemos atrás por um instante. Em 2007, o Presidente russo, Vladimir Putin, intervinha na Conferência de Segurança de Munique. Ele observava que o projecto de mundo unipolar subscrito pela OTAN era por essência anti-democrático e apelava aos Estados europeus para se dessolidarizarem dessa fantasia norte-americana [3]. Sem responder a esta observação de fundo sobre a ausência de democracia nas relações internacionais, a OTAN denunciou então a vontade da Rússia de enfraquecer a coesão da Aliança afim de melhor a ameaçar. _ No entanto, um perito britânico, Chris Donnelly, afinou depois essa retórica. Para enfraquecer o Ocidente, a Rússia estaria a tentar deslegitimar o seu sistema económico e social sobre o qual se funda o seu poderio militar. Este seria o móbil oculto das críticas russas, nomeadamente através dos seus média (mídia-br). Salientemos que Donnelly não responde mais do que a OTAN à observação de fundo de Vladimir Putin, mas, afinal porque é que se iria debater a democracia com um indivíduo que se suspeita a priori de autoritarismo?

Eu penso que, ao mesmo tempo, tanto Donnelly está certo na sua análise como a Rússia no seu objectivo. Com efeito, o Reino Unido e a Rússia são duas culturas diametralmente opostas. 

A primeira é uma sociedade de classes com três níveis de nacionalidade fixados pela lei e figurando nos documentos de identidade de cada um, enquanto a segunda —tal como a França— é uma Nação criada pela lei, onde todos os cidadãos são «iguais em direitos» e onde a distinção britânica entre direitos civis e direitos políticos é impensável [4]. _ O propósito da organização social no Reino Unido é o da acumulação de bens, enquanto na Rússia é a de construir a personalidade individual. Assim, no Reino Unido, a propriedade da terra está massivamente concentrada em poucas mãos, ao contrário da Rússia e sobretudo da França. É quase impossível comprar um apartamento em Londres. No máximo, pode-se —como no Dubai— fazer um aluguer de 99 anos. Desde há séculos, a cidade, na sua quase totalidade, pertence apenas a quatro pessoas. Quando um Britânico morre, ele decide livremente para quem irá a sua herança, e não necessariamente para os seus filhos. Pelo contrário, quando um Russo morre, a História recomeça do zero: os seus bens são repartidos igualmente entre todos os seus filhos, qualquer que seja a vontade do falecido. 

Sim, a Rússia tenta deslegitimar o modelo anglo-saxão, o que é tanto mais fácil quanto é uma excepção que horroriza o resto do mundo quando este o compreende.
Voltemos à política de Theresa May. Dois meses após a sua intervenção no banquete do Lord Mayor, o Chefe de Estado-Maior de Sua Majestade, o General Sir Nick Carter, pronunciava, a 22 de janeiro de 2018, um discurso muito importante, inteiramente consagrado à guerra vindoura contra a Rússia, onde ele se baseava na teoria de Donnelly [5]. Tirando lições da experiência síria, ele descrevia um inimigo dotado de um novo arsenal, extremamente poderoso (isto dois meses antes do Presidente Putin revelar o seu novo arsenal nuclear [6]). 

Ele afirmava a necessidade de dispôr de tropas terrestres mais numerosas, de desenvolver o arsenal britânico e de se preparar para uma guerra onde a imagem passada pelos média seria mais importante do que as vitórias no terreno.

No dia seguinte a essa conferência-choque no Royal United Services Institute (o “think-tank” da Defesa), o Conselho de Segurança Nacional anunciou a criação de uma unidade militar para a luta contra a «propaganda russa» [7].

Onde se está no projecto britânico?

Muito embora a Comissão de Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br) da Câmara dos Comuns tenha posto em dúvida a praticabilidade do projecto Global Britain [8], vários pontos avançaram, apesar de um grande escolho.

Importa compreender que a Sra. May não tenta mudar de política, mas, antes reordenar a política do seu país. No decurso do último meio século, o Reino Unido tentou integrar-se na construção europeia, perdendo progressivamente as vantagens herdadas do seu antigo Império. Trata-se agora, não de abandonar o que foi feito durante este período, mas de restaurar a antiga hierarquia do mundo, quando os funcionários de Sua Majestade e a gentry (aristocracia -ndT) viviam nos clubes, nos quatro cantos do mundo. servidos pelos locais.

