Jorge Rocha | opinião
Se o «empréstimo» assumido pela
troika foi de 78 mil milhões de euros, já ascende a mais de 20% desse valor o
dinheiro investido nos últimos dez anos no sistema bancário para que não tenha
entrado em rutura. BPN, BES, Banif e CGD constituíram um insuportável
sorvedouro de dinheiros públicos, que o Banco de Portugal calcula corresponder
a 9,1% do PIB.
Por quanto mais tempo isso se
repetirá - agora com o Novo Banco - é resposta a que Mário Centeno não quis
responder quando o interrogaram sobre tal situação na Comissão Parlamentar. Mas
teme-se que não fique por aqui e que o fundo abutre, que comprou os despojos do
Grupo Espírito Santo, continue a garantir apetecíveis retornos do seu reduzido
investimento à conta do dinheiro dos contribuintes.
É essa predisposição para
priorizar os interesses da banca relativamente aos dos portugueses, cujo voto
lhe renderam a pasta ministerial e, colateralmente, a presidência do Eurogrupo,
que justifica algumas apreensões em relação às vantagens de ver prolongada por
muito mais tempo a carreira política do ministro das Finanças. No Parlamento
Europeu Marisa Matias já questionou se Centeno influenciaria o Eurogrupo ou se
seria este a consolidar a sua ideologia marcadamente influenciada pela
admiração pela financeirização das sociedades de acordo com os modelos
anglo-saxónicos. Exprimindo idêntica desconfiança Daniel Oliveira publicou um
texto muito pertinente sobre se teria sido para a governação condicionada pelas
cativações de Centeno que a «Geringonça» se teria formado. É que os efeitos na
Saúde ou na Cultura tornam-se assaz ruidosos, tanto mais que explorados pelas
direitas, que não têm pejo em se aproveitarem de situações, que elas próprias
armadilharam quando estiveram no (des)governo.
Não hajam dúvidas quanto
à importância de Centeno nestes últimos dois anos e meio. Foi a sua
competência na utilização de estratégias de gestão das circunstâncias, que
permitiram os sucessivos brilharetes conseguidos desde que substituiu Maria
Luís Albuquerque. Mas há alguma razão, quando alguns comentadores, como Pedro
Marques Lopes, defendem que as políticas impostas por ele aos seus colegas de
governo não diferem muito das que o PSD tomaria se fosse aquilo que alguns
(poucos!) desejariam que fosse e não aquilo que sempre acabou por revelar ser a
sua verdadeira identidade.
Foi de facto na cartilha
social-democrata, que Centeno fundamentou o trajeto da economia nacional do seu
desequilíbrio orçamental até ao superavit, que já se prefigura num
horizonte muito próximo. À conta dessa conduta o país saiu do radar dos
políticos do Norte da Europa, que nos caricaturavam de uma forma, que muito
justamente nos indignou.
O problema é que o planeta
move-se e a realidade muda de acordo com tendências, que fazem-nos duvidar das
vantagens de manter Centeno como ministro na próxima legislatura ao contrário
do que, precipitadamente, veio sugerir Ana Catarina Mendes. É que, se a
conjuntura potenciou o engenho até agora demonstrado, os principais problemas
vividos a nível europeu - o enriquecimento acelerado de uma minoria à custa do
empobrecimento da maioria, o alheamento quanto ao problema real da inevitável
diminuição do volume e da qualidade do emprego, sobretudo para as camadas mais
jovens da população - não se resolvem com Uniões Bancárias nem outras políticas
de diluição das soberanias nacionais numa instituição burocrática ditada pela
vontade de alemães e holandeses.
A luta de classes, ora assume a
perversa característica de dar imerecido fôlego a populistas de extrema-direita,
ora se manifesta em lutas frequentemente inorgânicas, que se devidamente
organizadas e canalizadas no sentido adequado, podem estremecer os alicerces do
desnorteado capitalismo europeu. Chegará o momento em que António Costa ficará
confrontado com duas vias possíveis: ou ceder a Centeno coligando-se
inevitavelmente com o PSD de Rui Rio, ou assumir-se verdadeiramente como
socialista e mostrar coragem na opção, que implique a melhoria significativa da
qualidade de vida dos cidadãos, de modo a que se cumpram as suas
expetativas quanto ao direito ao trabalho, à saúde, à educação, à
cultura e à habitação. É claro que a eventual maioria absoluta poderá ser
transitório paliativo, mas de efeitos apenas retardadores do ponto de viragem
em que uma decisão ideológica bem definida terá de ser tomada.
É que, embora os estarolas das
direitas tendam a expressar-se de forma semelhante - demorará bastante a que
gerações sucessivas formadas na Católica, na Nova de Lisboa ou na Faculdade do
Porto, por professores incapazes de se libertarem da lógica do datado e
esgotado neoliberalismo! - as críticas fundamentadas de quem pensa o futuro
próximo à esquerda do Partido Socialista fazem todo o sentido valendo a pena
atentar no que vão escrevendo José Reis, José Castro Caldas, Ricardo Paes
Mamede ou João Rodrigues nos abundantes textos de opinião, que continuam
infelizmente a ser pouco conhecidos por quem se vê contaminado pelos Zés Gomes
Ferreiras, pelos Camilos ou pelos Vieiras Pereiras, que por aí abundam.
A propósito de Mário Centeno,
João Rodrigues concluía um artigo com esta justa desconfiança a seu respeito:“o
emprego criado concentra-se em sectores de baixos salários como o turismo e a
construção, correspondendo a um processo, indissociável do euro e acentuado
pela Troika, de regressão estrutural, ou seja, de especialização crescente em
sectores com menor potencial de inovação e de ganhos de produtividade,
garantindo um lugar subalterno de Florida da Europa. Mário Centeno é um
problema crescente internamente. A questão não é pessoal, mas sim política.
Talvez também tenha sido por isso que Jean-Claude Juncker apodou de sábia a sua
eleição para a presidência do Eurogrupo”.
Ventos Semeados | Publicada por jorge rocha
Sem comentários:
Enviar um comentário