domingo, 4 de maio de 2025

Angola | Notícias para o Boneco – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda >

Uma manifestação de estudantes levou à identificação de manifestantes e jornalistas que cobriam o acontecimento. Em Portugal a notícia correu célere, nestes termos: “Polícia Angolana Prendeu Quatro Jornalistas”. Um deles foi “libertado” 15 minutos depois. Os outros mais ou menos. Ninguém foi preso. Os cristãos novos da democracia acham que o direito de manifestação é absoluto. Os manifestantes até podem atacar agentes da polícia e violar espaços interditos. 

O repórter da DW África, Borralho Ndomba, foi abordado por agentes da polícia, que lhe disseram: "O senhor jornalista não pode permanecer dentro do perímetro de segurança. Tem de sair daqui”. Desobedeceu. Vai daí foi identificado. O mundo entrou em choque. A DW África é uma extensão da polícia secreta alemã, parente afastada da GESTAPO.  O direito de manifestação é incomensurável. Não tem limites.

O mesmo se passa com a sacrossanta liberdade de imprensa. Na Jamba não tinha qualquer travão. Ilimitada. A Vorgan todos os dias apontava o dedo ao assassino e criminoso de guerra Jonas Savimbi. O Abílio Camalata Numa e as suas pauladas eram tema de notícias diárias. 

Os jornalistas cobriam todos os dias manifestações contra os traficantes de droga e os kamangistas que se abasteciam no supermercado da Jamba. Ficou famosa a manifestação contra Savimbi e PW Botha quando o chefe do regime racista de Pretória foi dizimar elefantes no Cuando Cubango. Amplíssimas liberdades de manifestação, de expressão, de imprensa. Não sei o que seria do Jornalismo Angolano sem o exemplo da Jamba. E sem a lições democráticas do regime de apartheid.

UNITA e seus sócios querem a mesma liberdade no resto de Angola. O problema é que na democracia representativas todas as liberdades têm limites. E os direitos de cada um acabam onde começam o direito dos outros. Acreditem em mim que passei a vida lutando pela Liberdade de Imprensa. A sério. Nem imaginam as vezes que o meu trabalho foi para o lixo, cortado pela comissão de censura. Os patrões não davam trabalho a quem só sabia escrever em liberdade, ignorando os censores.

Em Angola temos um Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). Os seus membros estão em estado de choque porque um repórter foi identificado pela polícia durante oito minutos! Não pode. Jornalista é igual a João Lourenço. Intocável como deus. A sua carteira profissional é uma espécie de licença de caça grossa que dá para matar tudo, desde pacaças às honras alheias.

O Comité de Proteção dos Jornalistas (CPJ) tem um objectivo existencial que é descriminalizar em Angola o gravíssimo crime de difamação, ainda que seja punido com uma bagatela penal. Na Europa, Ucrânia (em 2001), Bósnia y Herzegovina (em 2002) e Geórgia (em 2004) já descriminalizaram. O Sri Lanka (em 2002) também. Em África, o Gana retirou à difamação a carga criminosa. Tudo democracias exemplares. 

Na União Europeia difamação  continua a ser crime. Isto quer dizer que os membros do cartel ainda não perderam totalmente a vergonha. Os cidadãos, por enquanto, não são meros contribuintes e depositantes de votos nas eleições. A difamação ocorre quando alguém, publicamente, por viva voz, escrito ou desenho, imputa a outro um facto ofensivo da sua honra e consideração, ou reproduz essa imputação. Difamação é um dos três crimes contra a honra. É punida pelo Artigo 409.° do Código Penal Angolano. 

Nos países onde deixou de ser crime, os difamadores pagam uma indemnização! Que se lixe a honra. Abaixo o bom-nome e a consideração social. Atacar a honra é o mesmo que estacionamento proibido. E mais suave do que beber muito e conduzir. Porque se a taxa de álcool no sangue for elevada, é crime. Difamar não. É isto que quer o tal Comité de Protecção dos Jornalistas. Está criminosamente contra o Jornalismo.

No princípio era o clero, a nobreza, os servos da gleba e os escravos. Os clérigos e nobres eram personalidades. Os do povinho não eram nada. Não tinham direitos nem liberdades. Até que entrou em cena São Tomás de Aquino, na Idade Média. Disse que os seres humanos têm dignidade infinita, são únicos e irrepetíveis. Foi aqui que nasceram os Direitos de Personalidade, que tanto protegem a dignidade do rei e do papa, como da zungueira e do candongueiro. Garantem a liberdade e autodeterminação de todos, todos, todos como dizia o Papa Francisco. O Direito à Honra, ao bom-nome e à consideração social está aí. Difamar é crime grave. 

Quando difamar deixar de ser um crime contra a Honra, os seres humanos ficam ocos. Uma mulher ou um homem sem honra valem menos do que frangos de aviário que não têm mãe e pai. Nem para churrasco servem. 

Sem cidadãos com Direitos de Personalidade, os jornalistas estão a trabalhar para o boneco. Produzem notícias, reportagens, entrevistas e crónicas para ninguém. Se é isso que querem, então acabem com o Jornalismo. Acabem com o Poder Judicial. Fechem os Tribunais e os Media. Todo o o poder ao ditador de serviço e bombardeiem os consumidores com lixo mediático. Venham daí as falsas notícias.

* Jornalista

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