- Numa viagem à China, na semana seguinte ao discurso de Sir Nick Carter, Theresa May negociou lá numerosos contratos comerciais, mas entrou em conflito político com os seus anfitriões. Pequim recusou distanciar-se de Moscovo (Moscou-br), e Londres recusou apoiar o projecto da Rota da Seda. Livre comércio, sim, mas não através das vias de comunicação controladas pela China. Desde 1941 e da Carta do Atlântico, o Reino Unido partilha a responsabilidade dos «espaços comuns» (marítimos e aéreos) com os Estados Unidos. As suas duas frotas são concebidas para ser complementares, mesmo se a Marinha dos EUA é muito mais poderosa que a do Almirantado. 

Seguidamente, a Coroa activou o governo do seu dominion australiano para reconstruir os Quads, o grupo anti-chinês que se reunia sob o mandato Bush Jr. [9]. Ele é constituído, para além da Austrália, pelo Japão, Índia e pelos Estados Unidos.

Desde logo, o Pentágono estuda as possibilidades de criar problemas tanto na Rota da Seda marítima, no Pacífico, quanto na Rota terrestre.

- A aliança militar anunciada foi constituída sob a forma do muito secreto «Pequeno Grupo» [10]. A Alemanha que atravessava uma crise governamental não participou nela de início, mas parece que esse atraso terá sido reparado no início de Março. Todos os membros desta conjura coordenaram a sua acção na Síria. Apesar dos seus esforços, falharam por três vezes em organizar um ataque químico de falsa bandeira na Ghuta Oriental, ao terem os exércitos sírio e russo capturado os seus laboratórios de Aftris e de Shifunya [11]. Todavia, eles acabaram por publicar um comunicado conjunto anti-Russo sobre o caso Skripal [12] e mobilizaram, ao mesmo tempo, a OTAN [13] e a União Europeia contra a Rússia [14].

Como isto pode evoluir ?

É evidentemente estranho ver a França e a Alemanha apoiarem um projecto que foi explicitamente enunciado contra eles: o Global Britain, na medida em que o Brexit não é tanto uma fuga à burocracia federal da União Europeia mas uma assunção de rivalidade.

Seja como for, a Global Britain resume-se hoje à: 

- promoção do livre comércio mundial, mas exclusivamente no quadro talassocrático, quer dizer com os Estados Unidos contra as vias de comunicação chinesas ; 

- e à tentativa de excluir a Rússia do Conselho de Segurança e de cortar o mundo em dois, o que implica as manipulações em curso com armas químicas na Síria e o escândalo Skripal.

Várias consequências incidentais deste programa podem ser antecipadas:

- A crise actual retoma elementos comuns a do fim do mandato Obama, salvo que Londres —e não mais Washington— está agora no centro do jogo. O Reino Unido que já não pode apoiar-se no Secretário de Estado Rex Tillerson, vai voltar-se para o novo Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton [15]. Contrariamente às alegações da imprensa norte-americana, este não é de todo um neo-conservador, mas, antes um próximo de Steve Bannon. Ele recusa que o seu país esteja sujeito ao Direito Internacional e grita contra os comunistas e os muçulmanos, mas, na realidade não tem intenção de lançar novas guerras entre Estados e deseja unicamente ficar tranquilo no país. Ele não deixará de assinar todas as declarações que lhe colocarão à frente contra a Rússia, o Irão, a Venezuela, a Coreia do Norte, etc. Londres não conseguirá manipulá-lo para excluir Moscovo do Conselho de Segurança porque o seu objectivo pessoal não é de o reformar, mas, sim de se livrar de toda a ONU. Por outro lado, ele será um fiel aliado quanto a conservar o controle dos «espaços comuns» e lutar contra a «Rota da Seda» chinesa, tanto como ele foi, em 2003, o mentor da Iniciativa de Segurança contra a Proliferação (Proliferation Security Initiative - PSI). Deveremos, pois, ver surgir aqui e ali, no traçado das rotas chinesas, novas pseudo-guerras civis alimentadas pelos Anglo-Saxões.

- A Arábia Saudita prepara a criação de um novo paraíso fiscal no Sinai e no mar Vermelho, o “Neom”. Ele deverá substituir Beirute e o Dubai, mas não Telavive. Londres irá conectá-lo com os diferentes paraísos fiscais da Coroa —entre os quais a City de Londres que não é inglesa, antes depende directamente da Rainha Isabel— para garantir a opacidade do comércio internacional.

- A multidão de organizações jiadistas, que reflui do Levante, continua controlada pelo MI6, através dos Irmãos Muçulmanos e da Ordem dos Naqchbandis. Este dispositivo deverá ser recolocado principalmente contra a Rússia — e não contra a China ou nas Caraíbas, como é actualmente encarado.

Após a Segunda Guerra Mundial, assistimos à descolonização dos Impérios europeus, depois após a guerra contra o Vietname à financiarização pelos Anglo-Saxões da economia mundial e, por fim, após a dissolução da União Soviética à tentativa de domínio total pelos Estados Unidos. Hoje em dia, com a ascensão em poderio da Rússia moderna e da China, a fantasia de um mundo culturalmente globalizado e governado de maneira unipolar dissipa-se enquanto as potências ocidentais —e particularmente o Reino Unido— retornam ao seu próprio sonho imperial. Claro, o alto nível de educação actual nas suas antigas colónias obriga-os a repensar o seu modo de dominação.


*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

Notas:
[1] “Theresa May speech to the Lord Mayor’s Banquet 2017” («Discurso de Theresa May no Banquete do Lord Mayor em 2017»- ndT), by Theresa May, Voltaire Network, 13 November 2017.
[2] Ao fazê-lo a Sra May confirmava o meu prognóstico no dia seguinte ao Brexit, dezasseis meses antes : “A nova política estrangeira britânica”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 4 de Julho de 2016. Mas, como eu explicarei no seguimento deste artigo, esta visão chocou com a aliança russo-chinesa.
[3] “O carácter indivisível e universal da segurança global”, Vladimir Putin, Tradução Resistir.info, Rede Voltaire, 11 de Fevereiro de 2007.
[4] Esta questão é fundamental. Ela foi largamente debatida por Edmund Burke e Thomas Paine. É esta diferença irreconciliável que opõe os Direitos do homem anglo-saxónicos (definidos pela Declaração de Maria II de Inglaterra em 1689) e o sistema de monarquia parlamentar que daí decorre, por um lado, e por outro os Direitos do homem francês (definidos pela Declaração da Assembleia Nacional Constituinte de 1789) que põe fim às três ordens do “Ancien Régime”.
[5] “Dynamic Security Threats and the British Army” («Ameaças Dinâmicas de Segurança e o Exército Britânico»- ndT), by General Sir Nick Carter, Voltaire Network, 22 January 2018.
[6] “Vladimir Putin Address to the Russian Federal Assembly” («V. Putin discursa perante a Assembleia Federal da Rússia»- ndT), by Vladimir Putin, Voltaire Network, 1 March 2018.
[7] “O exército britânico dota-se de uma unidade contra a propaganda russa”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 30 de Janeiro de 2018.
[8] “Global Britain inquiry”, Foreign Affairs Committee, UK House of Commons.
[9] “Os Quads preparam um contra-projeto à Rota da Seda”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 1 de Março de 2018.
[10] « Syrieleaks : un câble diplomatique britannique dévoile la "stratégie occidentale" », par Richard Labévière, Observatoire géostratégique, Proche&Moyen-Orient.ch, 17 février 2018.
[11] “Dois laboratórios de armas químicas descobertos entre os «rebeldes moderados» sírios”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Março de 2018.
[14] « Conclusions du Conseil européen sur l’attaque de Salisbury », Réseau Voltaire, 22 mars 2018.
[15] « John Bolton et le désarmement par la guerre », Réseau Voltaire, 30 novembre 2004.

COREIA DO NORTE/CHINA | Grande palco para Kim Jong-un


Alexander Freund* | opinião

Visita do ditador norte-coreano ao presidente chinês Xi foi golpe de mestre, pois ele sai fortalecido para negociações entre a Coreia do Sul e os EUA. Mas ainda faltam resultados concretos, opina Alexander Freund.

A breve visita de Kim Jung-un a Pequim pode ser considerada um sucesso para o jovem governante norte-coreano: para ele foi preparada uma grande recepção. Ele ganhou a oportunidade de envolver o seu irmão mais velho, a China, em um estágio inicial, mesmo antes de qualquer negociação direta com a Coreia do Sul e, em seguida, com os EUA – se tudo correr bem.

Com o apoio chinês, Kim Jung-un sai agora fortalecido para as negociações. Graças à ameaça de seus cenários nucleares e à aliança demonstrativa com a China, ele pode agora sentar-se mais confiante à mesa de negociações. Ele irá negociar de igual para igual, não como um solicitante forçado a se ajoelhar pelas sanções.

Para uma possível desnuclearização, Kim espera "uma atmosfera de estabilidade e paz" dos EUA e Coreia do Sul. Em outras palavras, isso provavelmente significa que ele e seu círculo de poder obtenham garantias de segurança e que também o sul seja desarmado militarmente.

Com os testes de mísseis e as ambições nucleares da Coreia do Norte minando a autoridade da China como potência protetora, a visita inaugural de Kim ao homem forte chinês já deveria ter acontecido há muito. Por bastante tempo, a China se esforçou sem sucesso por uma solução diplomática nas chamadas "conversas de seis partes".

O fato de Pyongyang não apenas ter tensionado as relações tradicionalmente próximas, mas também ter ido longe demais, ficou claro no mais tardar quando Pequim também apoiou as sanções da ONU contra o país isolado.

O fato de Kim primeiro pedir o apoio da China antes de qualquer negociação pode ser visto por Pequim como um grande sucesso. Porque sem os chineses, não haverá solução para o conflito coreano.

A forma como Pequim encenou toda a cobertura midiática sobre a misteriosa viagem de trem de Kim e celebra o papel de liderança de Xi na visita mostra a importância dessa autoridade para os chineses.

Xi Jinping pode se intitular vitorioso – a autoridade do poder protetor parece ter sido restaurada por enquanto. Não importa o que Kim discuta com o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, ou com o presidente dos EUA, Donald Trump, não será possível uma decisão sem Xi.

No entanto, o presidente dos EUA também se vê vitorioso, porque, com sua atitude dura, aumentou tanto a pressão sobre a Coreia do Norte que Pyongyang teve que se mexer. Trump vai reclamar para si o êxito de finalmente haver movimento no conflito da Coreia. Se, nesse contexto, ele conseguir negociar um acordo aceitável para os EUA, como a desnuclearização da península coreana e o abandono dos testes de mísseis direcionados para os EUA, então esse seria realmente um mérito seu. Ainda não se sabe que concessões Trump estaria disposto a fazer.

Ele provavelmente poderia renunciar às manobras conjuntas com os sul-coreanos ou à instalação do sistema antimísseis THAAD, mas dificilmente Trump concordaria com uma retirada das tropas americanas da Coreia do Sul. Além disso, para Kim, uma "desnuclearização da península coreana" também envolve a retirada de armas nucleares táticas dos EUA, por exemplo, de submarinos da região.

O presidente sul-coreano, Moon, também não pode faltar nesse rol de vencedores, mesmo que ele seja o de menor destaque entre todos esses machos alfa. Suas políticas orientadas ao diálogo criaram no momento exato uma atmosfera de confiança, que foi felizmente aproveitada pelo governante da Coreia do Norte.

Como se sabe, o sucesso tem muitos pais. Isso se demonstra mais uma vez aqui. E quando muitos se veem como vencedores, então as chances de êxito também aumentam. No entanto, também deve ficar claro para todos os supostos ganhadores que, em última instância, nada ainda foi alcançado. Porque as verdadeiras negociações ainda estão pendentes.

As diferenças e a desconfiança mútua são compreensivelmente grandes. Mas, finalmente, há ao menos uma esperança realista com vista a uma solução negociada. Esse é realmente um verdadeiro sucesso comparado com a retórica belicista dos últimos meses.

*Deutsche Welle

BRASIL | O Famoso Beco do Fanha


“Na contramão das intervenções urbanas,
os "becos" eram o espaço da contra-ordem”
Sandra J. Pesavento (1945-2009).    


No século 19, existiu em Porto Alegre um beco, na atual Caldas Júnior, que foi alvo da curiosidade e motivo de pesquisa por vários historiadores: o Beco do Fanha. A origem de sua denominação nos remete à figura do taverneiro Francisco José Azevedo. Ligado ao comércio, ele abriu no local um armazém de secos & molhados. Logo o novo estabelecimento atraiu frequentadores, que passaram a comentar sobre a voz nasalada do proprietário, às vezes, difícil de ser compreendida. O lugar, que era conhecido como Quebra-Costas, devido à inclinação do terreno, passou então a ser chamado de Beco do Fanha.

Em 1834, Atas da Câmara Municipal já se referiam ao Beco, associando-o à alcunha do comerciante. Ao longo do tempo, outras casas foram construídas, e o lugar se transformou num logradouro público.  O jornal local O Independente (1900-1923), de 18 de fevereiro de 1906, publicou a seguinte crítica sobre o Beco do Fanha: “Os moradores são ou vagabundos incorrigíveis ou prostitutas da mais baixa esfera, infelizes que às vezes nem têm o que comer (...)” 

De acordo com o ilustre historiador Sérgio da Costa Franco, em sua consagrada obra Porto Alegre Guia Histórico (UFRGS, 1988), a Câmara Municipal , em 1873, substituiu o nome do Beco do Fanha por Travessa Paysandu. A nova designação foi uma homenagem à batalha vencida, no Uruguai, em 1865, pelo Exército brasileiro, contra Aguirre.
  
Fato curioso é que Paysandu, em Guarani, significa “gagueira cortando o fio da palavra”. Embora a alteração do nome do lugar, o nosso personagem, o Fanha, de alguma forma, continuou presente no imaginário citadino. Naquele período, segundo  Costa Franco, o local  começou a melhorar de status, quando nele passou a residir o destacado médico, escritor e jornalista Caldre Fião (1824-1876), um dos fundadores da mais antiga sociedade literária do Brasil: o Partenon Literário (1868).

Já Ary Veiga Sanhudo (1915-1997) registrou que a troca do nome se deu no ano de 1895, inclusive, com a demolição das casas do velho Beco, determinada pelo intendente (prefeito) Alfredo Augusto de Azevedo.

Em 1874, entre a Rua Riachuelo e a Rua da Praia, a travessa foi calçada, sendo que o trecho da Rua da Praia até a Rua Sete de Setembro foi concluído somente em 1892.

Na administração do intendente José Montaury de Aguiar Leitão (1858-1939), a Travessa Paysandu foi alargada em sete metros do lado da numeração ímpar, ficando com a largura de 13 metros. Na época, esta obra foi bastante importante, pois modernizou o local em relação a várias ruas centrais consideradas nobres.

O antigo prédio da Caixa Econômica Federal, localizado na esquina da Rua Sete de setembro, a sede do jornal A Federação (1884-1937) e do Grande Hotel, na esquina da Rua dos Andradas, deram uma configuração moderna à Travessa Paysandu. Ainda assim, apesar da alteração do nome, muitos persistiam em chamá-la de Beco do Fanha.
   

No dia 6 setembro de 1922, na esquina da antiga Travessa Paysandu, hoje Rua Caldas Júnior, inaugurou-se a nova sede do jornal republicano “A Federação” (1884-1937). Com a implantação do Estado Novo (1937-1945), por ordem do presidente de Getúlio Vargas (1882-1954), o jornal encerrou a sua circulação. Nesse local também foram impressos o Jornal do Estado (1938-1942) e por último o “Diário Oficial do Estado”. Desde 10 de setembro 1974, ali se encontra instalado o Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, dirigido, atualmente, pela jornalista Elizabeth Corbetta. Neste ano, esta instituição completará 44 anos de importantes atividades culturais junto à sociedade gaúcha.

Em 1º /12/ 1944, um decreto municipal foi assinado pelo prefeito Brochado da Rocha (1907-1995), determinando que a antiga Travessa Paysandu fosse denominada de Rua Caldas Júnior. Na realidade, houve uma permuta de nomes: a Rua Caldas Júnior, que se localizava no bairro Partenon, passou então a chamar-se Paysandu (Paissandu).
   
As gerações mais recentes sequer imaginam que, hoje, onde transitam, havia um Beco, no qual circulavam cidadãos livres e escravos.  De acordo com a historiadora Sandra Jatahy Pesavento (1945-2009), rufiões e cafetinas também faziam parte deste cenário, abrigando, em seus casebres, as “horizontais” - como a imprensa da época as denominava - ou mulheres de vida “airada”, em busca de sobrevivência, como registrou nosso primeiro cronista Antônio Alvares Pereira Coruja (1806-1889).  Outros tempos... Atualmente, o local faz parte do Centro Histórico da Cidade.  No dia 26 de março de 2018, Porto Alegre - o antigo Porto dos Casais - completou seus 246 anos de fundação.  Parabéns “ Cidade Sorriso”!

*Artigo publicado no jornal gaúcho Zero Hora de 26 de março de 2018
                                                            
*Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu de Comunicação HJC

Bibliografia:
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre / Guia Histórico. Porto Alegre: Ed. da Universidade (UFRGS), 1988.
OLIVEIRA, Clovis Silveira de. Porto Alegre / A cidade e sua formação. Porto Alegre: Gáfica e Editora Norma, 1985.
SANHUDO, Ary Veiga. Porto Alegre / Crônicas da Minha Cidade. Porto Alegre: Ed. Movimento.

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